Teste físico em concurso público: É justo aplicar a mesma prova em dias e locais diferentes?
Condições desiguais de clima, estrutura e ambiente em testes físicos distorcem o mérito, violam a isonomia e comprometem a justiça no concurso público.
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
Atualizado em 18 de novembro de 2025 15:33
O concurso público é, por excelência, o caminho da justiça pelo mérito. É nele que o esforço, o preparo e a disciplina se transformam em oportunidade. Contudo, o que deveria ser uma avaliação igualitária muitas vezes se torna uma experiência desigual - especialmente nos testes de aptidão física realizados em dias e locais distintos, sob condições completamente diferentes. E a pergunta que inevitavelmente surge é: é justo aplicar a mesma prova em contextos desiguais?
Em diversos certames, o teste físico é dividido em turmas, grupos ou turnos que se estendem por vários dias. À primeira vista, trata-se de uma organização logística necessária. No entanto, na prática, essa divisão frequentemente resulta em condições desiguais de temperatura, clima, estrutura e ambiente, que influenciam diretamente no desempenho dos candidatos.
Enquanto uns correm em pista seca, outros enfrentam o solo encharcado pela chuva.
Enquanto um grupo realiza o teste em piso de atletismo sintético, outro o faz em um campo de barro ou areia.
Enquanto uns nadam em piscina coberta e aquecida, outros o fazem em piscina fria e descoberta.
A igualdade formal, assim, se rompe diante da desigualdade material.
A CF/88, em seu art. 5º, assegura que todos são iguais perante a lei. No contexto do concurso público, essa igualdade deve ser real, concreta e mensurável. O art. 37 reforça que os atos administrativos devem observar os princípios da isonomia, impessoalidade e razoabilidade, o que impõe à Administração Pública o dever de garantir uniformidade de condições entre todos os candidatos. Quando isso não acontece, o mérito individual deixa de ser o critério de seleção - e o acaso passa a ditar o resultado.
A Justiça já enfrentou casos em que candidatos foram submetidos a testes em locais diferentes, com estruturas visivelmente desiguais, e reconheceu a necessidade de reaplicação da prova física. Ainda que não exista entendimento uniforme, a linha argumentativa é sólida: o Estado deve assegurar paridade de ambiente, tempo e estrutura, sob pena de transformar o concurso público em um campo de desigualdade institucionalizada.
Relatórios técnicos, imagens e laudos periciais têm sido utilizados para comprovar que as diferenças de ambiente violam o princípio da isonomia e comprometem a legitimidade do resultado. Em alguns casos, a diferença de umidade, temperatura ou tipo de piso foi suficiente para alterar o desempenho médio entre os grupos.
A questão, portanto, vai além da logística: trata-se de um problema jurídico e ético. O Estado, ao avaliar seus futuros servidores, tem a obrigação de agir com imparcialidade e zelo técnico. A realização do TAF em condições diversas não apenas viola princípios constitucionais, mas também ofende a dignidade de quem se preparou para disputar em pé de igualdade.
Garantir padronização de ambiente, estrutura e horário é mais do que um detalhe administrativo - é uma exigência da justiça.
O verdadeiro teste que a CF propõe não é o de resistência física, mas o da resistência moral contra a desigualdade.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



