Globo perde direito à marca "Anjo de Hamburgo", prevista para minissérie
TRF-2 considerou que o apelido notoriamente associado a Aracy Guimarães Rosa, que ajudou judeus a escapar do regime nazista, não pode ser registrado sem autorização dos herdeiros.
Da Redação
segunda-feira, 17 de novembro de 2025
Atualizado às 15:49
O TRF da 2ª região anulou o registro da marca "Anjo de Hamburgo", depositada pela Globo para identificar uma minissérie sobre Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa. A 3ª turma confirmou sentença que reconheceu a impossibilidade de registro sem autorização dos herdeiros, por se tratar de apelido amplamente associado à homenageada. Para o colegiado, a obtenção de exclusividade comercial sobre a expressão violaria direitos da personalidade e contrariaria a lei de Propriedade Industrial.
Entenda o caso
Aracy, funcionária do consulado brasileiro em Hamburgo durante a Segunda Guerra Mundial, ficou conhecida como o "Anjo de Hamburgo" por auxiliar judeus na obtenção de vistos e na fuga do regime nazista. O epíteto, reiterado em reportagens, produções culturais e estudos acadêmicos, tornou-se marca de sua trajetória humanitária.
Em ação movida pelo espólio de Eduardo Carvalho Tess, filho de Aracy, buscou-se anular o registro da marca mista "Anjo de Hamburgo", concedido à Globo pelo INPI em 2020. A família alegou que o uso do apelido exigia autorização expressa dos herdeiros, conforme o art. 124, XVI, da lei de Propriedade Industrial, e que sua apropriação configuraria violação aos direitos da personalidade.
A emissora argumentou que o título possuía caráter informativo e artístico, destinado à proteção da obra audiovisual, sustentando ainda que a produção biográfica estaria amparada pela liberdade de expressão e que o epíteto não teria notoriedade nacional ampla.
Após análise técnica, o INPI aderiu à pretensão do espólio, reconhecendo que o apelido era notoriamente vinculado a Aracy e que o registro havia sido concedido sem o devido consentimento dos sucessores. Em 2022, o TRF da 2ª região manteve liminar que proibiu a emissora de utilizar a expressão como marca.
O juízo de 1º grau acolheu integralmente o pedido, declarou a nulidade do registro e determinou a adoção das anotações administrativas cabíveis, além da publicação da decisão na Revista da Propriedade Industrial. Para a juíza Federal Ana Amélia Silveira Moreira Antoun Netto, a ausência de autorização dos herdeiros impedia o registro, ainda que relacionado a obra cultural.
Limites entre biografia e exclusividade marcária
Ao analisar a apelação, o desembargador Federal Flávio Oliveira Lucas manteve o entendimento da sentença e destacou que o caso envolve dois núcleos jurídicos: a nulidade do registro da marca por falta de consentimento dos herdeiros e os limites da proibição de uso da expressão pela emissora.
O relator destacou que os direitos da personalidade - incluindo nome, pseudônimo e apelido - mantêm proteção mesmo após a morte, e que o art. 124, XVI, da LPI impede o registro de apelido notoriamente conhecido sem autorização dos sucessores.
No processo, ficou demonstrado que "Anjo de Hamburgo" é amplamente associado a Aracy Guimarães Rosa, fato reconhecido inclusive pelo INPI.
Além disso, o relator esclareceu a distinção entre proteção autoral e proteção marcária. Embora o título de obra audiovisual seja protegido pela Lei de Direitos Autorais, isso não confere ao produtor o direito de registrar o epíteto como marca para fins de uso exclusivo no mercado. A liberdade de expressão autoriza a criação e a veiculação da obra biográfica, mas não legitima a apropriação de um apelido notório como signo distintivo de produtos ou serviços.
A ausência de autorização familiar, afirmou o desembargador, constitui verdadeiro vício de origem do ato administrativo do INPI, agravado pela conduta da Globo, que havia desistido de requerer o registro "Aracy, o Anjo de Hamburgo" antes de tentar registrar apenas o epíteto - evidenciando a ciência da notoriedade do nome.
Quanto ao alcance da proibição, esclareceu que ela se limita ao uso como marca, para obtenção de exclusividade comercial. A menção ao apelido no conteúdo narrativo da obra permanece permitida, desde que não configure sinal distintivo protegido pela LPI.
Com base nesse entendimento, a 3ª turma do TRF da 2ª região negou provimento à apelação e à remessa necessária, mantendo a nulidade do registro.
Atuam pelo espólio os advogados Newton Silveira (in memoriam), Wilson Silveira, Lyvia Carvalho Domingues, João Marcelo Villela e Ludmila Schirnhofer Andrade de Figueira da banca Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.
- Processo: 5063883-60.2020.4.02.5101
Leia o voto do relator.






