Concurso público da Polícia Federal: Recurso administrativo inviável quando a banca oculta as correções da prova discursiva
A decisão da banca da PF de usar médias nas provas discursivas gera injustiças, ocultando discrepâncias e ferindo a transparência do concurso.
segunda-feira, 3 de novembro de 2025
Atualizado em 31 de outubro de 2025 12:06
Quando se trata do concurso público para delegado da Polícia Federal, cada décimo vale um passo em direção a um sonho: servir a sociedade no ápice da investigação criminal brasileira. Por isso, a nota da prova discursiva tem impacto direto e profundo - e não raro, define quem segue adiante e quem é eliminado do certame. A banca examinadora, porém, adota um procedimento que vem gerando grande controvérsia jurídica: a média aritmética entre as notas dos dois avaliadores.
À primeira vista, parece um mecanismo imparcial. Dois avaliadores distintos, duas perspectivas técnicas diferentes, uma nota final resultante da média - tudo muito racional. Contudo, a realidade dos candidatos revela outra face: a média pode esconder erros grosseiros, divergências injustificadas e avaliações radicalmente discrepantes.
Imagine este exemplo realista: avaliador 1 atribui 3,9 pontos em uma questão que vale 4,0, reconhecendo domínio do conteúdo, coesão textual e fundamentação jurídica sólida. O avaliador 2, entretanto, avalia a mesma resposta com 2,8 pontos, descontando aspectos que sequer são esclarecidos ao candidato. Pela matemática fria da banca, a nota final será 3,35 - e o candidato pode ser eliminado.
A pergunta se impõe: como pode haver duas avaliações tão distintas de um mesmo texto sem que isso gere nova correção, auditoria ou fundamentação? Quando a banca adota a média como "solução", ela na verdade mascara o problema, ao invés de enfrentá-lo. Como ensinou Kant, "a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar" - e aqui a injustiça se esconde sob a aparência de técnica.
A correção discursiva possui elemento inevitavelmente interpretativo, mas a interpretação deve estar submetida aos princípios constitucionais da legalidade, motivação, isonomia e razoabilidade. Quando um avaliador reconhece plenamente o argumento jurídico do candidato e o outro o enxerga como absolutamente insuficiente, temos uma evidência clara de arbitrariedade - que a média tenta silenciar.
O edital, ao invés de prever uma solução para discrepâncias relevantes - como terceira avaliação ou prevalência da nota mais favorável - simplesmente absorve o conflito em uma conta matemática. O resultado dessa omissão é concreto e cruel: candidatos preparados, com ótima argumentação jurídica, são excluídos do concurso pela opacidade do método, e não pela falta de mérito.
E como recorrer, se o candidato sequer tem acesso às razões pelas quais um avaliador o reconheceu e o outro o condenou? A média esconde o erro, e o erro impede o recurso - um ciclo que viola frontalmente o direito ao controle do ato administrativo.
O concurso público é o caminho de acesso às carreiras essenciais do Estado. Não é aceitável que um método matemático transforme o mérito do candidato em um número injusto, impreciso e irrecorrível. A média não pode ser utilizada para acobertar divergências técnicas que podem determinar o destino de uma vida inteira de estudos.
Portanto, se você percebe que sua nota discursiva não revela a qualidade do que escreveu, não aceite o silêncio como resposta. Seu conhecimento importa. Sua preparação merece ser reconhecida. Seu sonho é legítimo. E quando o procedimento falha, o Direito existe para corrigir a rota.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



