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STJ: Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá podem usar marca Legião Urbana

Empresa representada pelo filho do cantor Renato Russo pedia a exclusividade sobre a marca. Julgamento foi 3 a 2.

Da Redação

terça-feira, 29 de junho de 2021

Atualizado em 30 de junho de 2021 09:36

A 4ª turma do STJ autorizou, nesta terça-feira, 29, que os músicos Eduardo Villa Lobos e Marcelo Bonfá façam o uso da marca Legião Urbana em shows e atividades profissionais. Por 3 a 2, a turma negou recurso da empresa Legião Urbana Produções Artísticas, representada pelo filho do cantor Renato Russo, que pedia a exclusividade sobre a marca.

 (Imagem: Ricardo Junqueira | Legião Urbana)

Banda Legião Urbana em show.(Imagem: Ricardo Junqueira | Legião Urbana)

Marca Legião Urbana

A marca Legião Urbana foi depositada em nome de Legião Urbana Produções Artísticas Ltda. em 1987. Em 2013 começou a disputa pelo uso do nome. Eduardo Villa Lobos e Marcelo Bonfá, ex-integrantes da banda, requereram a utilização da marca em suas atividades profissionais.

O litigio perdura desde então. Entre autorizações e desautorizações, transitou em julgado em 2014 decisão da 7ª vara Empresarial do RJ que fixou que a empresa não poderia impedir os músicos de usar a marca no exercício de sua atividade, sob pena de multa de R$ 50 mil incidente sobre cada ato de descumprimento.

Cotitularidade

Em recurso ao STJ, a empresa sustenta que não é cabível a cotitularidade de marca e que o julgamento do tema deveria ser feito pela Justiça Federal, e não a Justiça estadual, pois o TJ/RJ acabou por conferir titularidade de marca aos agravados, independentemente de licenciamento e registro perante o INPI.

O representante da empresa Legião Urbana Produções Artísticas, André Silveira, sustentou na sessão do dia 6 de abril alegando que Renato Russo foi o único criador da marca e comprou a pequena participação dos outros integrantes. "Eram 200 cotas, sendo 188 do Renato Russo e 2 cotas de cada integrante, menos de 10% do total", acrescentou.

Lealdade

O advogado José Eduardo Cardoso, representante de Villa Lobos e Bonfá, sustentou que os integrantes da banda, amigos, tiveram dificuldades para registrar a marca, e o fizeram em comum acordo, atrás da empresa recorrente. "Não procuraram situações formais, artistas não agem assim, nem amigos", disse.

"Isso não tem nada a ver com a dissolução posterior das sociedades individuais. A marca de comum acordo foi pleiteada por uma empresa em total consonância com os membros da banda. A amizade e a lealdade entre amigos não se transferem por herança."

O advogado ressaltou que é uma relação que se discute Direito Privado apenas pelo uso da marca, e não para anular ato administrativo. Cardoso finalizou lembrando a decisão a quo que diz que a marca foi construída e consolidada por três pessoas, mas que o registro foi efetivado por uma delas, não sendo legitima a exclusão dos demais.

Ato administrativo

A relatora, ministra Isabel Gallotti, observou que, ao deferir a medida, o juízo estadual acabou por limitar o direito de propriedade da marca titularizada pela sociedade empresária e por afastar o atributo da exclusividade inerente ao direito de propriedade da marca.

"A abstenção do uso da marca não foi imposta à empresa, ou seja, a sentença não proibiu a empresa de usar a marca, mas houve sim limitação já que impôs à sociedade tolerar seu uso pelos artistas."

Isabel Gallotti analisou que o efeito principal do registro é assegurar ao seu titular o direito de uso exclusivo da marca, e como consequência impedir que outros empreguem para o mesmo fim.

"O acórdão recorrido considerou que os artistas, embora não titulares do registro da marca, tem o direito de dela se utilizar independentemente de licenciamento, em razão de terem integrado a banda e contribuído para seu renome nacional."

Ao assim decidir, ressaltou a ministra, o juízo atribuiu aos recorridos a cotitularidade da marca, efeito que decorreria de ato administrativo, o que seria da competência do INPI, sujeito ao crivo da Justiça Federal.

Para a ministra, não está em questão os ex-integrantes continuarem tocando as músicas que tocavam à época da Legião Urbana.

"Não está em questão o direito de ouvir os recorridos tocando com o nome Legião Urbana, eles podem tocar com o próprio nome. É uma questão de proteção à marca. Não há o direito de que eles toquem como a Legião Urbana escolhendo um cover para fazer o papel de Renato Russo. Assim como não há o direito social de ouvirmos o Paul Mccartney tocando com o nome de Beatles."

Dessa forma, deu provimento ao recurso especial para rescindir a sentença. A ministra esclareceu que se limitou ao pedido, sem entrar no juízo rescisório e que se as partes tiverem necessidade de discutir alguma outra questão perante a Justiça Federal, está aberto. "Aí vai ter que ver se há prazo e em que condições isso se daria", completou.

Após o voto da relatora, o ministro Antonio Carlos Ferreira pediu vista, adiando o julgamento.

Função social - Sucesso da marca

Ao proferir o voto vista nesta terça-feira, 22, o ministro Antonio Carlos Ferreira ressaltou entendimento do magistrado de origem que considerou que a não utilização do uso social da marca pode impactar no coletivo. "No caso em tela, a função social da propriedade da marca não compactua com a abstenção de seu uso pleno, o que obstaculizaria a difusão da cultura com a proibição do shows pelos ex-integrantes da banda, que de fato são responsáveis pela consolidação de seu nome", considerou a decisão.

Para o ministro, tem-se fundamentação robusta, ponderada e razoável, com suporte no principio da função social da propriedade da qual não se extrai flagrante inadmissível violação literal da norma jurídica.

"Ao revés, a decisão rescindenda sopesou de forma harmônica a prerrogativa disciplinada pela lei de regência. De fato, no comando sentencial não foi além de permitir a utilização limitada e excepcional da marca, mas do nome que identifica o extinto conjunto musical e seu primeiro álbum, por aqueles que a par de figurarem como seus cocriadores e que contribuíram diretamente de seu sucesso, dela necessitam para o pleno exercício de sua atividade profissional, no contexto de importante e desejada disseminação da cultura nacional."

O ministro salientou que a autoidentificação dos recorridos como ex-integrantes do grupo musical traduz direito da personalidade, cuja limitação não poderia encontrar fundamento no direito marcário. Para S. Exa., a titularidade da marca Legião Urbana não se afigura suficiente para impedir os recorridos de se apresentarem como componentes da banda, conquanto extinta por precoce falecimento de seu vocalista.

"Trata-se de qualidade ínsita a sua própria identidade pessoal e profissional que não será eliminada de suas biografias tão só pelo fato de que o nome do grupo foi levado a registro para fins de proteção marcaria."

Antonio Carlos lembrou que o STF recentemente decidiu pela incompatibilidade entre o direito ao esquecimento e CF como corolário do direito à informação. "A informação de que os recorridos são de fato os membros do famoso grupo musical, não pode ser sonegada do público para quem vão se apresentar em sua atividade musical profissional", ressaltou.

"Com efeito, Marcelo Bonfá e Dado Villa Lobos foram e sempre serão partícipes da criação e do triunfo da banda Legião Urbana, com efeitos na consolidação e valorização da marca que representa o conjunto musical. Sim, pois é a marca que representa o grupo, e não o contrário. Isto é, a banda não alcançou sucesso por causa da marca, mas sim a marca tem sua relevância por conta do exitoso trabalho de seus integrantes. A Legião Urbana não é lembrada senão por sua própria historia escrita pela pena de seus integrantes e quase nada pela marca depositada ao INPI. Que, diga-se de passagem, nem sequer tem representação gráfica."

O ministro salientou que não é o caso de requerer que o titular da marca se abstenha de usar a marca, e sim de poder utilizar na sua atividade profissional. "Eles não poderão licenciar ou produzir produtos com a marca, ficou delimitada a decisão. Poderão utilizar a marca exclusivamente em atividades profissionais, como músicos que são", concluiu.

Assim, negou provimento ao recurso especial.

Desempate

O ministro Luís Felipe Salomão seguiu o entendimento da relatora com duas ressaltas: i)  que eventuais outras medidas poderão ser tratadas em ações próprias e ii) que não há impedimento para utilização da expressão "ex-integrantes da banda Legião Urbana". 

O ministro Raul Araújo seguiu o voto divergente. Para S. Exa., trata-se da pretensão do uso da marca por aqueles que contribuíram para cria-la, difundi-la e consolidá-la, e não um caso comum em que um terceiro viola o direito de exclusividade do titular.

"As instâncias ordinárias encontraram uma solução, um ponto intermediário, que solucionou bem os valores em conflito. A solução dada não trará prejuízos para o titula da marca, ao contrário, pois quando os músicos estiverem se apresentando com a utilização da marca, estarão a propagá-la, agregando maior interesse e prestígio em sua comercialização."

Diante do empate, as sustentações orais foram renovadas para que o ministro Marco Buzzi, que estava ausente quando por motivos de saúde, possa votar e desempatar.

Ao votar nesta terça-feira, 29, o ministro Marco Buzzi ressaltou que o trabalho artístico dos artistas, ao tempo em que lhe rende frutos financeiros, promove a valorização da marca e posterga eventual desvalorização, beneficiando o detentor da marca.

Para o ministro, o direito à propriedade da marca não está imune a abrandamentos, podendo sofrer temperamentos que possibilite, em situações excepcionais, a sua conformação com o principio da função social da propriedade, notadamente quando não é possível auferir prejuízo ao dono da marca ou má-fé pelo seu uso.

Assim, seguiu o voto divergente, autorizando o uso da marca pelos músicos. 

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