ESG, COP30 e a taxonomia sustentável brasileira
Decreto 12.705/25 institui TSB como referência oficial de ESG, integrando normas, finanças e políticas públicas sustentáveis no Brasil.
segunda-feira, 10 de novembro de 2025
Atualizado às 14:04
A publicação do decreto 12.705, de 31 de outubro de 2025, às vésperas da COP30, marca o ingresso do Brasil em um novo patamar normativo de sustentabilidade. Ao instituir a TSB - Taxonomia Sustentável Brasileira como instrumento do Plano de Transformação Ecológica, o país transforma a linguagem ESG - antes difusa entre compromissos corporativos e metas voluntárias - em uma política pública estruturada, técnica e verificável, alçada à condição de referência oficial para finanças sustentáveis e desenvolvimento sustentável.
Apresentada pelo Ministério da Fazenda como um verdadeiro "dicionário da sustentabilidade", a TSB busca oferecer clareza, comparabilidade e integridade às informações que orientam políticas públicas, investimentos e decisões financeiras. Mais do que descrever o que é sustentável, o decreto cria método e governança, conferindo ao Brasil uma base jurídica capaz de integrar, de modo sistêmico, os pilares ambiental, social e de governança (ESG) em toda a estrutura econômica nacional.
A natureza e a governança da TSB
Pelo art. 1º, a TSB é formalmente estabelecida como instrumento do Plano de Transformação Ecológica. Ela consiste em um sistema de classificação de atividades, ativos e categorias de projetos que contribuem para objetivos climáticos, ambientais e sociais, com base em critérios específicos.
A competência para aprovar, revisar e atualizar a TSB é atribuída ao CITSB - Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira, cuja estrutura foi delineada por atos prévios do Ministério da Fazenda.
Essa governança inclui uma Secretaria-Executiva, um Comitê Supervisor, grupos técnicos setoriais e temáticos, além de um Comitê Consultivo composto por representantes da sociedade civil.
Trata-se de uma estrutura capaz de assegurar as revisões periódicas previstas no §3º do art. 1º, que estabelece o intervalo máximo de cinco anos e o mínimo de um ano entre as atualizações.
O decreto reflete, assim, o amadurecimento de um processo que passou por consultas públicas amplas, conduzidas pela SDES - Subsecretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável, com centenas de contribuições da sociedade civil, do setor privado, da academia e de órgãos reguladores. Essa etapa consultiva concretiza o princípio da participação e transparência, que também está no cerne da agenda ESG pública brasileira.
Os princípios estruturantes
O art. 2º estabelece dez princípios que sustentam a TSB e conferem base científica, consistência técnica e coerência regulatória à sua aplicação.
Entre eles, destacam-se a fundamentação científica na construção dos critérios; a transição justa na consecução dos objetivos climáticos, ambientais e sociais; a adoção de parâmetros técnicos e objetivos para a avaliação das atividades; a análise das interconexões e interdependências dos impactos; a coerência com políticas públicas e compromissos internacionais; e a consistência entre diferentes setores e atividades.
Também são princípios relevantes a proporcionalidade na adoção de critérios, considerando o porte e a capacidade dos agentes econômicos; a custo-efetividade na aplicação dos instrumentos; a interoperabilidade internacional, respeitadas as prioridades nacionais; e o caráter evolutivo do sistema, sujeito a revisões e atualizações periódicas.
Esses princípios revelam um equilíbrio entre rigor técnico e adaptabilidade, permitindo que a TSB acompanhe a evolução científica e regulatória, sem perder o enraizamento em bases nacionais.
Como tem afirmado o Ministério da Fazenda, o objetivo é criar uma taxonomia confiável e comparável, capaz de evitar práticas enganosas de greenwashing e de projetar, na COP30, a credibilidade do Brasil na formulação de políticas ESG de Estado.
Objetivos estratégicos e finalidades
Nos arts. 3º a 5º, o decreto define os objetivos estratégicos, ambientais e socioeconômicos da TSB. Do ponto de vista estratégico, ela busca mobilizar e orientar o financiamento público e privado para atividades com impactos positivos, promover a inovação e o adensamento tecnológico sustentável, e criar bases informacionais confiáveis sobre os fluxos das finanças sustentáveis, de modo a fortalecer a transparência e a integridade.
A partir desses eixos, desdobram-se os objetivos ambientais - voltados à mitigação e adaptação às mudanças do clima, à conservação da biodiversidade, ao uso sustentável do solo e das florestas, à promoção da economia circular e à prevenção e controle da poluição - e os objetivos socioeconômicos, voltados à geração de trabalho decente e renda, à redução das desigualdades raciais, de gênero e regionais, e à melhoria da qualidade de vida com garantia de direitos e acesso a serviços básicos.
A inclusão expressa de critérios de equidade racial e de gênero confere à TSB um caráter inédito no cenário internacional. É a primeira taxonomia do mundo a incorporar essas dimensões sociais em nível equivalente aos objetivos ambientais, reafirmando o caráter integral da sustentabilidade e o alcance social do ESG brasileiro.
Critérios técnicos e salvaguardas mínimas
O art. 6º disciplina o processo de enquadramento das atividades econômicas, ativos e projetos de acordo com três níveis cumulativos de avaliação: a contribuição substancial a pelo menos um dos objetivos climáticos, ambientais ou socioeconômicos; a ausência de impactos negativos relevantes aos demais objetivos, princípio este também conhecido pela sigla NPS ("não prejudicar significativamente"); e o cumprimento das salvaguardas mínimas, entendidas como requisitos objetivos e verificáveis de conformidade com os marcos normativos vigentes.
Essas salvaguardas possuem dimensão transversal, aplicável a todos os setores, e dimensão setorial, voltada a riscos específicos. Os critérios técnicos, por sua vez, devem ser definidos por atividade econômica, observando, sempre que possível, a correspondência com a CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas, o que garante comparabilidade, rastreabilidade e alinhamento metodológico.
A metodologia oficial - detalhada nos cadernos técnicos que acompanharam a consulta pública - reconhece ainda as chamadas atividades viabilizadoras, isto é, aquelas que possibilitam a transição sustentável de outros setores, dispensadas de comprovar contribuição substancial própria, desde que cumpram integralmente as salvaguardas. Essa estrutura reforça a coerência interna do decreto, consolida a segurança jurídica necessária aos agentes econômicos e confere aplicabilidade concreta aos princípios do ESG no ambiente normativo brasileiro.
Usos públicos, MRV e transparência
O art. 7º define as finalidades práticas da TSB no âmbito da administração pública federal. O sistema poderá ser utilizado para rotulagem de produtos financeiros, inclusive títulos públicos e privados; enquadramento de atividades de emissores de valores mobiliários; aprimoramento da regulação e da supervisão de seguros e entidades mutualistas; revisão e direcionamento de incentivos fiscais e creditícios; qualificação de compras e contratações públicas sustentáveis; monitoramento de investimentos e fluxos financeiros; promoção de acordos internacionais em finanças sustentáveis; e certificação de bens e serviços sustentáveis.
O decreto prevê que essa implementação se dará de forma gradativa, devendo ser reportada ao Sistema de MRV - Monitoramento, Relato e Verificação, sob gestão do CITSB. O comitê também deverá manter página eletrônica específica, com dados atualizados sobre a aplicação da TSB, garantindo a transparência e o controle social do processo.
Além disso, o uso da taxonomia é facultado às demais esferas de governo, à sociedade civil e às entidades privadas, desde que observados os critérios de enquadramento definidos no art. 6º. Essa abertura estimula a difusão do padrão e amplia a adesão voluntária ao sistema, reforçando a dimensão pública da governança ESG. Ao tornar transparentes as bases técnicas e os parâmetros de avaliação, a TSB transforma princípios de governança, integridade e responsabilidade social em critérios normativos de políticas públicas e de instrumentos financeiros.
Fontes de financiamento e suporte institucional
O art. 8º dispõe que os recursos para a implementação da TSB poderão advir de dotações orçamentárias da União, especialmente do Ministério da Fazenda; de fundos públicos e privados; e de doações de entidades privadas, organizações sem fins lucrativos e fundos internacionais.
Essa arquitetura de financiamento expressa o princípio da cooperação intersetorial que sustenta o Plano de Transformação Ecológica, integrando capital público e privado em uma estrutura de governança compartilhada, característica essencial das políticas ESG contemporâneas.
Cronologia e caráter evolutivo
Antes da publicação do decreto 12.705/25, o processo de construção da TSB passou por duas fases de consulta pública, realizadas entre novembro de 2024 e março de 2025, que resultaram em mais de 180 contribuições formais e na elaboração de 13 cadernos técnicos setoriais e temáticos. Esses documentos abordaram os critérios de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, as salvaguardas mínimas, o enfrentamento das desigualdades de gênero e raça e o próprio sistema de monitoramento e verificação.
O decreto incorporou essa lógica participativa e reconheceu o caráter evolutivo da TSB, determinando revisões periódicas e atualizações conduzidas pelo CITSB. A própria evolução contínua do instrumento reflete o princípio da governança adaptativa, típico das políticas ESG, e reafirmado nas discussões multilaterais da COP30, que consolidam o papel do Brasil como protagonista da transição ecológica global.
Interoperabilidade e comparabilidade internacional
O inciso IX do art. 2º consagra o princípio da interoperabilidade com as taxonomias de outros países, respeitadas as prioridades nacionais.
Essa diretriz conecta o decreto à pauta internacional que o Brasil leva à COP30, especialmente à proposta da chamada "Super Taxonomia", voltada à harmonização de taxonomias nacionais e ao fortalecimento da comparabilidade global de investimentos sustentáveis, sem prejuízo da soberania regulatória de cada país.
A TSB, ao mesmo tempo em que reafirma a autonomia brasileira, dialoga com padrões internacionais e reforça a credibilidade do país nas finanças sustentáveis e na governança ESG multilateral. Esse é um dos pontos de maior densidade diplomática do decreto, pois traduz, em norma interna, o compromisso internacional do Brasil em tornar-se referência na regulação verde.
Conclusão
O decreto 12.705/25 institui, de forma precisa e sistemática, um instrumento normativo de alta densidade técnica e política, que organiza a classificação da sustentabilidade no Brasil e projeta, na COP30, a consolidação do ESG como norma de Estado.
A partir dele, o país passa a dispor de uma infraestrutura jurídica e metodológica capaz de orientar incentivos, crédito, rotulagem e compras públicas, enquanto o setor privado ganha parâmetros objetivos para planejar, reportar e verificar suas atividades à luz dos critérios de sustentabilidade.
A TSB inaugura um novo ciclo de integração entre direito, economia e meio ambiente, consolidando um referencial público, científico e transparente para mobilizar capital, tecnologia e informação em direção ao desenvolvimento sustentável, inclusivo e regenerativo - eixo central da agenda brasileira na COP30 e símbolo da maturidade institucional do ESG no país.
Por fim, é importante reconhecer que o avanço representado pelo decreto 12.705/25 também se harmoniza com os 20 Princípios Norteadores do ESG para o Desenvolvimento Sustentável, consolidados no âmbito do Programa ESG20+, e com o Movimento Interinstitucional ESG na Prática.
Esses instrumentos, concebidos para orientar políticas públicas, práticas empresariais e iniciativas institucionais, formam o alicerce conceitual e cooperativo que sustenta a efetividade da taxonomia brasileira.
A convergência entre o decreto, o ESG20+ e o movimento interinstitucional simboliza a construção de um verdadeiro pacto de Estado e de sociedade pelo desenvolvimento sustentável, em que o ESG deixa de ser apenas diretriz de mercado e passa a integrar, de forma orgânica, o ordenamento jurídico, econômico e institucional do país.
Alexandre Arnone
Advogado especialista em Direito Empresarial e Tributário, atuou como Presidente da Câmara de Comércio Mercosul, Chairman de um Grupo de Institutos nas áreas de mobilidade aérea, social e ambiental.
Sóstenes Marchezine
Sócio-Diretor, Grupo Arnone e Arnone Advogados em Brasília. VP, Instituto Global ESG. Representante da OAB, CNODS/PR. Diretor, Comissão Carbono, CFOAB. Secretário, Frente ESG na Prática, Congresso.



