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Na mira?

Contratos com escritórios estrangeiros: pessoas privadas podem ser próximos alvos?

Ministro Dino impôs restrições a municípios que contratam escritórios estrangeiros para litígios no exterior, levantando questões sobre o futuro de contratos privados.

Da Redação

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Atualizado às 07:06

No contexto da repactuação do caso Mariana, o ministro Flávio Dino, do STF, proferiu decisão liminar acendendo um debate acerca da contratação de escritórios de advocacia estrangeiros para representarem municípios brasileiros em litígios internacionais.

A medida foi tomada em resposta a uma ação movida pelo Ibram - Instituto Brasileiro de Mineração, e impõe restrições aos municípios que buscam reparações no exterior por desastres socioambientais, especificamente no Reino Unido.

A decisão, que tem o objetivo de evitar possíveis irregularidades nas contratações, traz à tona uma questão crucial: até onde essas restrições podem alcançar? Embora o foco inicial seja nas administrações municipais, tudo indica que o próximo passo será questionar os contratos assinados por particulares que buscam indenizações no exterior, especialmente aqueles firmados com o escritório inglês Pogust Goodhead.

 (Imagem: Arte Migalhas)

Ministro Dino impôs restrições a municípios que contratam escritórios estrangeiros para litígios no exterior.(Imagem: Arte Migalhas)

Antecedentes e questionamentos judiciais

A discussão sobre a atuação de escritórios estrangeiros em litígios relacionados a desastres ambientais não é nova. Em 2023, o juiz Federal Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, da 4ª vara Cível Federal de Belo Horizonte/MG, atendeu a um pedido da mineradora BHP Billiton e intimou o mencionado escritório Pogust Goodhead, sediado no Reino Unido, a fornecer informações detalhadas sobre os contratos firmados no Brasil com vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.

Conforme informações publicadas pelo Valor Econômico, a ordem judicial exigiu que o Pogust Goodhead esclarecesse se havia clientes no processo inglês que já haviam fechado acordos e recebido valores por meio do Sistema Indenizatório Simplificado (Novel), gerido pela Fundação Renova. Esse sistema foi criado em 2016 com o objetivo de executar as ações de reparação e compensação relacionadas ao desastre de Mariana.

De acordo com o juiz Avelar, aqueles que fecharam acordo pelo sistema não teriam direito a novas indenizações. "As indenizações produzidas pelo Sistema Indenizatório Simplificado geram quitação definitiva em favor das empresas e da Fundação Renova", pontuou o magistrado.

Além disso, a decisão judicial levantou dúvidas sobre os termos dos contratos firmados pelo escritório estrangeiro, questionando práticas como a cobrança de honorários de clientes que desistissem de participar da ação e a imposição de restrições quanto à negociação de indenizações no Brasil sem a autorização do Pogust Goodhead.

Cláusulas controversas

Entre as cláusulas do contrato firmado entre o escritório Pogust Goodhead e os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, duas disposições em particular têm gerado questionamentos.

A primeira prevê que, caso o cliente representado pelo Pogust Goodhead aceite um acordo, renuncie à ação ou autorize a resolução do caso sem a continuação da representação, o escritório estrangeiro tem direito a 10% do valor total recebido, seja por meio de um acordo com as rés, suas afiliadas ou outras organizações terceiras. Além disso, essa cláusula traz uma exigência inusitada: a de que o advogado brasileiro colaborador, que intermediou o contrato (sabiamente o escritório inglês não firmou contrato sem que um advogado brasileiro, que ele chama de "colaborador", assinasse conjuntamente), seja responsável pelo pagamento dessa porcentagem, mesmo que o valor tenha sido obtido sem a participação direta do escritório inglês. A crítica aqui reside no fato de que essa disposição impõe uma responsabilidade financeira ao advogado, independentemente de sua participação efetiva no processo de negociação do acordo.

 (Imagem: Reprodução)

Cláusula presente no contrato.(Imagem: Reprodução)

Outra cláusula igualmente controversa determina que, se um cliente nomear um novo advogado no Brasil, após ter autorizado previamente a representação pelo Pogust Goodhead no Reino Unido, o advogado "colaborador" brasileiro deve informar imediatamente o escritório estrangeiro e fornecer dados como o CPF do cliente. Além disso, essa cláusula impede que o advogado "colaborador" receba qualquer valor por contratos firmados diretamente entre o cliente e a banca inglesa, mesmo que tenha desempenhado um papel relevante na condução inicial do caso. Essa limitação gera preocupações quanto à autonomia dos advogados locais e à transparência nas relações com os clientes.

 (Imagem: Divulgação)

Cláusula presente no contrato.(Imagem: Divulgação)

Desdobramentos após a decisão do STF

Após a recente decisão do ministro Flávio Dino, o escritório Pogust Goodhead convocou uma reunião com os representantes dos atingidos para reforçar a importância de não assinarem documentos sem a devida orientação jurídica. O escritório alertou sobre os riscos envolvidos nas negociações feitas no Brasil.

Parcimônia

Ao abordar os contratos entre particulares e escritórios de advocacia estrangeiros, é inevitável reconhecer que estamos lidando com uma situação delicada, cujas consequências podem ser complicadas. A reputação de romper acordos não favorece um país que busca respeito no cenário internacional. Portanto, é legítimo levantar questionamentos, como o que fizemos aqui, mas sempre com cuidado - afinal, ninguém quer colocar o nome do país em uma encrenca desnecessária.

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