Os desafios da LC 222/25: O que está em jogo no mecanismo da lei de incentivo ao esporte?
A legislação que regula benefícios fiscais para o esporte torna permanentes vantagens, ampliando deduções e garantindo segurança jurídica para doadores e projetos.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2025
Atualizado em 19 de dezembro de 2025 14:14
A edição da LC 222, sancionada em 26 de novembro de 2025, tornou permanentes os incentivos fiscais que podem ser usufruídos pelos doadores e patrocinadores de projetos esportivos e paraesportivos. Uma vitória fundamental para o financiamento do esporte brasileiro. A mudança normativa garante a perenidade do mecanismo (que antes tinha que ser renovado periodicamente por novas leis), ampliando os limites de deduções para quem realiza doação ou patrocínio incentivado. Para as pessoas físicas, o aumento do limite de dedução foi de 4% para 7% do Imposto de Renda devido, enquanto para as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, o limite passou de 2% para 3%.
A nova LC explicita a concorrência de deduções, deixando claro que, para as pessoas jurídicas, será possível a dedução de 4% quando o projeto esportivo ou paraesportivo for destinado à promoção da inclusão social por meio do esporte - preferencialmente em comunidades em situação de vulnerabilidade social - conjuntamente com as deduções a que se referem à lei Rouanet e à lei do audiovisual.
A lei autoriza ainda a concessão, ampliação ou prorrogação de incentivos fiscais ao esporte nos âmbitos estadual, distrital e municipal, permitindo que esses benefícios alcancem tributos como o ICMS, o ISS e outros. O setor esportivo, que teve atuação proativa e liderança decisiva no processo de atualização da norma, precisou, logo em seguida, mobilizar-se para defender a nova lei. Isso porque, nos dias posteriores à sua aprovação, o mecanismo da lei de incentivo ao esporte enfrentou duas investidas, com enorme potencial de desarticulação e insegurança jurídica nas relações que a nova norma pretende estabilizar.
O primeiro foi o anúncio de paralisação de todos os projetos esportivos em tramitação no Ministério do Esporte; o segundo foi a publicação de entendimento da Receita Federal que atinge em cheio os incentivos fiscais dedutíveis da base de cálculo do IR, entre eles, o aumento recém aprovado pela nova lei.
O anúncio da paralisação das análises dos projetos incentivados pelo Ministério do Esporte, publicado em seu site, foi recebido com surpresa, diante do retrocesso que poderia significar aos projetos que se encontram em tramitação no ministério, situação nunca vivida desde o início da vigência do mecanismo, em 2007.
O aviso informava que, atendendo recomendação jurídica, todas as análises dos projetos incentivados estariam suspensas. O comunicado evidenciou a distância entre as autoridades vinculadas aos programas incentivados no Ministério do Esporte com os profissionais e entidades que estão na ponta da política pública, demonstrando descompasso entre a burocracia decisória e a realidade operacional do esporte brasileiro. A suspensão unilateral tinha potencial de abalar relações com todo o ecossistema, tanto com as entidades executoras, como com as empresas parceiras e milhares de beneficiários de programas e projetos incentivados. No Direito, essa externalidade possui nome e sobrenome: insegurança jurídica.
Após mobilização de diversos atores do setor, felizmente, a situação foi revertida. O Ministério do Esporte, numa demonstração de disposição ao diálogo, reconsiderou a decisão dias após o anúncio, passando a estabelecer que todo pedido protocolado no órgão até 25 de novembro de 2025 seria analisado, desde que cumprindo rigorosamente a legislação anterior. Ao voltar atrás na decisão, o Ministério do Esporte reascendeu a esperança do setor de que se alinhe num caminho de articulação de uma política pública que com o novo marco veio ganhar, justamente, estabilidade e permanência. É com este espírito que aguardamos uma regulamentação participativa da nova LC 222/25, com a maior adequação às necessidades do setor e a brevidade possível.
A segunda investida contra o regime da nova lei se deu com a publicação de solução de consulta COSIT 241/25, orientação da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que passou a tratar os incentivos fiscais destinados a projetos culturais, audiovisuais e esportivos como parte de um único limite global de dedução, restritos a 4%. Ou seja, historicamente os limites de cada uma das normas setoriais era cumulativo e agora o novo teto passaria a ser interpretado de forma global.
Esta interpretação restritiva, além de contrariar as expectativas legítimas de um mercado pujante de fomento a políticas públicas incentivadas, acaba por estimular uma competitividade perniciosa entre as agendas setoriais, já que na interpretação histórica e vigente vigorava a cumulatividade dos tetos de cada política.
Espera-se, além de diálogo e de sensibilidade, a tomada de decisões motivadas nas bases da política pública, em atenção ao espírito da nova lei e à nossa Constituição Federal, de forma clara e congruente, favorecendo a estabilidade das relações e a segurança jurídica.
Segurança também para que os novos projetos incentivados, à luz da nova lei, possam fruir de todos os benefícios da LC 222/25 sem entraves e disfunções. Não se trata apenas de ajustes burocráticos: estamos cuidando de um mecanismo que impacta a vida de milhares de pessoas, bem como as relações entre entidades, empresas e atletas que foram construídas ao longo de duas décadas.
Estas disfunções, independentemente de intencionalidade, se levadas adiante podem representar retrocessos ao importante mecanismo aprovado por meio de LC. Uma gestão pública responsável e comprometida deve oferecer segurança ao ecossistema e respeitar o arcabouço jurídico que garante a continuidade do mecanismo de incentivo como política pública de Estado.
Agora é a hora de o governo mostrar que joga junto com o setor esportivo, defendendo a nova LC conquistada no Congresso Nacional, passando sinais claros e dando um passo institucional maduro, alinhado à enormidade da LC 222/25.
Paula Raccanello Storto
Mestre em Direito pela USP. Sócia do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes Advogados (SBSA Advogados) e conselheira do CONFOCO - Conselho Nacional de Fomento e Colaboração
Daniel Chierighini Barbosa
Mestre em Direito pela PUC-SP e em Políticas Públicas pela UPF. Associado do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes Advogados (SBSA Advogados).




