CPC na prática

Ainda sobre a advocacia pública e os honorários sucumbenciais

Professor Rogerio Mollica destaca julgado do STJ que reitera o entendimento de que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do advogado público, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito previsto em precatório.

27/7/2023

Sem dúvidas, o artigo 85 do Código de Processo Civil é um dos que mais sofrem questionamentos em nossas Cortes. Ao tratar de forma pormenorizada sobre os honorários advocatícios tal dispositivo acabou por criar muitas dúvidas nos operadores e decisões judiciais conflitantes.

Dessa vez, não abordaremos o já famoso § 8º e a impossibilidade da redução dos honorários advocatícios para o seu arbitramento por equidade. Tal tese foi objeto do Tema 1.076 do Superior Tribunal de Justiça e mostra de forma cristalina como o sistema de precedentes do CPC/15 é falho e permite que um julgamento repetitivo não seja respeitado.

Outro parágrafo bastante questionado é § 19, que prevê que "os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência na forma da lei".

Em artigo publicado em fevereiro de 2.019 nessa própria coluna1, tive oportunidade de demonstrar a falta de uniformidade no tratamento do tema na doutrina e na jurisprudência.

Nem o julgamento da ADIN 6.053/DF, em 2020, pacificou o tema De fato, o Supremo Tribunal Federal definiu que "1. A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei." 

Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente julgando que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito do precatório devido pelo ente público. Nesse sentido e citando inúmeros outros julgados no mesmo sentido temos o seguinte recente acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO PROCURADOR JUDICIAL. INEXISTÊNCIA. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. O entendimento do Tribunal de origem está em desconformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, "no sentido de que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito previsto no título. Precedentes: REsp 1.668.647/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 20/6/2017; AgInt no AREsp 909941/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma. Julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017" (STJ, AgInt no REsp 1.893.299/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/08/2021).

III. Precedentes: STJ, AgInt no AREsp 1.834.717/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/5/2022; AgInt nos EDcl no REsp 1.907.197/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 2/6/2021; AgInt no REsp 1.718.785/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/10/2020; AgInt no AREsp 909.941/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 31/8/2017; REsp 1.668.647/SP, Rel. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/6/2017; AgRg no AREsp 5.466/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/8/2011. Em situações semelhantes – inclusive do Distrito Federal –, o STJ acolheu a tese do particular: STJ, AgInt no REsp 1.991.336/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 5/10/2022; RCD no REsp 1.861.943/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/10/2021. No mesmo sentido, dentre outras, as seguintes decisões monocráticas: STJ, REsp 2.064.366/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 29/05/2023; REsp 2.055.072/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 23/03/2023.

IV. Agravo interno improvido."

(AgInt no REsp 2.003.127/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. 26.06.2023, publ. 30.6.23)

Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acaba com uma injustiça, pois muitas vezes o particular tinha que se sujeitar a receber o seu crédito pelo moroso sistema do precatório e, em caso de sucumbência recíproca, tinha de pagar de imediato os honorários advocatícios aos Entes Públicos.

Entretanto, a solução de tal injustiça talvez gere outra injustiça com os advogados públicos, que deixam de receber os honorários sobre esse montante compensado com o valor do precatório. Talvez o mais justo seria pensar uma forma de recompensar os Advogados Públicos nesses casos. O § 14, do artigo 85, em boa hora, vedou a compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca e nesse caso parece que é exatamente o que está acontecendo, com a compensação da verba honorária dos advogados públicos com o valor do precatório devido pelo Poder Público.

Resta saber, caso se entenda a questão constitucional, se o Supremo Tribunal Federal chancelará o entendimento de que os "honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade".

Nesse caso, como geralmente acontece, a solução parece não estar nos extremos (os advogados públicos não devem receber os honorários sucumbenciais ou a verba honorária pertence exclusivamente aos procuradores e não se poderia compensar com o crédito a ser recebido via precatório). Caberia assim, à lei, prevista no § 19 tentar compatibilizar as duas posições sem que a solução de uma injustiça crie outra.

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1 Disponível aqui.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).