COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Processo e Procedimento >
  4. Overruling ope legis: a superação da jurisprudência pelo CPC/15

Overruling ope legis: a superação da jurisprudência pelo CPC/15

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Atualizado às 10:29

Guilherme Pupe da Nóbrega

Leitura superficial do Código de Processo Civil de 2015 (lei 13.105) já permite verificar como não foram poucos os entendimentos que, consolidados pela jurisprudência, findaram positivados pela nova lei.

Por outro lado, noutras disposições tantas o legislador rechaçou jurisprudência consagrada, esvaziando súmulas e julgados em recursos repetitivos.

Neste texto (o primeiro de quantos outros a empreitada exigir), cuidamos, pontualmente, de indicar algumas dessas superações, notadamente no que toca ao STJ.

1) Possibilidade de cumprimento provisório de preceito cominatório: art. 537, § 3º, CPC/2015 X REsp 1.200.856
Debate candente no STJ em anos idos dizia respeito à (im)possibilidade de cumprimento provisório de decisão que fixasse preceito cominatório em antecipação de tutela, isto é, se já seria possível executar multa periódica (astreintes) acumulada face à inércia daquele obrigado por decisão precária ainda não confirmada por cognição exauriente.

As distintas correntes eram pela (i) pronta exequibilidade do preceito cominatório, independentemente de sentença; (ii) necessidade de confirmação da antecipação da tutela por sentença transitada em julgado como requisito para execução do preceito cominatório; e (iii) possibilidade de cumprimento provisório do preceito cominatório, exigindo-se sentença confirmando a tutela antecipada que, ainda que não transitada em julgado, houvesse sido atacada por recurso sem efeito suspensivo.

Mercê da divergência existente, o STJ houve por bem enfrentar o tema segundo a dinâmica dos recursos repetitivos no REsp 1.200.856, rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 17/9/13, firmando posição na linha do que sumariado em (iii) do parágrafo anterior, ou seja, pela possibilidade de cumprimento provisório da obrigação de pagar preceito cominatório devido em razão do não-cumprimento de determinação contida em decisão antecipatória da tutela desde que confirmada essa por sentença, prescindindo-se do trânsito em julgado, mas exigido que o recurso fosse desprovido de efeito suspensivo. Eis, bem a propósito, os termos do que decidido:

A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.1

O aresto em questão fiou-se, em grande parte, na segurança jurídica como fundamento para dar pela impossibilidade de execução do preceito cominatório fundado em decisão precária, mas mereceu a crítica de que o entendimento esvaziaria a coercitividade do instituto, técnica de execução indireta, na busca pelo cumprimento da tutela antecipada, ignorando, ademais, que a antecipação observa requisitos para sua concessão e que o cumprimento provisório guarnece o juiz de elementos que resguardem a segurança, como a exigência de caução para reversibilidade dos atos executivos praticados.

O CPC/15, nada obstante, adotou posicionamento intermediário em seu artigo 537, § 3º, admitindo o cumprimento provisório do preceito cominatório independentemente da confirmação de sentença, até mesmo com a efetivação de constrição sobre o patrimônio do devedor, mas somente autorizando o levantamento de valores pelo exequente após o trânsito em julgado:

Art. 537.  A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. (...)

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042.

O meio-termo, como se vê, buscou o melhor de duas coisas: resguardar a coercitividade, ameaçando o devedor com a indisponibilidade patrimonial independentemente de cognição exauriente, mas observando a segurança jurídica, sujeitando o exequente à espera pelo trânsito em julgado para levantamento dos valores constritos. Ao menos em relação ao posicionamento anterior do STJ, pensamos ter havido franca evolução.

2) Excesso de execução suscitado pela Fazenda Pública e necessidade de declinação do quantum (exceptio declinatori quanti): arts. 535, IV, § 2º, e 910, § 3º, CPC/15 X REsp 1.387.248

No REsp 1.387.248, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 19.5.2014, de sua vez, o STJ privilegiou a lógica ao dispor que a impugnação a cumprimento de sentença calçada em excesso de execução demanda a indicação do valor incontroverso:

Na hipótese do art. 475-L, § 2º, do CPC, é indispensável apontar, na petição de impugnação ao cumprimento de sentença, a parcela incontroversa do débito, bem como as incorreções encontradas nos cálculos do credor, sob pena de rejeição liminar da petição, não se admitindo emenda à inicial.2

O exotismo da decisão, porém, ficou por conta da previsão de que o raciocínio não se aplica à Fazenda Pública, seja em razão da indisponibilidade do interesse público patrocinado em juízo, seja pelo fato de o artigo 741 não ter reproduzido a exigência presente no artigo 475-L, § 2º, ambos do CPC/73.

O CPC/15 corrige essa parte final ao trazer a regra expressa de que a Fazenda, quando aventar excesso de execução em impugnação ao cumprimento de sentença (agora possível) ou em embargos à execução, tem a obrigação de indicar o valor reputado correto. Confiram-se, nessa senda, os artigos 535, IV, § 2º, e 910, § 3º, CPC/2015:

Art. 535.  A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: (...)

IV - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; (...)

§ 2º Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição.

Art. 910.  Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública será citada para opor embargos em 30 (trinta) dias. (...)

§ 3º Aplica-se a este Capítulo, no que couber, o disposto nos artigos 534 e 535.

A correção, segundo pensamos, é benéfica, favorecendo a isonomia e pondo fim à censurável prática de posterior aditamento pela Fazenda para complementação de alegação de excesso.

A crítica fica por conta da ausência de paralelismo normativo entre os arts. 525, § 4º, e 535, § 2º, CPC/2015: naquele, para além da exigência da indicação do valor reputado correto, impõe-se ao executado a colação à impugnação de demonstrativo de débito que respalde a sua insurgência; no que toca a impugnação pela Fazenda, houve omissão a respeito da necessidade de juntada de demonstrativo, o que, nada obstante, entendemos ser um consectário lógico da agora obrigação de apontamento de valor, já que pensamento em contrário produzirá risco de esvaziamento da nova norma e de lançamento, pela Fazenda, de valores a esmo para decote posterior, com a juntada de elementos, perpetuada a prática que se visou a rechaçar.

_______________

1 (Clique aqui)

2 (Clique aqui)