CPC na prática

O ônus da dialeticidade e a jurisprudência defensiva

O ônus da dialeticidade e a jurisprudência defensiva.

1/3/2018

Rogerio Mollica

O novo Código de Processo Civil procurou desmontar a maioria das barreiras impostas ao conhecimento dos recursos. Está claro que o novo Código buscou eliminar a jurisprudência defensiva dos Tribunais. Sob a égide do novo ordenamento se procura que eventuais vícios sejam sanados para que os recursos sejam conhecidos e julgados.

Desde logo a doutrina anteviu a existência da armadilha da necessidade da comprovação prévia do feriado local, sendo que tal tema já foi objeto de estudos nessa coluna, em texto de minha autoria publicado em 06 de julho de 2017.

Quando se fala em limitação à Jurisprudência Defensiva dos Tribunais, logo é citado o parágrafo único do artigo 932 que prevê: "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível".

Entretanto, nesse mesmo importante artigo 932 em que temos os "poderes-deveres" dos relatores encontramos o inciso III que prevê incumbir ao relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida".

A previsão quanto ao não conhecimento de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida vem sendo exacerbada a ponto de ser tida como uma nova Jurisprudência Defensiva criada por nossos Tribunais para não conhecer de uma grande quantidade de recursos1.

Por outro lado, não se pode falar que seria uma novidade em nosso ordenamento, eis que somente generaliza a previsão da súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada".

Poder-se-ia até entender que seria a moeda reversa da previsão do artigo 1.021, § 3º que prevê que "É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno".

De fato, com as facilidades do computador e do uso do "recorta e cola" em textos, é comum que um agravo interno seja praticamente igual ao recurso que foi julgado monocraticamente2. A simples reprodução deve ser evitada, pois pode acarretar o não conhecimento do recurso.

O Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente exigindo a impugnação específica a todos os fundamentos da decisão impugnada como um dos requisitos para a admissão dos recursos, sendo que a falta de tal fundamentação não pode ser suprida posteriormente:

"PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRINCIPIO DA DIALETICIDADE. ART. 932, III, DO CPC DE 2.015. INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO GENÉRICA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Consoante os princípios da fungibilidade e da economia processual, e tendo em vista que o pedido de reconsideração não consta do rol de recursos do art. 994 do NCPC, é possível o recebimento pedido de reconsideração como agravo interno (RCD no AREsp 886.650/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/5/2016, DJe 25/5/2016).

2. À luz do princípio da dialeticidade, que norteia os recursos, compete à parte agravante, sob pena de não conhecimento do agravo em recurso especial, infirmar especificamente os fundamentos adotados pelo Tribunal de origem para negar seguimento ao reclamo.

3. O agravo que objetiva conferir trânsito ao recurso especial obstado na origem reclama, como requisito objetivo de admissibilidade, a impugnação específica aos fundamentos utilizados para a negativa de seguimento do apelo extremo, consoante expressa previsão contida no art. 932, III, do CPC de 2.015 e art. 253, I, do RISTJ, ônus da qual não se desincumbiu a parte insurgente, sendo insuficiente alegações genéricas de não aplicabilidade do óbice invocado.

4. Esta Corte, ao interpretar o previsto no art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 (o qual traz disposição similar ao § 3º do art.

1.029 do do mesmo Código de Ritos), firmou o entendimento de que este dispositivo só se aplica para os casos de regularização de vício estritamente formal, não se prestando para complementar a fundamentação de recurso já interposto.

5. Agravo interno não provido.

(RCD no AREsp 1166221/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017)

Que se faz necessário o ataque aos fundamentos da decisão atacada não há dúvidas, o que não pode ocorrer é a exacerbação de tal previsão a ponto de inviabilizar o conhecimento dos recursos. Sendo assim, cabe aos advogados ficarem atentos a essa nova barreira processual e, na medida do possível, atacarem todos os fundamentos da decisão recorrida, para que o recurso possa ser conhecido e julgado.

__________

1 Nesse sentido Dierle Nunes e Antônio Aurélio de Souza Viana advertem "para a  literatura jurídica do risco do ônus da dialeticidade se tornar um novo foco para uma "pseudo-sofisticada" forma de jurisprudência defensiva e para a advocacia da impossibilidade de se reproduzir peças recursais sem indicar os fundamentos da decisão impugnada que se busca atacar com a apresentação e as razões de impugnação, de modo a seguir os comando indicados na decisão supra transcrita. Toda reprodução mecânica de arrazoados tende a ser penalizada.” (“Ônus da dialeticidade: nova "jurisprudência defensiva" no STJ?", texto publicado no site Migalhas de 15/5/2017).

2 incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação e isso é indesejável. O recurso tem de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato e de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada. (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, artigo por artigo, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.470).

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).