Origem de recurso

21/10/2005
Carlos Eduardo Konder Lins e Silva

"A manifesta inconstitucionalidade do projeto de lei 282, de 2003, do Senado em questão parece ter escapado aos ilustres senadores (Migalhas quentes – "Acusado em crime organizado terá defensor dativo se não comprovar origem de recurso" – clique aqui). Ainda que o objetivo do projeto não seja – ostensivamente - cercear o direito de defesa, seu alcance é exatamente esse. Se todo cidadão é inocente até trânsito em julgado de sentença condenatória, tem ele o direito de se defender de acusações que podem ser improcedentes ou levianas. Caso o malsinado projeto sobreviva, o acusado dos crimes ali discriminados torna-se desde logo parcialmente culpado. Tem de justificar a origem de recursos para se defender, como se a simples imputação tivesse valor de sentença. Imagine-se este poder nas mãos de inimigos políticos do acusado. Vai ser uma festa. As denúncias e queixas incluirão (para evitar problemas) sempre um dos tipos penais arrolados na nova lei (sic). Quando estudante de direito vi um 'projeto de Constituição' escrito por redator da Imprensa Nacional. Dentre outras pérolas, o texto contemplava a divisão dos crimes em duas categorias: os com direito a defesa e os sem direito a defesa. Claro está que não explicitava quem classificaria os delitos. Pensava eu que aquela piada de mau gosto estava sepultada. Renasce, porém com nova roupagem. Revive com força, a pretexto de combater a criminalidade (serve para tudo o bordão e angaria aplausos fáceis na imprensa).Deixa ao arbítrio de denunciantes classificar os crimes de tal forma que restrinjam e dificultem a defesa do cidadão, deixando nas mãos da assoberbada defensoria pública. Acentue-se que a dita defensoria já não dá conta da defesa de pobres. Imaginemos ela com esse novo encargo. Por fim, o projeto é ofensivo à classe dos advogados. Apesar de sua retórica, lança uma pecha inaceitável de falta de ética sobre a totalidade dos integrantes da profissão. Esperemos que a OAB saiba reagir à altura."

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