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A ausência dentária pode eliminar o candidato? Entenda por que a Justiça tem anulado esses exames odontológicos

Exclusões de concursos por problemas dentários injustos têm sido anuladas, garantindo o direito dos candidatos de continuar.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Atualizado em 11 de dezembro de 2025 10:55

A jornada de um concurseiro é marcada por esforço, renúncia e uma confiança quase sagrada na ideia de que o mérito será recompensado. No silêncio das bibliotecas, nos fins de semana dedicados a simulados e nas inúmeras vezes em que o candidato diz "não posso, preciso estudar", constrói-se um projeto de vida. Por isso, poucos momentos são tão dolorosos quanto receber uma eliminação por um critério estranho à capacidade intelectual ou à aptidão real para o cargo. Entre essas situações injustas, as reprovações em exames odontológicos têm se tornado um dos exemplos mais gritantes de violação da razoabilidade administrativa.

Editais recentes têm imposto exigências como: número mínimo de dentes, antagonistas perfeitos, ausência de qualquer cárie, inexistência de mordidas alteradas, próteses impecáveis e condições anatômicas ideais que nada têm a ver com o desempenho do candidato. O problema é que essa rigidez desproporcional não resiste ao escrutínio jurídico. E é por isso que os tribunais brasileiros, em todas as regiões do país, vêm anulando eliminações odontológicas e garantindo o direito dos candidatos de continuar no concurso.

A razão para isso é simples: exigências estéticas ou anatômicas que não comprometem a função não podem eliminar ninguém. A Constituição exige que todo requisito para ingresso no serviço público seja compatível com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, legalidade e isonomia. Isso significa que o Estado só pode exigir aquilo que for realmente indispensável ao exercício do cargo. E, quando o assunto é saúde bucal, a ciência é categórica: próteses bem adaptadas, restaurações definitivas, ausência parcial dentária ou pequenas alterações oclusais não impedem ninguém de trabalhar em carreiras civis, militares ou policiais.

A jurisprudência tem reconhecido isso com clareza. Diversas decisões já declararam a ilegalidade de eliminações baseadas em critérios odontológicos que:

  • não possuem previsão em lei, apenas no edital;
  • não demonstram relação direta com as atribuições do cargo;
  • impõem padrões estéticos, e não funcionais;
  • não consideram a possibilidade de tratamento;
  • criam discriminação socioeconômica ao atingir sobretudo candidatos de baixa renda.

Os tribunais têm afirmado reiteradamente que problemas tratáveis - como cáries, periodontites iniciais, necessidade de prótese nova ou ajustes oclusais - não podem servir de base para exclusão. Assim como ocorre com condições físicas tratáveis em exames médicos, também na área odontológica deve prevalecer o entendimento de que o candidato merece a oportunidade de corrigir o problema, e não ser punido por ele.

Mais do que isso: a Justiça reconhece que exigir "saúde perfeita" em um país onde boa parte da população não tem acesso a dentista é uma forma de discriminação indireta. Eliminar candidatos por ausência dentária é punir precisamente aqueles que sofreram a omissão do próprio Estado. E não há poder público que possa se beneficiar da própria falha. Esse é um ponto fundamental: a ausência de dentes, na maioria dos casos, não é escolha - é consequência de pobreza, falta de acesso a políticas de saúde e desigualdade estrutural.

Na prática, as decisões judiciais têm garantido:

  • retorno imediato ao concurso;
  • refazimento do exame odontológico com critérios científicos;
  • desconsideração de exigências estéticas;
  • concessão de liminar para evitar prejuízo irreversível;
  • até mesmo nomeações quando todas as demais etapas já foram superadas.

São inúmeras as histórias de candidatos que, após serem injustiçados por laudos subjetivos ou exigências impossíveis, conseguiram reverter a eliminação com rapidez. A atuação jurídica especializada faz toda a diferença nesses momentos, especialmente porque os prazos entre a eliminação e a próxima etapa costumam ser extremamente curtos.

A mensagem é clara: a Justiça está do lado do candidato. Se você foi reprovado por ausência dentária, prótese, mordida cruzada, desgaste ou qualquer condição tratável, saiba que há meios legais eficazes para reverter a situação. Seu mérito, sua dedicação e sua capacidade não podem ser ignorados por critérios que violam a Constituição.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial MilItar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.

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