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Direito ao esquecimento

STF: Não existe direito ao esquecimento na área cível

"É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento", essa é a frase que abre a tese firmada pelos ministros no caso de Aída Curi, que teve trágica história televisionada pelo antigo programa Linha Direta.

Da Redação

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Atualizado em 4 de agosto de 2021 17:05

Nesta quinta-feira, 11, o plenário do STF não reconheceu o direito ao esquecimento na esfera cível e, por consequência, entendeu que tal instituto não é aplicável quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares. Por maioria, os ministros fixaram a seguinte tese:

"É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.

Eventuais excessos ou abusos no exercício de liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível."

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

  • Corrente vencedora

O ministro Dias Toffoli, relator, entendeu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento. Toffoli afirmou que a previsão ou a aplicação de um direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão ao salientar que não cabe ao Judiciário criar um suposto direito ao esquecimento. Na proposta de tese de Toffoli, que abre esta reportagem, ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio. 

No mesmo sentido, votou o ministro Nunes Marques dizendo que a liberdade de comunicação pode ser tolhida se a jurisprudência criar um "ambíguo" direito ao esquecimento, "cujos limites ninguém sabe exatamente quais são". No entanto, no caso concreto, o ministro entendeu que a Rede Globo deve indenizar os familiares de Aída Curi, pois o nome da vítima foi trazido à tona de forma despropositada, cruel e sem qualquer importância pública.

Endossando o não reconhecimento do direito ao esquecimento, votou o ministro Alexandre de Moraes. Segundo o ministro, o reconhecimento amplo, genérico, abstrato do direito ao esquecimento traz presente o traço marcante da censura prévia. 

Assim entendeu também a ministra Rosa Weber, a qual se questionou"se aos cidadãos não for assegurada uma esfera de intimidade privacidade, livre de ingerência externa, o lugar onde o pensamento independente e novo possa ser gerado com segurança, de que servirá a liberdade de expressão?".

A ministra Cármen Lúcia não reconheceu o direito ao esquecimento. Para S. Exa., discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental "parece um desaforo jurídico para minha geração". Segundo Cármen, a CF/88 parece mostrar que o direito à lembrança, à memória, foi conquistado e adotado "quase como uma candeia que conduz a obra constituinte".

Na mesma esteira, o ministro Lewandowski afirmou que o direito ao esquecimento jamais constituiu um direito jurídico autônomo e independente. Sendo assim, para o ministro, este instituto só pode ser apurado caso a caso, de maneira a sopesar-se qual destes dois direitos fundamentais - intimidade/privacidade e liberdade de expressão - deve ser prevalência.

O ministro Gilmar Mendes seguiu a proposta de tese de Toffoli e votou para que os familiares de Aída Curi recebam indenização por dano moral. Para o ministro, a matéria jornalística pode ter extrapolado o direito de informar, que trouxe uma visão do caso deturpada ao público.

O decano Marco Aurélio ressaltou a importância da liberdade de expressão em ares democráticos e disse que o programa tratou o trágico caso de Aída Curi de forma jornalística. Marco Aurélio relembrou voto da ministra Cármen Lúcia, no qual a ministra disse que o Brasil deve ter memória e o ministro complementou: "deve contar com memória dos fatos negativos e positivos".

O ministro Luiz Fux, pela colegialidade, seguiu a tese do ministro Toffoli. No entanto, Fux reconheceu que há o direito ao esquecimento ao dizer que este instituto está enraizado no núcleo essencial de tutela da pessoa humana: "é inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica da tutela da dignidade da pessoa humana (...) a doutrina consagra o direito ao esquecimento". No caso concreto, todavia, Fux salientou a importância histórica e pedagógica do episódio com Aída Curi e, por consequência, não o aplicou aos familiares da vítima. 

  • Corrente vencida

O ministro Edson Fachin abriu a divergência explicando que o direito ao esquecimento compreende, mas não se reduz, aos tradicionais direitos à privacidade, à honra, nem tampouco ao direito à proteção de dados. "Decorre de uma leitura sistemática destas liberdades fundamentais", frisou.

Para o ministro, ainda que se possa falar de uma posição de preferência da liberdade de expressão no sistema constitucional brasileiro, há um altíssimo ônus argumentativo para afastá-lo. 

Ao analisar o caso concreto, no entanto, o ministro Edson Fachin entendeu que episódio trágico de Aída Curi desbordou da esfera da vida privada, pois os materiais se mostraram essencialmente públicos e as expecativas de privacidade se viram diminuídas.

Ademais, o ministro afirmou que o caso retratado pela Rede Globo, de forma jornalística, refletiu a trágica realidade da época. Assim, e por fim, embora reconhecendo a existência do direito ao esquecimento, o ministro entendeu que os requerentes, no caso concreto, não fazem jus a ele. 

Entenda o caso

Os irmãos de Aida Curi ajuizaram ação de reparação contra a TV Globo após a história do conhecido crime ser apresentada no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais. A tragédia aconteceu em 1958, já o programa foi exibido nos anos 2000, sem autorização da família.  

Nos Tribunais Superiores, o caso teve origem em julgamento no STJ, capitaneado pelo voto do ministro Luis Felipe Salomão, reconhecendo o direito ao esquecimento, embora afastando-o no caso concreto.

Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

O tema ganhou amplitude nos últimos anos, como se nota pela sintética linha do tempo que destaca relevantes decisões sobre a matéria:

 

 

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