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Poder e autoridade em tempos de pandemia

Poder e autoridade em tempos de pandemia.

17/2/2021

Aqueles que têm Poder são desprovidos da autoridade necessária às mudanças necessárias ao país.

 

A pandemia é a maior tragédia econômica, social e psicossocial desde a última guerra mundial. Sendo extraordinária, não pode ter tratamento ordinário no que diz respeito às políticas públicas. Os governos providos de responsabilidade têm se esforçado em apresentar soluções mais holísticas que abranjam desequilíbrios conjunturais e estruturais. Vale notar que diante da realidade da pandemia do coronavírus, os policy makers não têm visibilidade temporal para avaliar os efeitos imediatos e mediatos dessa tragédia. Neste sentido, a pandemia se assemelha com a guerra: a destruição vai além do cenário das ruínas e penetra mais profundamente no tecido social e, com efeito, na arena política.

O Brasil permanece, neste contexto, com a sua face e alma de país exótico. Não propriamente pelas especialidades de suas belas características naturais, mas, sobretudo, pelo zelo inconteste na manutenção da desigualdade social e do subdesenvolvimento econômico. A superestrutura política, com efeito, é a representação mais próxima daquilo que é a prática no país, sobretudo pelos que detêm o poder, seja o político, seja o econômico. Na falta de melhor citação filosófica fiquemos com Stanislaw Ponte Preta: "A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento". Noto, de minha parte, que os "alguns" da sentença pontepretana poderiam ser substituídos por "muitos".

Neste ponto, há de se fazer a distinção clara entre os conceitos de "Poder" e "Autoridade". No uso do que desenvolveu Hanna Arendt, o poder (potestas) está relacionado com a pessoalidade de quem o exerce no presente. O sujeito que exerce meramente o poder se caracteriza usualmente pelo autoritarismo e arbitrariedade. Quem tem poder, possui força, mas não necessariamente autoridade (auctoritatis). Já a autoridade está enraizada no passado que ecoa no presente e traz a tradição à contemporaneidade (a educação, a lei, a cultura, etc.). A autoridade se reveste de dignidade. O poderoso tem autoridade concedida pelo outro (o eleitor?) e, muitas vezes, ele usa da coerção (que pode ser econômica) para submeter todos à mesma "verdade", o que é impossível, mas é tentado pelo poderoso. Quem tem autoridade é obedecido sem coerção vez que não tem a autoridade concedida pelo "outro" o que permite que este "outro" mantenha a sua liberdade. Ensinou Arendt em 1961 que "as numerosas oscilações na opinião pública, que há mais de cento e cinquenta anos têm balançado a intervalos regulares de extremo ao outro, de um clima liberal a outro conservador, e de volta para outro mais liberal, tentando em certas ocasiões reafirmar a autoridade e, em outras reafirmar a liberdade, resultaram somente em um maior solapamento de ambas, confundindo os problemas, borrando as linhas distintivas entre autoridade e liberdade e, por fim, destruindo o significado político de ambas".

Feita essa distinção, voltemos à observação da realidade.

A pandemia espalhada pelo mundo e pelo Brasil trouxe muitos males, mas também fez emergir a clara distinção entre os governantes que têm autoridade e aqueles que não tem, muito embora tenham poder disponível. Vimos que mesmo em democracias tidas como consolidadas, como no caso dos EUA, o alcance das arbitrariedades do poderoso de plantão bateu literalmente às portas do congresso nacional. As assustadoras cenas da turba invadindo o Capitólio para a tomada do poder propugnada por Donald Trump é sinal evidente de que o gap entre autoridade e poder vai além das meras aparências da democracia formal. Por aqui, coisa semelhante foi tentada em relação ao STF e o Congresso sob os auspícios ideológicos do poderoso de plantão. Ou não foi?

Poderíamos apontar longa lista de causas que tornam a autoridade (e, portanto, a tradição) cada vez mais corrompida pelo poder. Retenho os argumentos em apenas duas de uma longa lista. Refiro-me à desigualdade concreta e efetiva vigente nas sociedades e, escancaradamente, no Brasil. Em segundo plano, a corrupção, não apenas a pecuniária, mas a dos valores republicanos colapsados na política.

A discussão em torno do "auxílio emergencial" é retrato fiel da inexistência de combate à desigualdade. Não apenas os duzentos reais para os miseráveis retratam a limitação da pretensão governamental (e do Congresso) aos anseios eleitorais de 2022, assim como, as alegações de limitações fiscais se desmoralizam diante das concessões, e.g., de subsídios e benefícios fiscais de toda ordem às classes mais privilegiadas. A título de ilustração, foi revelado que multinacionais de refrigerantes recebem subsídios de R$ 2,0 bilhões em 2020 e 2021, 1/3 do auxílio mensal aos desprovidos nacionais. Apenas um pequeno exemplo do que é a caixa de pandora dos benefícios e subsídios fiscais no Brasil.

Certo é que o governo atual não tem plano algum para reduzir a desigualdade social. Apenas promove a alegação ideológica de que o "mercado" resolve o problema. Sob o manto de falso liberalismo, o ministro da economia prega que "no governo Bolsonaro não haverá aumento de impostos". Ora, de quem e para quem o ministro fala? Pobres pagam a maior parcela dos tributos no Brasil vez que são os tributos indiretos os mais relevantes para o erário e estes são altamente regressivos do ponto de vista da renda. Como se vê o jogo de palavras é apenas um jogo de poder, sem qualquer autoridade ética, moral, política e republicana. Boa fortuna é a dos poderosos de plantão diante do doce silêncio da sociedade e da oposição.

De outro lado, a conquista do poder pelo deputado Arthur Lira e Rodrigo Pacheco é daqueles fatos que demonstram que o Congresso virou as costas para o povo. Do sofrível português dos discursos verificou-se que o jogo eleitoral é endógeno e interno aos partícipes do convescote eleitoral daqueles que se sentam nas cadeiras dos plenários. Ali não se viu nenhuma discussão dos interesses sociais e políticos do país. Em verdade foi um desfile de políticos com bolsos recheados pelas verbas liberadas pelo liberal Paulo Guedes. Isso mesmo: as verbas que adoçaram o voto em Lira e Pacheco. Afora isto o desfile foi de um mau gosto imenso, das roupas ao palavreado.

Há inúmeras análises dando conta da possibilidade de uma reviravolta que faça o país crescer. Pode ser que os números do PIB melhorem. Todavia, no ritmo que vamos a renda nacional dobrará somente em trinta anos e a desigualdade social ensejará disputas eleitorais cada vez mais perigosas dado o populismo vigente e crescente.

O Brasil elege e promove os que têm poder, mas estes são desprovidos da autoridade necessária às mudanças necessárias ao país. A sociedade assiste passiva ao espetáculo. A oposição se tranca em copas para fugir dos processos de corrupção. O preço político deste cenário será alto. Não é a adoção da independência do Banco Central que levará o país à modernidade. Deixemos nossas ilusões às portas do Congresso Nacional.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.