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Migalhas da História - Especial Independência

Noite da Agonia: Primeiros traços de autoritarismo

O nome, "Noite da Agonia", é uma referência ao sentimento de apreensão, partilhado pelos parlamentares, antes de o imperador decretar o fechamento imediato da Assembleia Constituinte e a prisão de seis deputados.

Da Redação

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Atualizado em 8 de setembro de 2022 16:33

A noite da agonia, como ficou conhecida, ocorreu na madrugada de 12 de novembro de 1823, durante a Assembleia Constituinte, no Rio de Janeiro, a qual estava encarregada de redigir a primeira Constituição do Brasil.

Um ano depois da proclamação da Independência, Dom Pedro I, temendo que o poder da Assembleia Constituinte ameaçasse seu reinado, ordenou que o exército, liderado pelo brigadeiro José Manuel de Morais, com um decreto em mãos, suspendesse o plenário.

Assinado pelo imperador, o texto dizia: 

"Havendo eu convocado como tinha direito de convocar a Assembleia Geral no ano próximo passado (...) Hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do Brasil, dissolver a mesma Assembleia e convocar uma outra."

Os membros da Assembleia, que se preparavam para redigir a primeira Constituição brasileira, resistiram por horas, mas não conseguiram evitar a dissolução. Muitos deputados, incluindo o Patriarca da Independência, José Bonifácio, foram presos e depois deportados.

Apesar do choque, a atitude de Dom Pedro I já era esperada.

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Precedentes da Noite

3 de maio de 1823 foi a data em que representantes de diversas partes do país reuniram-se, pela primeira vez em assembleia, curiosamente no mesmo prédio que, algumas décadas antes, servira como cela para Tiradentes.

Desde seu início, a Constituinte se mostrou como um ambiente claramente polarizado. As maiores polêmicas residiam na distribuição de poderes entre Executivo e Legislativo e na questão da autonomia das províncias em relação ao governo do Rio de Janeiro. O temor de que Pedro I poderia fechar a assembleia já existia. Mas não dava para prever se isso aconteceria, e muito menos quando.

A tensão se refletia nas ruas. A hostilidade entre brasileiros e portugueses estava cada vez mais inflamada. Os jornais que circulavam entre a população do Rio de Janeiro ajudavam a insuflar o conflito. Um desses jornais era o Sentinela da Praia Grande, do panfletário Francisco Antônio Soares. 

 (Imagem: Fundação Biblioteca Nacional)

Sentinela da Liberdade a Beira do Mar da Praia Grande.(Imagem: Fundação Biblioteca Nacional)

Francisco utilizava pseudônimo de "Brasileiro Resoluto" e publicava artigos em oposição à admissão de oficiais portugueses nas forças militares brasileiras e, também, à nomeação de portugueses para as funções de confiança. O jornalista acreditava que para a Independência se concretizar de fato, o Estado, a segurança e as Cortes de Justiça deveriam ser ocupadas por brasileiros natos.

Registros históricos revelam que em 5 de novembro daquele ano, o "Brasileiro Resoluto" citou nominalmente os oficiais major José Joaquim Januário Lapa e o capitão Zeferino Pimentel Moreira. No dia seguinte, os militares lusos saíram atrás de seu anônimo algoz, julgando que fosse um farmacêutico brasileiro chamado David Pamplona Corte Real. Encontraram o suposto articulista e o espancaram na intenção de que a atitude servisse como recado aos demais. Mas, como já falado, os ânimos estavam inflamados de fora generalizada e, em vez de se calar, Pamplona recorreu à assembleia.  

O assunto foi tratado no dia 10 de novembro, na presença do povo que compareceu em peso à Cadeia Velha. Os constituintes Antônio Carlos, Martim Francisco e José Bonifácio de Andrada e Silva saíram em defesa do farmacêutico.

"Justo céu, e somos nós representantes? De quem? Não, somos nada, se estúpidos vemos, sem remediar, os ultrajes que fazem ao povo do Brasil estrangeiros que adotamos nacionais."

Assim, foram aclamados pelo povo.  

 (Imagem: Reprodução)

Antônio Carlos em desenho realizado por Miguelzinho Dutra, em 1839(Imagem: Reprodução)
D. Pedro I assistia, insatisfeito, àquela exaltação antilusitana das janelas do Paço Imperial. A Constituinte, composta por pessoas que não eram de sua confiança, ganhava cada vez mais status de afronta.

Para o imperador, o episódio do farmacêutico foi a gota d'água. Armou seus soldados e ordenou prontidão às guarnições, aguardando apenas o pretexto, que não tardou. 

A armação do exército desencadeou protestos na sessão do dia seguinte. Indignados com o Imperador, os deputados resolveram permanecer na Cadeia Velha, numa vigília que ficou conhecida como A Noite da Agonia. O nome é uma referência sentimento de apreensão, partilhado pelos parlamentares, que se concretizou na manhã do dia 12 de novembro, quando o imperador decretou o fechamento imediato da Assembleia Constituinte e a prisão de seis deputados.

A Outorgada

Com a dissolução do parlamento, dias depois, o imperador reuniu dez cidadãos de sua confiança e a Constituição brasileira ficou à cargo dos legisladores escolhidos. A portas fechadas, eles escreveram a primeira Constituição do Brasil independente, publicada no ano seguinte, no dia 25 de março de 1824. Dessa maneira, a Carta Magna do Império foi posta em prática, ou melhor, imposta. Pedro.

Foi assim que começamos nossa atribulada vida constitucional. 

 (Imagem: Reprodução)

Capa da Constituição do Império do Brasil, de 1824. | D. Pedro I com o exemplar da Constituição brasileira de 1824 em obra de Manuel de Araújo Porto Alegre. 1826.(Imagem: Reprodução)

Referências Bibliográficas 

CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello.?Às armas, cidadãos!: panfletos manuscritos da independência do Brasil (1820-1823). Editora Companhia das Letras, 2012. 
ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus Editora, 2015. 
MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles (Orgs.). Monarquia, liberalismo e negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Edusp, 2013. 
PEDREIRA, Jorge Miguel Viana; COSTA, Fernando Dores.?D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 
SHULTZ, Kristen. Versalhes tropical: Império, monarquia e a Corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 
STARLING, Heloisa Maria Murgel; DE LIMA, Marcela Telles (Orgs.). Vozes do Brasil: a linguagem política na Independência (1820-1824). Brasília: Edições do Senado Federal, 2021.


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