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Exame de saúde em concurso público: O Estado deve custear os exames quando o candidato não tem condições financeiras?

Cobranças médicas caras na seleção criam barreiras sociais e afastam quem mais precisa. Garantir meios de participação igual é preservar dignidade e acesso justo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Atualizado em 26 de novembro de 2025 13:39

O concurso público é a ponte entre o sonho e o serviço. É o instrumento constitucional que permite ao cidadão, por mérito e esforço, ingressar na carreira pública e mudar a própria história. Contudo, para muitos brasileiros, essa ponte termina antes de ser atravessada - na fase do exame de saúde, quando o edital impõe ao candidato a obrigação de realizar, por conta própria, uma lista extensa e cara de exames médicos. Radiografias, ressonâncias, ultrassonografias, exames laboratoriais, audiometrias, eletrocardiogramas e avaliações oftalmológicas são apenas alguns dos testes exigidos. O problema é que nem todos podem pagar, e quem não pode, termina eliminado.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, e art. 37, caput, assegura o princípio da isonomia e da razoabilidade administrativa. Isso significa que o Estado tem o dever de garantir condições materiais equivalentes de participação em todas as fases do concurso público. Quando exige que o candidato arque com custos elevados e não oferece alternativa pública, o poder público cria uma barreira econômica inconstitucional, transformando o concurso - que deveria ser um espaço de igualdade - em um privilégio acessível apenas aos que têm recursos financeiros.

O princípio da legalidade e da impessoalidade não permite que a Administração trate desigualmente os iguais. E, diante das desigualdades sociais brasileiras, o tratamento igual formal se torna injusto. O candidato sem condições financeiras não pode ser excluído por não conseguir pagar os exames exigidos, tampouco por não tê-los prontos no prazo, desde que demonstre boa-fé e justifique documentalmente a impossibilidade econômica. A razoabilidade impõe que o edital seja interpretado de forma humana e proporcional, garantindo prorrogação de prazo ou realização dos exames pelo próprio Estado.

O art. 196 da Constituição Federal é cristalino: "A saúde é direito de todos e dever do Estado." Se a Administração exige exames médicos como condição para o ingresso em cargo público, ela assume o dever de assegurar os meios necessários para a realização desses exames - sobretudo àqueles que comprovam hipossuficiência econômica. Negar esse direito é negar o acesso ao serviço público com base na renda, o que afronta os fundamentos da República e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).

O Estado que exige deve prover. O candidato que não tem dinheiro para pagar exames não é menos apto - é apenas mais humano. A Justiça tem o dever de impedir que a pobreza se torne critério de exclusão. O mérito precisa ser medido pelo esforço, não pelo saldo bancário.

É preciso lembrar que o edital não é superior à Constituição. Nenhuma cláusula administrativa pode se sobrepor ao direito fundamental de acesso aos cargos públicos. A eliminação de candidatos pobres por motivos financeiros revela uma seletividade perversa, que fere a essência do concurso público e desrespeita o princípio da supremacia da dignidade humana.

E mais: o candidato que não apresentar todos os exames no prazo não pode ser eliminado, desde que comprove esforço legítimo e impossibilidade financeira momentânea. A justiça não pode penalizar quem luta de forma honesta - deve, sim, proteger quem enfrenta o sistema com coragem e fé.

Porque, no fim, o verdadeiro exame que o concurso público realiza não é o de saúde física, mas o de saúde moral do Estado - e é esse que precisa continuar sendo avaliado todos os dias.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.

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