Gregório de Matos

25/1/2007
Abílio Neto

"Amado Diretor: Estive lendo neste fim de semana a Antologia de Versos Jurídicos, objeto do Conexão Migalhas nº 2 (clique aqui), excelente em todos os aspectos. Lá pela página 35 me deparei com um soneto de Gregório de Matos e um breve resumo biográfico. No soneto dedicado a um desembargador, feito depois de 1678, quando retornou ao Brasil, é sugerido que o doutor conhece pouco de leis em desproporção com seu conhecimento de 'trampas e maranhas'. Mas o baiano de Salvador retratado era uma figura humana tão interessante que vale a pena acrescentar algo mais sobre sua vida. Sabe-se que advogou pouco em Portugal, após a formatura em Direito pela Universidade de Coimbra em 1661, pois em 1663 foi nomeado juiz-de-fora em Alcácer do Sal, e em 1672 tornou-se procurador de Salvador na administração lisboeta. Ao retornar para sua Salvador já era um quarentão e viúvo tentando acomodar-se pacificamente na sociedade. Mas tinha língua grande e se não perdoava o clero, muito menos o governador-geral. Além disso era mulherengo, boêmio, irreverente, iconoclasta e apreciador de mulatas. Pôs muitas autoridades (civis e religiosas) em má situação, ridicularizando-as sem dó nem piedade. Assim, em 1694 foi desterrado para Angola, pois corria sério risco de vida. Lá ele intrigou-se com a natureza, passou a detestar os negros e espantou-se com os animais ferozes, entretanto, conseguiu interferir num motim da soldadesca portuguesa, acalmando os revoltosos, e como prêmio pôde voltar para o Brasil, embora não mais para Salvador, mas para o Recife. Foi o primeiro poeta maldito (boca do Inferno) de que se tem notícia em Pindorama, tanto ágil na provocação dos seus versos, quanto pelo fato de não ser indiferente à paixão humana, à religião, à natureza e à reflexão. É considerado ainda o pai dos poetas violeiros e dos cancioneiros do Brasil, pois lá na Universidade de Coimbra aprendeu a tocar viola de arame e chegando aqui, apoiado nela, compôs solfas e lundus. Desse lundu dos negros africanos é que vieram o chorinho, o samba, a marchinha e o baião. Como Gregório fazia 'versos à lira', às vezes ficava a tocar aguardando a musa inspiradora e desse ritmo sincopado que precedia os versos foi que surgiu posteriormente o 'bayano'. Esse modo de fazer versos foi se expandindo pelo Nordeste ganhando destaque especial em Pernambuco, Piauí, Ceará, Paraíba e Alagoas, Estados onde nasceram os grandes nomes dos poetas da viola. Portanto, a Gregório de Matos temos muito que agradecer pela imensa contribuição à nossa cultura. O seu estilo irreverente que o fazia ser amado e odiado, pode ser visto no seu 'Soneto para o Recife', cidade que o acolheu, onde fez muitos amigos e também morreu em 1696.

 

'Soneto para o Recife (Gregório de Matos)

 

Por entre o Beberibe, e o Oceano

Em uma areia sáfia, e lagadiça

Jaz o Recife povoação mestiça,

Que o Belga edificou, ímpio tirano

 

O Povo é pouco, e muito pouco urbano,

Que vive à mercê de uma lingüiça,

Unha de velha insípida enfermiça,

E camarões de charco em todo o ano

 

As damas cortesãs, e por rasgadas

Olhas podridas são, e pestilências,

Elas com purgações, nunca purgadas

 

Mas a culpa têm vossas reverências,

Pois as trazem rompidas, e escaladas

Com cordões, com bentinhos, e indulgências'."

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