CPC na prática

Na execução do CPC/15 o devedor pode indicar bens para evitar a penhora on-line requerida pelo exequente?

Na execução do CPC/15 o devedor pode indicar bens para evitar a penhora on-line requerida pelo exequente?

13/7/2017

Elias Marques de Medeiros Neto

Com a lei 11.232/05, bem como com a lei 11.382/06, ocorreu uma das grandes transformações no sistema processual da execução, com a transferência ao credor da possibilidade de indicar bens do devedor para serem constritos; retirando-se a prerrogativa que o devedor tinha, até então, de primeiramente nomear bens à penhora.

Nesta nova dinâmica, a preferência natural do credor passou a ser a indicação de dinheiro do devedor para penhora, através do mecanismo previsto no artigo 655-A do CPC/73, o qual tratava da penhora on-line.

O CPC/15 mantém a possibilidade de o credor indicar bens do devedor à penhora (artigo 524, VII, e 829, parágrafo segundo), assim como prestigia, e muito, a penhora de dinheiro. Em seus artigos 835, I e parágrafo primeiro, 837 e 854, o CPC/15 confere amplo prestígio à possibilidade da constrição em dinheiro, inclusive através da famosa "penhora on-line". Este prestígio se mostra mais do que evidente na leitura do parágrafo primeiro do artigo 835 do CPC/15.

Não há dúvida de que o CPC/15 tem clara preocupação com a efetividade da execução, conforme se depreende da simples leitura dos seus artigos 4, 6 e 8, sendo a penhora de dinheiro, inclusive no formato on-line, um poderoso instrumento para a conquista de um processo de execução verdadeiramente efetivo.

Mas o desafio que o CPC/15 apresenta é o de compatibilizar a redação do parágrafo primeiro do artigo 835 com o disposto no artigo 805. O artigo 835 do CPC/15 classifica a penhora de dinheiro como prioritária, sendo que sua substituição ou relativização, pelo magistrado, apenas poderia ocorrer em hipóteses legalmente previstas e absolutamente excepcionais. O artigo 805 do CPC/15, por sua vez, prevê que quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado; sendo certo que ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.

O objetivo do artigo 805 do CPC/15 seria a obtenção de uma execução equilibrada, na qual, sem prejuízo da tutela jurisdicional eficaz em favor do credor, seria possível preservar a dignidade do executado e dos seus familiares; no sentido de, por exemplo, não se permitir constrições sobre bens legalmente impenhoráveis, se autorizar substituição de bens penhorados dentro da sistemática processual e promover expropriação dos bens penhorados mediante prévia e adequada avaliação. Na hipótese de dois bens poderem ser igualmente penhorados, sendo que ambos possuem semelhantes condições de eficazmente promover o pagamento ao credor, pode o magistrado optar pelo bem que causar menos comprometimento ao patrimônio do devedor; conforme já decidiu o então desembargador do TJ/SP, Sidnei Beneti, no julgamento do recurso de agravo 177.345-5/0-00, em 08.11.20001.

Uma leitura em conformidade com o princípio da proporcionalidade não autorizaria, em nome da proteção do artigo 805 do CPC/15, que um bem com baixíssima liquidez fosse constrito no lugar de outro que pudesse satisfazer melhor o credor. A efetividade do processo exige que o credor tenha o seu direito satisfeito dentro das melhores condições possíveis; e que, havendo duas ou mais vias para que o credor eficazmente possa chegar a este objetivo, o magistrado deva eleger a via que for menos prejudicial ao devedor, mas tudo sem comprometer a efetividade da execução.

E é com este espírito - de preservação da máxima eficiência da execução, mas sem deixar de olhar atentamente para a necessidade de se obter uma execução equilibrada -, que Teresa Arruda Alvim2 sustenta que a penhora de dinheiro, apesar do uso do termo "prioritário" no parágrafo primeiro do artigo 835 do CPC/15, pode ser relativizada pelo magistrado, dependendo das circunstâncias do caso concreto, bem como na hipótese de o devedor conseguir cumprir rigorosamente os termos do parágrafo único do artigo 805 do CPC/15. Enfatiza a professora Teresa Arruda Alvim3, ainda, a plena necessidade de o devedor, para fins de indicação de bens de que trata o parágrafo segundo do artigo 829 do CPC/15, caso pretenda evitar a penhora mais gravosa, se atentar para a essência do parágrafo único do artigo 805 do CPC/15.

Vale destacar aqui que o CPC/15, em seu artigo 829, parágrafo segundo, permite que o devedor se antecipe ao deferimento da penhora on-line e efetue indicação de bens para garantir o pagamento do valor devido; sempre devendo ser observado o disposto no parágrafo único do artigo 805 do CPC/15.

Nesta linha, o desembargador do TJ/SP Mourão Neto, da 27ª Câmara de Direito Privado, em recente julgamento ocorrido em 26/5/2017, referente ao agravo de instrumento 2042810-63.2017.8.26.0000, entendeu que o devedor pode indicar seguro garantia à penhora, dada a equiparação desta modalidade de garantia com o dinheiro (artigo 835, parágrafo segundo, do CPC/15). Veja-se:

"Processual. Ação renovatória de contrato de locação e ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis. Cumprimento provisório de sentença. Decisão que deferiu a indicação de apólice de seguro como garantia judicial. Pretensão à reforma. Seguro garantia judicial que se presta a garantir o cumprimento de sentença e se equipara, para tal fim, a dinheiro (art. 835, § 2º, do CPC). Ressalva necessária, porém, que essa garantia não tem o condão, per se, de suspender a fase de cumprimento. Inviável o conhecimento do recurso quanto ao que não foi objeto da decisão agravada (incidência de multa e arbitramento de honorários)".

Igual orientação foi adotada nos recentes seguintes julgados do TJ/SP:

"Agravo de Instrumento n. 2138346-38.2016.8.26.0000 / Espécies de Títulos de Crédito

Relator(a): César Peixoto; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 27/09/2016; Data de registro: 27/09/2016; Ementa: Agravo de instrumento. Decisão interlocutória que rejeitou a garantia oferecida ao cumprimento da obrigação, deferindo o arresto eletrônico dos ativos financeiros do devedor. Legitimidade do recaimento da penhora sobre o seguro garantia ofertado pelo executado, art. 848, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Existência de liquidez. Caráter relativo da ordem de gradação do art. 835 do Código de Processo Civil. Recurso provido".

"Agravo de Instrumento 2096658-96.2016.8.26.0000/Duplicata

Relator(a): Irineu Fava; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 05/10/2016; Data de registro: 13/10/2016; Agravo de instrumento. Execução - Títulos extrajudiciais. Decisão que dentre outras providências indefere o oferecimento de seguro garantia judicial. Garantia que não afronta a ordem de preferência do artigo 835 do CPC. Equiparação a dinheiro na forma de seu parágrafo 2º - Medida que atende aos princípios da menor onerosidade da execução além da celeridade e economia processuais. Inexistência de dano concreto a credor. Recurso provido para aceitar a garantia".

Longe de questionar a importância da penhora de dinheiro e sua plena e direta relação com a efetividade da execução, as posições acima apenas denotam a necessidade de uma leitura conjunta dos artigos 805, 829, parágrafo segundo, e 835 do CPC/15, de modo que uma execução equilibrada e efetiva também pode ser viabilizada, em determinados casos, com a real cooperação do devedor e com a demonstração de que outros bens podem ser constritos no lugar do dinheiro; desde que tais bens, verdadeiramente, sejam suficientes e aptos a garantir o regular pagamento do que for devido ao credor.

__________

1 Execução por Quantia Certa. Sociedade de Economia Mista. Dersa. Penhora de Dinheiro de Pedágio. Admissibilidade. Agravo Improvido: "1) A efetividade do processo de execução prestigia a opção pelo caminho mais curto, que é a penhora de dinheiro, sem ofensa ao princípio da menor onerosidade (CPC, art. 620) pois a menor onerosidade deve ser escolhida apenas entre as opções de idêntica efetividade... 3) Penhora de dinheiro arrecadado em pedágio é admissível, impondo-se como a primeira opção CPC, art. 655, I)".

2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1191.

3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1177.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).