CPC na prática

A ampliação da impenhorabilidade prevista no artigo 833, X, do CPC para outras aplicações, que não em caderneta de poupança

A ampliação da impenhorabilidade prevista no artigo 833, X, do CPC para outras aplicações, que não em caderneta de poupança.

15/4/2021

A crise do processo civil pode ser bastante evidenciada na dificuldade em se conseguir localizar bens dos devedores. Muitas vezes se consegue o provimento jurisdicional, mas não se consegue o seu cumprimento pela ausência de bens. Desse modo, as impenhorabilidades constantes do artigo 833 do Código de Processo Civil ganham grande destaque.

Por exemplo, na coluna de 16 de maio de 2019 foi exposto o entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem ampliando outra previsão, a do inciso X, do artigo 833 do CPC, que prevê a impenhorabilidade da "quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos".

Na verdade, nunca se entendeu a diferenciação pretendida pelo legislador, eis que se o valor estivesse na caderneta de poupança não poderia ser penhorado e se estivesse em outra aplicação, mesmo das mais conservadoras, seria penhorado. Esse seria um benefício para compensar a baixíssima remuneração da caderneta de poupança frente às outras possibilidades de investimento?

Quando da promulgação do Código de 1973 até pode se entender melhor essa opção, eis que existiam parcas opções de investimentos e a caderneta de poupança era a mais utilizada. Entretanto, essa não é mais a nossa realidade atual.

Daniel Amorim Assumpção Neves entende que o dispositivo legal "cria uma estranha e injustificável proteção a uma espécie determinada de investimento financeiro que, se não é o mais lucrativo entre todos os oferecidos no mercado atualmente, não passa de uma forma de fazer render o dinheiro que não está sendo utilizado naquele momento pelo poupador.2

Já o professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Gilson Delgado Miranda entende que "a impenhorabilidade restringe-se a tal espécie de aplicação financeira, não se admitindo, à evidência, interpretação extensiva de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira."3

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a impenhorabilidade deve ser lida de forma ampliada:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. ALCANCE.

1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).

2. "É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente a aplicação em caderneta de poupança, mas, também, a mantida em fundo de investimento, em conta-corrente ou guardada em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude" (AgInt no REsp 1858456/RO, rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2020, DJe 18/06/2020).

3. Agravo interno desprovido.”

(AgInt no REsp 1880586/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 06/04/2021)4

Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a ampliação é vasta, abrangendo não somente outras aplicações financeiras, mas também numerário em conta corrente e guardado em papel-moeda.

Por fim, cumpre recordar que por mais que tal ampliação pareça atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger a pequena economia do poupador, acaba por dificultar e muito os bloqueios on-line de numerário, já que não são muitos devedores que possuem em conta corrente e em aplicações financeiras valor superior a R$ 40 mil, complicando ainda mais o tortuoso caminho do credor na busca da satisfação de seu crédito.

__________

1 Disponível aqui.

2 Comentários ao Código de Processo Civil – vol. XVII (arts. 824 a 875): Da Execução por quantia certa, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 176.

3 Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, v. 3, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 650.

4 Existem julgados no mesmo sentido da 2ª Turma (REsp 1710162/RS), 3ª Turma (AgInt no REsp 1886463/RS) e 4ª Turma (AgInt no AREsp 1717962/SP). Na vigência do CPC/73 o Superior Tribunal de Justiça também possui julgados com a aplicação extensiva (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 19/12/2014).

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).