"Perdi meu amor na balada"

26/7/2012
André Beretta

"Estou lendo pela mídia o incômodo que recente campanha publicitária da Nokia parece ter gerado, a ponto de merecer atenção especial do Procon/SP e Conar, sob a alegação de que haveria infração ao CDC e ao Código de Autorregulamentação uma vez que, particularmente a primeira parte da campanha violaria a seguinte norma: 'A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal' (Migalhas 2.924 - 26/7/12 - "Viral" - clique aqui). (CDC, art. 36 e C. Autorregulamentação art. 28). Dada vênia, fico pasmo com a reação, até mesmo do estrito ponto de vista jurídico. Nada obsta que uma campanha publicitária seja feita por etapas, onde uma delas crie uma provocação (teaser) para desenvolver a trama até a sua elucidação, sendo a ansiedade esperada (aliás, a ansiedade deriva da própria qualidade do que se produziu). No caso está-se diante de uma forma de criação artística lícita, que exige cuidados maiores e técnicas mais apuradas, inclusive teatrais por envolverem imagens com atores. Pela forma e pela mídia adotada, há pouca possibilidade que o público tenha considerado a hipótese de que não se tratasse de um comercial, mas sim de um caso real. Era nítido que desde o primeiro comercial havia um enredo e que a história era fictícia, sendo contada por atores. De fato, raras são as oportunidades em que foram veiculadas campanhas que não eram publicitárias nesses tipo de mídia, até mesmo porque o público primeiro presume seja publicidade comercial. Esse tipo de reclamação poderia ser suscitado se ela tivesse sido inserida dentro de um telejornal, um programa que tratasse de namoros ou para promover encontros de pessoas (do tipo: 'Esta é a sua vida'). Essa linha, contudo, entre real e ficção não foi quebrada no caso. A corroborar com isso é a questão temporal: a provocação, a curiosidade é satisfeita com contemporaneidade entre os dois comerciais, o que indica que se evitou aumentar esse nível de atenção, diferentemente do que ocorreu, por exemplo, em outro caso, aquele da 'Luiza volta para o Brasil'. Reflita-se, ainda, que a campanha trabalha com o próprio contexto de contemporaneidade e velocidade que as telecomunicações e outros meios de comunicação permitem hoje, no caso as redes sociais via Internet e os aparelhos celulares ou que tais. De fato, a campanha é inteligentemente verdadeira e afirmativa desse tipo de produto. A campanha é singela, artística, criativa, tanto quanto aquela que abordava a menina que se recordava, com alegria, de seu primeiro soutien. Alguns dirão, até, é piegas, romantismo barato. Difícil, contudo, pretender dizer que as pessoas foram enganadas em suas perspectivas: é razoável achar que alguém esperava ser aquilo um conto de fadas e após a 'revelação' de que era um comercial de produto sentirem-se frustradas a ponto de haver abuso dentro do CDC ou das regras da autorregulamentação? A abusividade e o respeito às noções de veracidade exigem o uso do tradicional juízo a ser emanado pelo homem médio (expressão que identifica um princípio legal) e, no caso, esse homem médio certamente não se sentirá enganado. Pode-se afirmar que o segundo comercial é um pouco longo, mas a campanha não é abusiva e muito menos violadora de regras legais. Lembro, ainda, que a campanha indica que as pessoas podem ser conectáveis e, no caso, por anos a Nokia adotou o tema Connecting people como um de seus motes (admito que o anglicismo podia ser evitado) e, portanto, a campanha está plenamente integrada nas lógicas empresariais do grupo. Nesse sentido, qualquer sanção a essa campanha é, de fato, uma censura à liberdade de criação, uma criação que soube mexer com sentimentos, criar cumplicidade entre público e mensagem, mensagem essa verdadeira, positiva e até mesmo real: afinal, as mídias de telecomunicações servem para conectar e localizar pessoas, sendo o contato humano algo que deva ser estimulado. Num país onde a automedicação é incentivada pela publicidade sem que isso receba maiores reprimendas; num país onde agiotas e exploradores do sexo podem anunciar em jornais sem maiores reprimendas; e num país onde o ensino superior é vendido como mera mercadoria; a punição à liberdade de criação, além de ilegal, é hipócrita."

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