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Aborto de feto anencéfalo é motivo de divergências em audiência na Câmara

A situação de fetos anencéfalos (cujo cérebro não está completamente formado) dividiu opiniões em audiência pública realizada ontem, 10/12, pela Comissão de Legislação Participativa. De um lado, advogados e médicos defenderam o direito de a mulher ou o casal decidirem por manter ou não uma gravidez nessas condições.

Da Redação

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Atualizado às 08:53


Anencefalia

Aborto de feto anencéfalo foi motivo de divergências em audiência na Câmara

A situação de fetos anencéfalos - cujo cérebro não está completamente formado - dividiu opiniões em audiência pública realizada ontem, 10/12, pela Comissão de Legislação Participativa. De um lado, advogados e médicos defenderam o direito de a mulher ou o casal decidirem por manter ou não uma gravidez nessas condições. De outro, representantes de entidades religiosas reforçaram o caráter constitucional do direito à vida, considerando que esta tem início no momento da concepção.

A interrupção da gravidez de fetos anencéfalos ainda não é regulamentada por lei no Brasil e, muitas vezes, é permitida por decisões judiciais. Entre 1989 e 2008, foram concedidos mais de 5 mil alvarás judiciais para interrupção de gestação em casos de anencefalia.

Para os representantes da OAB, do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), é um direito da mulher decidir se mantém a gravidez ou se a interrompe. Essa interrupção, segundo a advogada Janaína Penalva, representante do Anis, não seria nem mesmo considerada aborto, mas uma "antecipação terapêutica do parto".

"Há uma diferença moral entre aborto e antecipação de algo sem futuro. As mulheres que entrevistamos fazem sempre o mesmo relato: elas têm a sensação de que carregam em si a morte, uma gravidez sem perspectiva de término com vida", disse Penalva. "A antecipação, no entanto, deve constituir uma opção. O que se pede é a garantia de que as mulheres possam escolher, sem ser obrigadas a nada".

Por sua vez, o 1º vice-presidente do CFM, Carlos Vital Lima, afirmou que a decisão de abortar ou não é de mérito individual e relativo. Segundo ele, não se trata de uma decisão genérica, mas de um direito de autodeterminação. "Como exigir que uma mulher complete sua gestação sabendo que não há sobrevida daquele feto anencéfalo?", questionou o médico.

Aspectos técnicos

O diretor de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, José Luiz Telles, defendeu o acompanhamento e o apoio do SUS à mulher que esteja grávida de feto anencéfalo. Segundo ele, após o diagnóstico de anencefalia, a gestante deve ser esclarecida e receber suporte psicológico. Caso decida manter a gravidez, ela deverá ter acompanhamento estrito do sistema de saúde, uma vez que se trata de uma gravidez de risco, que pode ocasionar problemas como o descolamento prematuro da placenta.

Em uma apresentação estritamente técnica, ele afirmou que a anencefalia é incompatível com a vida e corresponde à morte cerebral, por não haver atividade cortical. "Aproximadamente 75% dos fetos anencéfalos morrem dentro do útero. Dos 25% que chegam a nascer, todos têm sobrevida vegetativa que chega a 24 horas na maioria dos casos", explicou.

Segundo dados de 2003 da OMS, o Brasil é o quarto país em frequência de anencefalia. A interrupção da gravidez, nesses casos, é permitida na Europa, no Canadá, nos Estados Unidos, na China e, mais recentemente, no Irã (desde 2004) e na Argentina (desde 2003), entre outros países.

Religiosos

Apesar dos argumentos, a professora de Biologia Celular da UnB e integrante da Comissão de Bioética da CNBB Lenise Aparecida Martins Garcia manifestou-se contra a interrupção e disse que não se pode considerar esses fetos como fetos mortos.

Citando pesquisas e casos nacionais e internacionais, Lenise Garcia ressaltou que não se pode prever quanto tempo uma criança com anencefalia pode viver. Cerca de 1% vive por três meses, outras crianças podem chegar a dez meses e, algumas, podem viver até um ano e dois meses.

Na opinião da pesquisadora, a interrupção da gravidez de anencéfalo pode constituir uma violência contra um ser fragilizado, que tem direitos garantidos na Constituição, e também contra a mãe. "O aborto do anencéfalo junta duas questões éticas: o aborto e a eutanásia, porque não deixa de ser uma eutanásia", afirmou.

O representante da Federação Espírita Brasileira (FEB) Jaime Ferreira Lopes disse que a FEB também é contra a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. "A posição da FEB não poderia ser outra do que a expressa no principal texto da doutrina espírita, O Livro dos Espíritos, que afirma que a vida humana inicia-se na concepção. A decorrência lógica dessa posição é que a FEB é contra o aborto, aceitando como única exceção o que está expresso no Código Penal, ou seja, a permissão para o aborto se não houver outro meio de salvar a vida de uma mulher grávida em risco", disse.

Sujeito de direito

Para o assessor jurídico da OAB Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior, a situação do feto anencéfalo deve ser analisada de um ponto de vista técnico, e não apenas religioso. Nessa discussão, afirmou, deve ser levado em consideração o fato de a mulher ser um sujeito de direito, segundo as constituições modernas. "Deve ser preservada a sua liberdade, a sua dignidade", disse.

O diretor do Ministério da Saúde José Luiz Telles conciliou a questão ao dizer que todas as posições existentes no País - sejam religiosas, jurídicas ou técnicas - devem ser levadas em consideração porque demonstram o estágio atual da sociedade brasileira. "A questão deverá acompanhar o desenvolvimento moral da sociedade", disse.

O assunto deverá ser retomado na Câmara no próximo ano. O deputado Dr. Talmir (PV/SP), que sugeriu o debate de ontem, pretende realizar um seminário ampliado, para ouvir a opinião de outras representações da sociedade.

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