Artigo - Lobby - a essência da democracia

1/11/2007
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Lendo a Migalha de Peso de Marcos Lobo de Freitas Levy (Migalhas 1.770 – 30/10/07 – "Lobby" – clique aqui), sobre 'Lobby - a essência da democracia', senti-me tentado a fazer alguns comentários. O primeiro é que não considero ser o Lobby a essência da democracia. Creio que a essência da democracia, sim, está no que o próprio articulista menciona, acerca de Lincoln, em seu discurso de Gettysburg, no conceito de ser o 'governo do povo, pelo povo e para o povo', enunciado esse inserto em nossa Constituição, no parágrafo único do art. 1º: 'todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição'. Conceito este, aliás, que repete, com alguma nuance, o que já se encontrava na Carta de 1967 (todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido – art. 1º e § 1º), na Constituição de 1946 (todo poder emana do povo e em seu nome será exercido – art. 1º), na Carta de 1937 (o poder político emana do povo e é exercido em nome dele, e no interesse do bem estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade – art. 1º), e na Constituição de 1934 (todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos – art. 2º). O poder soberano do povo, essa a essência da democracia, aliás não decorre da Constituição ou das Cartas Magnas, mas as precedem, pois que as instauram, correspondendo a uma realidade histórica, da vitória da democracia sobre a oligarquia, da república sobre o absolutismo. E, sendo essa a essência da democracia, além do princípio de supremacia da vontade popular, que reina sobre os demais, são essenciais, também, os seguintes pontos fundamentais: a igualdade de direitos e preservação das liberdades, eleições periódicas e sufrágio universal, império da Lei, separação de poderes, garantia de crítica ao governo, Leis ou instituições e fiscalização destas e pluralismo partidário. Norberto Bobbio, ‘in’ O Futuro da Democracia, afirma que ‘a democracia não goza no mundo de ótima saúde, como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo’. O que vemos, nos dias de hoje, é a constante afronta aos princípios da democracia como, por exemplo, a inobservância da teoria da separação dos poderes, com a intromissão do Executivo em assuntos do Legislativo, o Judiciário sendo constante alvo de críticas por deixar de solucionar conflitos de sua competência, além de um sistema eleitoral falho que permite que o acesso à política se restrinja aos que tenham condição financeira para sustentar caríssimas campanhas eleitorais, a existência de partidos não representativos e políticos eleitos que, afinal, representam a si próprios e deixam de lado os anseios do povo que os elegeu. Dentro dessa realidade brasileira, não parece ser o Lobby, ou o Lóbi, como aqui se chama mais comumente, a solução para a efetiva representatividade popular, nem a panacéia para os problemas de que se ressente o processo legislativo nacional, já viciado na origem. Realmente, tráfico de influência, trocas de favores espúrios e corrupção nada tem a ver com Lobby, se pensarmos em Lobby como ferramenta de influência legislativa, ou seja, o esforço desenvolvido por empresa ou entidade no sentido de influenciar o Executivo (o governo) ou o Legislativo (os políticos) tendo em vista a defesa de seus interesses. Em princípio, o Lobby pode ser considerado normal em um regime democrático, porque grupos organizados (empresas, entidades ou movimentos sociais) têm o direito e, até o dever, de se empenhar na defesa dos interesses que defendem ou das idéias que professam. Nos países de primeiro mundo, o Lobby é considerado uma atividade lícita e, até, incentivada, como forma de aprimorar a democracia e agilizar o processo legislativo. São grupos de pressão que interagem com os legisladores, defendendo seus pontos de vista, falando contra ou a favor de determinado projeto, exercendo o legítimo direito de crítica ou de defesa de projeto ou iniciativa do poder público. Nos países desenvolvidos, as pressões, mesmo as originárias de empresas privadas, não são necessariamente ilegais ou ilegítimas, mas são colocadas na rotina de trabalho dos parlamentares. No Brasil, por outro lado, dada a fragilidade da classe política, cuja conduta ética é quase sempre reprovável, e o governo sempre se rende a grupos para obter vantagens políticas, o Lobby tem sido desvirtuado como prática, sempre identificado como abuso de poder econômico e sempre associado à corrupção. Aliás, em nosso país, as palavras Lobby e Lobista, que indica quem o pratica, estão sempre associadas a escândalos e corrupção. O mais recente, por exemplo, é o do Lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Junior, implicado no pagamento de contas pessoais do Senador Renan Calheiros; ou a acusação contra o ex-ministro José Dirceu, apontado como Lobista na parceria entre Corinthians e a MSI; ou as notícias da mídia, indicando Fábio Luiz da Silva, filho de Lula, de atuar como Lobista da Telemar junto ao governo; ou o próprio irmão do presidente Lula, o Vavá, de fazer Lobby, no caso Lóbi, para a máfia dos caça-níqueis; ou o empresário Luiz Carlos Garcia Coelho, apontado pelo próprio genro, Bruno Brito Lins como Lobista e parceiro de Renan; ou Sérgio Sá, Lobista da Gautama, flagrado sendo recebido pelo Senador Renan em seu gabinete. É que há Lobbyes e Lobbyes. E, no Brasil, como costuma acontecer, a atividade do Lobby, entendida como um grupo de pessoas ou organização que tem como atividade profissional buscar influenciar decisões do poder público, de maneira legítima, foi desvirtuada. O Lobby, para ser aceito, como instrumento democrático, transparente, ético e legítimo de influência do poder público, tem de operar, necessariamente, dentro de regras, de modo a que não dêem margem à corrupção, propina e outros procedimentos não éticos, sob pena de a atividade ser vista, sempre, sob a perspectiva de algo reprovável. É exatamente por isso que nos países onde existe o Lobby como atividade normalmente exercida, ela é regulamentada, o que não ocorre no Brasil. O Lobby, nos Estados Unidos, por exemplo, tem a 'Federal Regulation of Lobbying act of 1946', que o regulamenta, Lei que foi atualizada em 1995 em razão de uma grande crise ética que envolveu alguns membros e vários funcionários do Executivo, entre os quais o Lobista Jack Abramoff, centro de um escândalo de corrupção em Washington, que foi acusado de pagar viagens e outros presentes para funcionários e autoridades do governo federal. Foi condenado a cinco anos de cadeia. Na Europa, o assunto tem sido discutido e em 2006 foi introduzido o 'Green Paper On a European Transparency Initiative', oferecendo mais transparência e regras definidas para os 15 mil lobistas; ONGs e outros grupos que pretendem influenciar decisões na área da União Européia. Vizinhos do Brasil, como Argentina, Chile, Colômbia, México e Perú contam com Leis análogas, de Lobby ou de ética pública. Segundo Said Farhat, um dos precursores do Lobby no Brasil, e autor do livro 'Lobby': 'Acho que existem duas vertentes do Lobby. Uma reivindica direitos legítimos e outra é formada por três tipos de lobistas. São eles: o festeiro, que resolve tudo na base de comemoração de jantares; o maleteiro, ou seja, aquele que carrega a mala de dinheiro, e finalmente o marreteiro, que a própria palavra diz'. Mas, a verdade é que, na contra-mão da tendência mundial, no Brasil a atividade do Lobista, o Lobby, não é regulamentada, principalmente por falta de vontade política para fazê-lo. No 'site' do Senador Marco Maciel, autor do Projeto de Lei 2.003/89, que regula a atividade de Lobby, encontra-se:

'Vontade política

 

O Senador Marco Maciel apresentou, em 1989, projeto de lei (PLS 2003/89) regulamentando a atividade de Lobby. Aprovado pelo Senado, o projeto foi remetido à Câmara, onde se encontra até hoje, mesmo tendo sido em dezembro de 2001, o requerimento de urgência.

 

A premissa básica do projeto está no reconhecimento de que o Lobby existe no mundo todo, seja em regimes abertos ou fechados. Daí a necessidade de regulamentá-lo, diz Maciel.

 

A primeira iniciativa do Senador para regulamentar a atividade foi no período de 1977 a 1979, quando exerceu a presidência da Câmara dos Deputados e reformulou o Regimento Interno da Casa: “Quando assumi a presidência, procurei Célio Borja (presidente da Câmara de 1975 a 1977) com a idéia de promover uma reformulação regimental. Fui desencorajado e acabei colocando em prática outra estratégia: ia pessoalmente a cada uma das Comissões prestigiar os trabalhos e colher sugestões. Acabei conseguindo o engajamento necessário para a reformulação do Regimento. Nessa reformulação inclui o credenciamento de pessoas e entidades que exerciam Lobby, com o objetivo de identificar interlocutores. Posteriormente essa medida acabou sendo adotada também no Senado”, conta o senador.

 

Para Maciel, o objetivo principal é estabelecer uma disciplina e punição, inclusive para os grupos de pressão, nos casos de extrapolação. Maciel diz que a regulamentação do Lobby é necessária e que o projeto é uma contribuição nesse sentido. Ele defende uma ampla discussão sobre o tema, para que fique claro o que é permitido e o que não é, e afirma que mais importante do que a lei é a conduta moral, pois “não há lei que garanta isso”.

 

Dois pontos básicos no projeto de Maciel chamam atenção: o registro dos profissionais; e a prestação de contas.'

Como se pode ver, falta muito ainda para que a atividade do Lobista, respeitada por sociedades de países desenvolvidos, possa ser exercida às claras no Brasil, até porque os que a exercem, de forma ilícita, não tem interesse em mudar esse mecanismo, motivo pelo qual os projetos de regulamentação - o de Marco Maciel não é o único - ficam paralisados, por força do Lobby negativo, no Congresso Nacional. Mas não era esse o único reparo que desejava fazer ao artigo 'Lobby ? a essência da democracia'. É que considero, ainda, que a democracia, em nosso país, ainda não é exercida em sua plenitude. A preocupação decorre exatamente do início do artigo, onde o colega escreve que:

'O Brasil tem 513 deputados federais e 81 senadores, que representam 26 Estados e um Distrito Federal. São estas 594 pessoas que são os principais responsáveis por propor, discutir, examinar e votar quase toda a legislação que influenciará, em maior ou menor escala, a vida de cerca de 170 milhões de brasileiros.

 

Estas pessoas formam o Poder Legislativo; lá estão para fazer ou modificar leis que, em princípio, devem refletir o pensamento dos seus respectivos eleitores e ajudar o Brasil a se tornar um país melhor, mais justo e mais competitivo no cenário internacional.

 

Somente durante o ano de 2004, foram representados no Congresso Nacional mais de 2.500 (dois mil e quinhentos) projetos de lei sobre os mais diversos tópicos, voltados para a criação de novas leis para a modificação de legislação já existente.'

É que a maioria desses projetos, ou uma grande parte deles são absolutamente inúteis. Repetem Leis já existentes, ou são inconstitucionais, ou não servem para nada, ou não tem consistência jurídica, ou são mal escritos, ou defendem interesses escusos ou não tem qualquer razão de ser, em razão do completo despreparo dos que são eleitos para exercer mandatos legislativos. Um artigo, O Panorama da Inversão, de Israel Domingos Jorio, advogado em Minas Gerais e Espírito Santo, professor de Direito Penal, expõe muito bem essa questão:

'Os estudiosos de Direito muito se esforçam para compreender as desvairadas produções legislativas. Analisam, criticam, sugerem alterações e providenciam interpretações que eliminem contradições gritantes ou retirem da absoluta inutilidade as leis emanadas das mentes obtusas. Delegar a tarefa de criar leis aos leigos é o mesmo que entregar um projeto de engenharia a uma criança de colo.

 

Aliás, tão irrealizável quanto, porém muito mais perigoso. Ter legisladores absolutamente leigos é como ter um exército composto por crianças mortalmente armadas.

 

Qual é a lógica do sistema? Àquele desprovido de conhecimentos jurídicos elementares incumbe a criação das complexas leis que serão aplicadas sobre todos, inclusive sobre os especialistas? Como é possível que uma pessoa que não sabe o que é um estupro possa ser um dos principais líderes dos legisladores? Como é possível que alguém que pensa que "o estupro é um acidente horrível" possa ocupar posto no exato lugar em que serão elaboradas e votadas leis sobre os crimes contra a liberdade sexual? Não me admirarei se o estupro, dentro em pouco tempo, vier previsto como um crime de trânsito, na Lei 9503/97. Quando se atinge este nível, pode-se esperar qualquer coisa.

 

E o problema não pára por aí. Antes fosse uma deficiência somente técnica, aquela que atinge nossos legisladores. Mas a pena é que não lhes falta apenas conhecimento científico e jurídico, mas cultura geral e capacidade de raciocínio (somente isso justifica a falta de conceitos tão elementares, os pronunciamentos tão vazios, os comentários incoesos e as leis esdrúxulas).

 

Deixar legislar um indivíduo inculto, que desconhece os preceitos mais básicos e os princípios fundamentais da Ciência do Direito, é um indizível retrocesso. Representa a perda da qualidade do conhecimento arduamente conquistada ao longo de anos de aprimoramento do dogmatismo. Quando se lhe é apresentada uma lei, ele não sabe sobre o que trata. Quando se lhe pede o voto, ele não sabe nem sobre o que vota. Ele não faz a menor idéia das conseqüências dos seus votos. Ele mal sabe ler. Se souber ler, não saberá entender.

 

Por que – e pergunto perplexo – se exige conhecimento jurídico para aplicar a lei, mas não para criá-la? Do mesmo modo que se teme que um leigo interfira injustamente nas vidas dos jurisdicionados, aplicando normas equivocadamente, deturpando o sentido e a finalidade da lei, deveria ser temida a criação de leis intrinsecamente injustas e ineficazes, que, pelo menos em princípio, serão igualmente aplicadas sobre os mesmos jurisdicionados (exceto por magistrados independentes e audazes, que se neguem a conferir legitimidade ao devaneio legislativo).Jorio, Israel Domingos. O Panorama da Inversão. Jus Navigandi, Terezina, ano 9, n. 766, 2005.'

Exatamente por todas essas mazelas, por essa falta de representatividade, que atingem a essência da democracia, que impedem que o poder que deveria emanar do povo seja exercido em nome e no interesse do povo, soberanamente, é que os movimentos pela democracia direta vêm tomando vulto, encabeçados hoje por juristas como Fábio Konder Comparato, com base em sugestões que vem desaguando em Projetos de Lei na Câmara e no Senado regulando a convocação de plebiscitos e referendos e estabelecendo a forma de revocação de mandatos parlamentares. Assim, mesmo antes de se pensar no Lobby como essencial à democracia, há que se pensar em aperfeiçoar a própria democracia, na sua essência, ou seja, na supremacia da vontade popular, através de reforma que efetivamente crie condições da existência de representantes dignos desse nome para então, regulamentar a atividade dos que, legitimamente, representem interesses de empresas entidades ou movimentos sociais e pretendam influenciar o processo Legislativo."

Envie sua Migalha