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Julgamento de recursos no STJ "por amostragem" - Lei nº. 11.672/2008

A Lei nº 11.672/2008 (clique aqui), de 8 de maio de 2008, instituiu novo procedimento para julgamento dos recursos repetitivos no STJ - mediante o acréscimo do art. 543-C ao Código de Processo Civil (clique aqui). As considerações que seguem basicamente reproduzem aquelas que eu havia feito por ocasião do projeto de tal lei, em abril de 2008.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Atualizado em 14 de maio de 2008 11:29


Julgamento de recursos no STJ "por amostragem" - Lei nº. 11.672/2008

Eduardo Talamini*

1. A Lei nº 11.672/2008 (clique aqui), de 8 de maio de 2008, instituiu novo procedimento para julgamento dos recursos repetitivos no STJ - mediante o acréscimo do art. 543-C ao Código de Processo Civil (clique aqui). As considerações que seguem basicamente reproduzem aquelas que eu havia feito por ocasião do projeto de tal lei, em abril de 2008.

O procedimento ora instituído no âmbito do STJ consiste em mecanismo similar ao que já se havia estabelecido antes no âmbito do STF, inicialmente apenas para os recursos extraordinários contra decisões dos Juizados Especiais (Emenda 12/2003 ao Regimento Interno do STF) e depois para a generalidade desses recursos (Lei nº. 11.418/2006 - clique aqui -, que acrescentou o art. 543-B ao CPC).

Trata-se daquilo que Barbosa Moreira, referindo-se às normas aplicáveis ao STF, apropriadamente chamou de julgamento do recurso "por amostragem", expressão agora aplicável também ao STJ. Quando a mesma questão de direito for reiterada em uma grande quantidade de recursos, seleciona-se um deles, ou um pequeno conjunto, que retrate adequadamente a controvérsia. Esse recurso "amostra", ou o conjunto deles, será decidido primeiramente pelo STJ - e o que se decidir quanto a ele ("decisão-quadro"), em regra, poderá ser aplicado aos demais, que até então permaneceram sobrestados. Note-se que não é necessário que os vários recursos sejam todos no mesmo sentido e contra decisões que tenham adotado uma mesma e única orientação. O fundamental é todos versem sobre a mesma questão. Podem existir recursos em sentidos opostos, contra decisões antagônicas entre si, mas todos versando sobre idêntica questão de direito. Todos deverão ser reunidos no mesmo procedimento de julgamento por amostragem.

As novas regras aplicam-se a todos os recursos de competência do STJ (recursos ordinário e especial), mas é sabido que ela será de imensa utilidade sobretudo para os recursos especiais, que chegam ao STJ em proporções descomunais e, muitas vezes, versando sobre a mesma matéria.

2. Assim, nos termos do caput e do § 1º do novo art. 543-C, havendo vários recursos sobre idêntica questão de direito, o tribunal de origem deverá selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia, encaminhando-os ao Superior Tribunal de Justiça e suspendendo o andamento dos demais recursos sobre questão idêntica até que o STJ emita seu pronunciamento definitivo sobre aqueles que lhe foram encaminhados.

Cumpre reconhecer que, se a parte reputar indevido o sobrestamento de seu recurso (por considerar que a matéria nele discutida não é idêntica à daqueles recursos encaminhados ao STJ), ela terá o direito de impugnar tal decisão do órgão a quo. Não há dúvidas de que a suspensão indevida do procedimento recursal causa gravame à parte. A lei não tratou, todavia, dessa hipótese. Daí surge a dificuldade na definição da medida cabível. Há hipótese similar a essa, para a qual também não há explícita solução positivada, mas que, de todo modo, já é enfrentada há mais tempo pela jurisprudência. Trata-se da retenção de recurso extraordinário ou especial por indevida aplicação do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil. Nesse caso, o STJ já admitiu o emprego de medida cautelar, simples petição, reclamação e agravo de instrumento - além de já haver aplicado o princípio da fungibilidade. Semelhantes soluções são aqui aplicáveis.

Cabe atentar para a noção de recurso "representativo da controvérsia". Caberá ao órgão a quo selecionar um ou mais processos em que os subsídios instrutórios (jurídicos e fáticos) reunidos permitam ao STJ a mais precisa percepção possível não apenas da questão de direito cuja relevância há de se aferir, como também do conflito em que ela se insere. Sendo assim, a adequada representação da controvérsia não depende apenas da peça recursal, ainda que esse seja o mais importante elemento. Outros atos do processo serão também muito úteis para tanto (as contra-razões ao recurso, a decisão recorrida, outras petições anteriores...). Então, o órgão a quo deverá considerar a qualidade desses vários atos, e não apenas propriamente a do recurso. Evidentemente, é possível que um mesmo e único processo não reúna todas as peças mais adequadas à representação da controvérsia. Nessa hipótese, o órgão a quo deverá encaminhar ao Superior Tribunal tantos recursos em diferentes processos quanto seja necessário (p. ex., um por ter a peça recursal mais clara e precisa, outro pela qualidade das contra-razões, um terceiro por conter acórdão melhor fundamentado etc.). A lei expressamente autoriza o encaminhamento de uma pluralidade de recursos representativos da controvérsia ("admitir um ou mais..." - art. 543-C, § 1º). Inclusive nada impede - e é até recomendável (ainda que não obrigatório) - que o órgão a quo, ao remeter mais de um recurso ao Superior Tribunal, explique, em ofício de encaminhamento, a razão por que está encaminhando cada um dos recursos. Por outro lado, é também possível que, no âmbito do órgão a quo, tenham sido proferidas decisões antagônicas, geradoras de recursos especiais em sentidos opostos. Nesse caso, já por isso, também se justificará o envio de mais de um recurso ao órgão ad quem.

3. Se o tribunal a quo não adotar a providência de seleção de recurso amostra e sobrestamento dos demais, o próprio Ministro relator no STJ, ao constatar a repetitividade de recursos sobre idêntica questão, poderá determinar o sobrestamento, nos órgãos a quo, dos demais recursos sobre a mesma questão (art. 543-C, § 2º).

4. O relator poderá também solicitar informações acerca da controvérsia aos tribunais estaduais e federais (art. 543-C, § 3º).

Mais ainda: o relator poderá admitir a manifestação de terceiros, nos termos do Regimento Interno do STJ (art. 543-C, § 4º). Essa regra é de todo justificável quando se considera que o julgamento do recurso amostra é apto a ter relevância que vai além do processo em que realizado. A lei não especifica qual o requisito para a participação dos terceiros. Uma possível interpretação é no sentido de que tal regra equivalha àquela que, nos processos e incidentes de controle direto de constitucionalidade, permite a manifestação de terceiros que demonstrem uma especial legitimidade e qualificação para colaborar com subsídios na definição da questão, como amicus curiae (Lei nº. 9.868/1999 - clique aqui -, art. 7º, § 2º; Lei nº. 11.417/2006 - clique aqui -, art. 3º, § 2º; CPC, art. 482, § 3º). Outra exegese, mais calcada na literalidade do art. 543-C, § 4º, é no sentido de que basta à "pessoa, órgão ou entidade" demonstrar seu "interesse na controvérsia". A solução mais adequada parece ser intermediária entre essas duas concepções. Por um lado, a aferição da aptidão para intervir não pode ser tão objetiva, fundada estritamente na qualidade da contribuição que o terceiro está potencialmente apto a dar, como ocorre nos processos e incidentes de controle de constitucionalidade. Mas, por outro, também não parece viável admitir no processo, como amicus curiae, todo aquele que apenas demonstre ser parte em outro processo em que há recurso sobre a mesma questão. Assim, em princípio, aqueles que comprovarem essa condição de parte em outros processos podem ser admitidos como colaboradores de Corte, desde que demonstrem que têm algum argumento útil, algum subsídio relevante para acrescentar à discussão já instaurada.

Será também ouvido o Ministério Público (art. 543-C, § 5º) - algo que a Lei nº. 11.418/2006 não previu, relativamente aos recursos extraordinários.

5. O julgamento do recurso amostra (ou do conjunto desses recursos) terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os habeas corpus.

Julgando o STJ o mérito daquele(s) recurso(s) que lhe foi (foram) remetido(s), os demais recursos, que tinham ficado sobrestados, serão apreciados pelos órgãos a quo - os quais poderão "negar seguimento" a tais recursos, quando a decisão do STJ tiver sido no sentido oposto ao da tese recursal, ou retratar-se, quando a decisão do STJ tiver sido no sentido favorável à tese recursal (art. 543-C, § 7º).

Institui-se assim mais uma nova hipótese de juízo de retratação (presente em geral nos recursos de agravo - CPC, art. 523, § 2º - e excepcionalmente nas apelações - CPC, art. 285-A, § 1º, e art. 296), e que já havia também sido prevista pela Lei nº. 11.418/2006 para os recursos extraordinários. Por outro lado, permite ao órgão a quo negar a subida do recurso especial (ou ordinário) por razões de mérito, em hipótese similar à ora prevista no § 1º do art. 518 do Código de Processo Civil (na redação dada pela Lei nº. 11.276/2006 - clique aqui).

6. De todo modo - e eis a condição inafastável para que a nova sistemática possa ser aceita como constitucional -, a decisão que negar seguimento ao recurso ou que promover a retratação será passível, ela mesma, de recurso para o Superior Tribunal. A decisão de retratação poderá dar ensejo a outro recurso especial, do adversário do recorrente original - que terá de observar todos os requisitos de cabimento recursal. A decisão que negar seguimento ao recurso especial poderá ser objeto de agravo de instrumento. Em qualquer das duas hipóteses, o recorrente poderá demonstrar, por exemplo, que seu caso não é idêntico ao recurso "amostra" julgado pelo Superior Tribunal e que teria ensejado a retratação ou a negativa de subida.

7. Ainda na hipótese em que o recurso "representativo" da controvérsia repetida foi julgado no mérito pelo STJ: se o órgão local não adotar nenhuma das duas alternativas acima indicadas (retratar-se ou negar seguimento ao recurso), terá de submeter o recurso ao exame de admissibilidade (art. 543-C, § 8º) e, sendo positivo esse juízo, deverá remeter ao Superior Tribunal o recurso que tinha ficado sobrestado.

Esse recurso, ao chegar àquela Corte, poderá ser liminarmente cassado ou reformado, se o acórdão recorrido for contrário à orientação firmada na decisão daquele primeiro recurso, dito "representativo da controvérsia". Ou então poderá ser liminarmente rejeitado, se o acórdão recorrido estiver em conformidade com aquela orientação. A Lei nº. 11.672/2008 não regula expressamente as hipóteses ora mencionadas, diferentemente da Lei nº. 11.418/2006 que, tratando do recurso extraordinário, em parte o fazia. De todo modo, a solução aqui preconizada ampara-se nas regras do art. 557, caput e parágrafo primeiro, do CPC.

8. A lei entrará em vigor após noventa dias da data de sua publicação, que ocorreu no dia 09 de maio de 2008. Prevê-se, também, que ela será aplicável inclusive a recursos interpostos antes de sua entrada em vigor. Não há defeitos nessa regra. Como o novo regramento não versa sobre pressupostos de admissibilidade recursal, mas apenas sobre procedimento dos recursos, nada impede sua aplicação aos recursos interpostos antes dele e cujo procedimento não se tenha ainda encerrado.

No entanto, cumpre notar que a lei depende ainda de regulamentação pelo STJ e dos tribunais de origem - a qual, pelo menos no âmbito do STJ, é imprescindível sob alguns aspectos (p. ex., assegurar a devida participação de terceiro, como amicus curiae). Supõe-se que o Superior Tribunal não demorará em proceder a tal regulamentação, dado o interesse com que participou da propositura do projeto desta lei e acompanhou sua tramitação (várias vezes noticiada nos informativos oficiais do Tribunal).

9. O julgamento por amostragem, desde que aplicado em seus devidos limites e com a observância das cautelas e garantias aqui brevemente destacadas, não parece ofender os princípios constitucionais do processo nem as regras sobre competência recursal do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de racionalizar a atividade do STJ, na esteira do que também se procurou fazer com o STF, precisamente em casos que já vinham recebendo decisões homogêneas, meramente reiterativas. E a institucionalização desse procedimento inclusive possibilita seu controle de modo mais eficiente.

Com o procedimento institucionalizado da amostragem, confere-se inclusive destaque ao recurso amostra - que assim poderá receber atenção especial do Superior Tribunal, da sociedade e de outros interessados (envolvidos em outros processos que versam sobre a mesma questão), que dentro de certas condições poderão até intervir como amicus curiae. Cerca-se assim de maiores garantias - viabilizando-se um contraditório mais adequado - um procedimento que informalmente já ocorria. Enfim, institucionaliza-se, sob o pálio das garantias do processo, algo que já vinha ocorrendo de modo sub-reptício.

O fundamental é que se observem os limites postos na lei: cabe apenas o sobrestamento dos recursos que versem sobre idêntica questão de direito - e apenas a eles será aplicável aquilo que for decidido no julgamento do recurso amostra. Tudo o que ultrapassar essa fronteira será indevido - e passível de impugnação recursal, como apontado acima.

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Fonte: Informativo Justen (clique aqui)

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*Doutor em Direito Processual pela USP, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados










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