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A carga tributária no Brasil: Entre a sanha arrecadatória e a necessidade de responsabilidade fiscal

Crescente carga tributária no Brasil exige reformas, transparência e gestão eficiente para reduzir desigualdades e melhorar serviços públicos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Atualizado em 7 de novembro de 2025 13:54

1. Introdução

A carga tributária no Brasil é um tema recorrente de debate, caracterizada por padrões elevados de arrecadação e desafios na eficiência do gasto público. Atualmente, o Brasil apresenta uma das mais altas cargas tributárias entre as economias em desenvolvimento, atingindo cerca de 32,32% do PIB em 2024 (https://www.gov.br/tesouronacional e https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br), superando a média de países com nível econômico similar. Esse panorama é acompanhado por críticas à chamada "sanha arrecadatória" do governo Federal, que reflete a busca incessante por maior arrecadação sem avanços proporcionais em responsabilidade fiscal e eficiência pública.

Este artigo tem como objetivo analisar a evolução histórica da carga tributária (https://www.ibpt.org.br e https://rbgdr.net) no Brasil e suas implicações econômicas e sociais. Também serão exploradas a relação entre a sanha arrecadatória e a falta de responsabilidade fiscal, além de serem apresentadas propostas para reverter essa dinâmica prejudicial e promover um ambiente tributário mais justo, eficiente e transparente.

2. A evolução da carga tributária no Brasil

2.1 Marcos históricos da tributação brasileira

O atual sistema tributário brasileiro resulta de uma série de transformações históricas, marcadas por adaptações às necessidades de arrecadação do Estado em distintas épocas. Entre os principais marcos históricos, destacam-se:

  • Período colonial e imperial: A tributação no Brasil surgiu como instrumento para sustentar a metrópole portuguesa, sendo centrada em tributos sobre a produção agroexportadora. Esses impostos tinham caráter regressivo, penalizando mais intensamente os pequenos produtores.
  • República velha (1889-1930): A transição para impostos sobre consumo e renda marcou os primeiros esforços para diversificar a base arrecadatória. Entretanto, a carga tributária ainda recaía de forma desproporcional sobre setores menos organizados.
  • CF/88: Este foi um marco fundamental que consolidou o atual sistema tributário, organizando competências tributárias para União, Estados e municípios. A ênfase em tributos indiretos, como ICMS e PIS/Cofins, resultou em alta complexidade tributária, criando desafios para o desenvolvimento econômico.

Desde os anos 1990, a carga tributária cresceu rapidamente, em grande parte para financiar despesas sociais, previdenciárias e de infraestrutura. Apesar do aumento significativo da arrecadação, a eficiência do gasto público continua limitada.

2.2 A regra atual e sua complexidade

Com mais de 90 tributos em vigor, o Brasil é apontado como um dos países com maior complexidade tributária no mundo, segundo o relatório Paying Taxes 2024, elaborado pelo Banco Mundial. Essa complexidade não apenas aumenta os custos de conformidade tributária, como também desestimula o empreendedorismo e a competitividade empresarial.

3. A relação entre sanha arrecadatória e falta de responsabilidade fiscal

3.1 O ciclo vicioso entre arrecadação e déficit

A elevação da carga tributária no Brasil está profundamente vinculada à ausência de uma gestão fiscal eficiente. A "sanha arrecadatória" se materializa quando o governo Federal, em vez de implementar cortes estruturais em gastos ineficientes, prefere criar ou aumentar tributos para suprir déficits fiscais.

  • Expansão dos gastos públicos: Mais de 33% das despesas públicas Federais estão alocadas em previdência e folha de pagamento, muitas vezes desprovidas de planejamento estratégico.
  • Ineficiência alocativa: Apesar da alta carga de tributos, setores essenciais como saúde, educação e infraestrutura continuam subfinanciados ou geridos de maneira ineficaz.

Esse cenário alimenta um ciclo de déficits crescentes, ampliando ainda mais a pressão por maior arrecadação e criando distorções econômicas e sociais.

3.2 Regressividade do sistema tributário

O sistema tributário brasileiro é amplamente reconhecido como regressivo, uma vez que quase 50% da receita tributária decorre de impostos indiretos, como ICMS, aplicados ao consumo. Isso significa que os estratos mais pobres da população são proporcionalmente mais onerados, ampliando a desigualdade social.

4. Consequências econômicas e sociais da elevada carga tributária

4.1 Impactos econômicos

  • Desestímulo ao investimento empresarial: Empresários enfrentam uma carga tributária que ultrapassa 40% do lucro das empresas, incluindo impostos sobre a distribuição de dividendos. Esse cenário desestimula a atração de investimentos estrangeiros e compromete a competitividade no mercado global.
  • Complexidade administrativa: As empresas brasileiras gastam, em média, 1.501 horas por ano somente para lidar com obrigações tributárias, de acordo com o Banco Mundial, colocando o Brasil como o país com o maior custo de conformidade no mundo.

4.2 Impactos sociais

  • Agravamento da desigualdade: Um sistema tributário que onera essencialmente o consumo afeta proporcionalmente mais as classes de menor renda, exacerbando a desigualdade.
  • Baixa qualidade dos serviços públicos: A percepção de que o imposto pago não retorna em serviços públicos eficientes gera insatisfação e reduz a confiança cidadã no Estado.

5. Propostas para melhorar a responsabilidade fiscal

Diante dos desafios identificados, algumas propostas concretas para melhorar a responsabilidade fiscal incluem:

5.1 Reforma tributária ampla e progressiva

  • Unificação de tributos: A implementação do IVA - Imposto sobre Valor Agregado, substituindo tributos como ICMS, ISS, e PIS/Cofins, simplificaria a estrutura tributária e tornaria o sistema mais transparente.
  • Progressividade no IRRF e tributação de grandes fortunas: A criação de alíquotas adicionais no Imposto de Renda para pessoas de alta renda e a tributação sobre grandes propriedades poderiam garantir maior equidade no sistema.

5.2 Eficiência na gestão pública

  • Despesas baseadas em resultados: Implantação de um modelo de gestão pública baseado em indicadores de impacto e eficiência na alocação dos recursos.
  • Digitalização: A ampliação da digitalização dos processos administrativos poderia reduzir significativamente o desperdício e aumentar a eficiência de programas governamentais.
  • Redução de gastos: Implantação de serviços on-line, fluxo de trabalho automatizado, gestão eletrônica e armazenamento de documentos, fiscalizações móveis, programas de incentivo à eficiência.

5.3 Transparência e educação fiscal

  • Ampliação de canais de transparência: Desenvolvimento de plataformas públicas acessíveis que detalhem a alocação e os resultados das receitas tributárias.
  • Educação tributária: Investimentos em campanhas educativas que expliquem à população como os impostos são aplicados podem ampliar a aceitação pública das reformas.

6. Discussão: Resistências e estratégias para superá-las

6.1 Resistências políticas e sociais

  • Setores empresariais: Empresários resistem a novas alíquotas que aumentem a carga tributária já elevada.
  • Grupos corporativos: Servidores públicos organizados frequentemente se opõem a reformas que impliquem em cortes de benefícios.
  • População em geral: A desconfiança no uso eficiente dos impostos reduz a aceitação de mudanças tributárias.

6.2 Estratégias de superação

  • Diálogo amplo e participativo: Expandir mecanismos de consulta pública e engajar setores empresariais e trabalhistas no processo de formulação das reformas.
  • Implementação gradual: Promover mudanças de maneira escalonada para evitar crises de adaptação.
  • Compensações diretas: Criar incentivos financeiros para mitigar impactos econômicos nos setores mais afetados.
  • Consultoria externa: Com o objetivo de modernizar o gerenciamento das instituições, imprimindo transparência e fixando parâmetros para os gastos, com a finalidade de uma eficiente economia financeira e consequente diminuição da carga fiscal que afeta direta e indiretamente pessoas físicas e jurídicas.
  • Planejamento estratégico: Com pessoas gabaritadas e fora dos quadros dos governos, com visão, missão e objetivos definidos, levando-se em consideração dados e indicadores, inclusive financeiros, para que seja possível administrar corretamente as finanças, identificar desperdícios e fazer os cortes necessários, inclusive tributários.

7. Conclusão

A crescente carga tributária brasileira está profundamente associada à falta de responsabilidade fiscal e eficiência na gestão pública, perpetuando um ciclo de déficits e aumento de impostos. Reformas amplas e progressivas, focadas na simplificação tributária, aumento da transparência e implementação de políticas fiscais baseadas em resultados, são essenciais para reverter essa dinâmica.

O sucesso dessa empreitada depende de diálogo e consenso entre os diversos atores sociais e políticos, bem como do compromisso do governo Federal em priorizar boas práticas de gestão pública. Desta forma, é possível garantir um sistema tributário mais justo, eficiente, e alinhado às necessidades do crescimento sustentável e à redução das desigualdades sociais.

Stanley Martins Frasão

VIP Stanley Martins Frasão

Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados Membro da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB

Gustavo Pires Maia da Silva

Gustavo Pires Maia da Silva

Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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