CPC na prática

O pagamento administrativo do débito antes da citação na execução fiscal e a condenação em honorários advocatícios

O pagamento administrativo do débito antes da citação na execução fiscal e a condenação em honorários advocatícios.

28/10/2021

Tema bastante controvertido é a condenação do Executado em Honorários Advocatícios no caso em que o débito é pago antes da citação na Execução Fiscal. Temos corrente que defende que nesse caso seriam devidos os honorários advocatícios eis que o devedor deu causa ao ajuizamento da Execução Fiscal, por não ter pago o débito antes do ajuizamento. De outro lado, temos os defensores de que antes da citação não se aperfeiçoa a triangulação da demanda, não sendo possível tal condenação.

A discussão mostra-se importante, eis que praticamente 40% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. Se o tema não impacta as Execuções Fiscais que já incluem a cobrança automática do Encargo Legal, como as Federais1, ganha importância nas Execuções Fiscais promovidas por alguns Estados e por milhares de Municípios.

E como não poderia deixar de ser, o tema mostra-se controvertido em nossa jurisprudência, eis que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que caberia o pagamento dos honorários, sendo que a 2ª Turma entende de forma diametralmente oposta, conforme se depreende dos seguintes recentes acórdãos:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. QUITAÇÃO DO DÉBITO, NA VIA ADMINISTRATIVA, APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, MAS ANTERIOR À CITAÇÃO DO EXECUTADO. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE/PE A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. Na origem, trata-se de Execução Fiscal objetivando a cobrança de débitos tributários municipais, integralmente quitados na esfera administrativa após o ajuizamento da demanda, mas antes da citação do devedor. Após requerimento da própria exequente, o feito foi extinto, nos termos do art. 924, inc. II, c/c o art. 925, ambos do CPC/2015, sem arbitramento de honorários advocatícios, sob o fundamento de que a aplicação da regra da causalidade demandaria a citação válida, o que foi mantido pelo Tribunal Estadual.  2. São devidos honorários advocatícios ao ente público, nos casos em que a execução fiscal tenha sido extinta em decorrência do pagamento extrajudicial do crédito tributário, ainda que efetuado antes da citação do contribuinte.

3. Isso, porque o pagamento extrajudicial do débito fiscal equivale ao reconhecimento da dívida executada e do pedido da execução, e, em homenagem ao princípio da causalidade, leva o executado a arcar com o adimplemento integral dos honorários advocatícios, por ter dado causa ao ajuizamento da ação, consoante previsto nos arts. 85, §§1°, 2° e 10 c/c art. 90 do CPC/2015.  4. Desta feita, ainda que ausente a triangulação da relação jurídica, o simples ajuizamento da execução implicou despesas para a Fazenda exequente, que provocou o Judiciário para cobrança de valores a ela devidos, após a lavratura do auto de infração por conta do inadimplemento do contribuinte. Logo, a Fazenda exequente não pode ser prejudicada pelo exercício de um direito legítimo, qual seja, a propositura da execução fiscal para cobrança de débito fiscal líquido e certo, sendo impositiva a aplicação do ônus de sucumbência ao executado que confessou, reconheceu e pagou o débito.

Precedentes: AgInt no REsp 1.927.753/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/6/2021, DJe 1º/7/2021; AgInt no AgInt no REsp 1.425.138/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/8/2019, DJe 16/8/2019; AgInt no REsp 1.848.573/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 1º/6/2020, DJe 5/6/2020.  5. Recurso Especial do  MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE/PE provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que proceda ao arbitramento dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85 do CPC/2015."

(REsp 1931060/PE, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF5), PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 23/09/2021)

"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGOS 85, §1º, 312 E 318 DO CPC.RECURSO ESPECIAL. PAGAMENTO EM MOMENTO POSTERIOR AO AJUIZAMENTO E ANTERIOR À CITAÇÃO. NÃO CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA PARTE EXECUTADA EM HONORÁRIOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. O Município de Jaboatão dos Guararapes - PE pretende a condenação da parte executada em honorários em decorrência do pagamento do débito em momento posterior ao ajuizamento e anterior à citação, por aplicação dos §§ 1º e 10 do art. 85 do CPC.

2. Existência de precedentes antagônicos desta Segunda Turma acerca do tema em discussão. Necessidade de uniformização. Precedentes do STJ.

3 A interpretação dos parágrafos deve ser lida em consonância com o caput do art. 85, juntamente com os arts. 312 e 318, todos do CPC.

4. De acordo com a doutrina de Frederico Augusto Leopoldino Koehler, a condenação em honorários deve observar o princípio da causalidade em complementariedade ao princípio da sucumbência (Comentários ao art. 85. In: ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão. (Coords.) Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 155).

5. O art. 85, § 1º, do CPC, ao afirmar que os honorários são devidos para a execução resistida ou não resistida, quer dizer, em verdade - e conforme se depreende da leitura do caput do mesmo dispositivo -, que, quando existe a formação da relação jurídica processual entre exequente e executado, independentemente de apresentação de defesa em autor próprios ou apartados, existe a incidência honorários advocatícios.

6. Não cabimento de condenação em honorários da parte executada para pagamento do débito executado em momento posterior ao ajuizamento e anterior à citação, em decorrência da leitura complementar dos princípios da sucumbência e da causalidade, e porque antes da citação não houve a triangularização da demanda.

7. Evidentemente, a causalidade impede também que a Fazenda Pública seja condenada em honorários pelo pagamento anterior à citação e após o ajuizamento, uma vez que, no momento da propositura da demanda, o débito inscrito estava ativo. Nesse caso, portanto, tem-se uma hipótese de ausência de responsabilidade pelo pagamento de honorários.

8. Registre-se, por fim, tratar o caso concreto de execução fiscal ajuizada pela Fazenda Pública Municipal, na qual não há previsão de encargos da dívida ativa de forma automática, hipótese diversa da Fazenda Pública Federal, em que o art. 1º do Decreto-lei 1025/69 prevê a cobrança de 20% (vinte por cento) sobre o valor do crédito, montante esse que substitui a condenação em honorários de sucumbência.

9. Recurso especial a que se nega provimento."

(REsp 1927469/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 13/09/2021)

O primeiro acordão se baseia no princípio da causalidade para demonstrar que o devedor, por não ter efetuado a tempo o pagamento da exação, ensejou o ajuizamento da Execução Fiscal. Logo, deve arcar com os honorários advocatícios. Já o acórdão da 2ª Turma entende que, nos termos do artigo 312 do CPC, a propositura da ação só produz efeitos em relação ao réu após a sua citação. Não tendo ocorrido a citação, não pode produzir efeitos e ensejar a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios.

Sendo a Execução Fiscal nada mais que uma Execução de Título Extrajudicial, caso se entenda cabível a condenação em honorários na hipótese em estudo, deve ser aplicada a previsão constante no § 1º do artigo 827 do Código de Processo Civil:

§ 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.

Previsão genérica para todos os processos também é expressa no § 4º do artigo 90 do Código de Processo Civil:

"§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade."

Desse modo, a decisão intermediária de condenar em honorários pela metade do valor parece ser uma decisão equilibrada, pois não deixa de remunerar o Advogado que ajuizou a Execução Fiscal e todo o trabalho que foi despendido, entretanto, não acaba onerando excessivamente o Executado, que pagou espontaneamente o valor cobrado, mesmo antes de ser citado.

Para a pacificação do tema, faz-se necessário que a Primeira Seção ou mesmo a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça examinem e pacifiquem o entendimento sobre a incidência ou não de honorários advocatícios em caso do pagamento administrativo do débito ocorrer antes da citação na Execução Fiscal.

__________

1 Art. 1º do decreto-lei 1025/69.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).