Direito Digit@l

O confronto legal e técnico no caso do vídeo apagado de Bolsonaro e a decisão do ministro Alexandre de Moraes

Na coluna de hoje, Coriolano Camargo traz importantes informações úteis ao STF e a PFR sobre a recuperação de vídeos apagados no Facebook.

8/12/2023

A Procuradoria-Geral da República (PGR) do Brasil demandou que a Meta Platforms, Inc., proprietária do Facebook, fornecesse um vídeo postado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, no qual ele questionava o resultado das eleições de 2022. O vídeo, divulgado dois dias após os eventos de 8 de janeiro em Brasília, foi removido por Bolsonaro posteriormente. A PGR solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um prazo de 48 horas para a entrega do material, sugerindo uma multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. A Meta argumentou que não poderia atender à decisão judicial, pois o vídeo foi excluído pelo usuário antes da ordem e, consequentemente, não estava mais disponível em seus servidores. Além disso, afirmou que não havia obrigação legal ou judicial de preservar o vídeo. 

Este impasse se intensificou com a intervenção do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que exigiu que a Meta entregasse o vídeo. Essa ordem foi uma resposta ao pedido da PGR. A empresa foi novamente intimada a enviar o vídeo ao STF dentro de 48 horas, sob pena de arcar com a penalidade financeira. 

A PGR considera o vídeo essencial para investigar possíveis acusações de incitação ao crime por parte de Bolsonaro, relacionadas aos incidentes de 8 de janeiro. Apesar das determinações de Moraes e do pedido inicial da PGR, feito há 11 meses, a Meta reiterou que o vídeo foi apagado por Bolsonaro e, portanto, não se encontra mais nos seus servidores. A defesa de Bolsonaro alegou que, na ocasião da publicação, ele estava sob efeito de morfina, e a postagem foi um equívoco, já que pretendia inicialmente enviá-la para si mesmo para visualização posterior. 

Incluindo as informações sobre as solicitações da PGR e as respostas da Meta, o caso ressalta a complexidade das questões legais e técnicas relacionadas à preservação e recuperação de conteúdos digitais em plataformas de mídia social. Diante disso, surgem questionamentos: Não seria adequado a Meta esclarecer ao STF sobre os limites de sua capacidade técnica para cumprir ordens judiciais? Seria pertinente a PGR e ao STF consultar especialistas em Computação Forense sobre a viabilidade técnica de recuperar o vídeo? Há a necessidade de nomear um Perito para tal finalidade? 

Recuperação 1 

A possibilidade de recuperar um vídeo excluído da plataforma Facebook (ou Meta) depende de vários fatores, incluindo como e quando o vídeo foi excluído. 

De acordo com as informações disponíveis, o Facebook permite que os usuários recuperem conteúdos excluídos, incluindo vídeos, através de um processo de download de suas informações. Este processo envolve acessar as configurações do perfil no Facebook e solicitar um arquivo com todas as informações relacionadas à conta do usuário, incluindo conteúdos multimídia como vídeos. No entanto, esta recuperação pode ser limitada e não é garantido que conteúdos excluídos há muito tempo estejam disponíveis. 

No caso específico de vídeos ao vivo no Facebook, uma vez que são excluídos do perfil do usuário, eles também são removidos dos servidores do Facebook. Portanto, se um vídeo ao vivo foi excluído pelo usuário, não há possibilidade de recuperá-lo através dos servidores do Facebook. A única opção seria se o usuário tivesse uma cópia local do vídeo em seu dispositivo. 

Portanto, no caso do vídeo excluído pelo ex-presidente Bolsonaro, se ele foi removido do Facebook e não há cópia local disponível, a possibilidade de recuperação pela Meta é bastante limitada. A situação pode ser diferente se o vídeo tiver sido apenas despublicado, mas não excluído permanentemente. 

Recuperação 2 

A possibilidade de recuperar vídeos excluídos do Facebook ou de outras plataformas sociais usando o Internet Archive's Wayback Machine é bastante limitada. O Wayback Machine é conhecido por fazer capturas periódicas de muitos sites da internet, o que pode incluir algumas páginas e conteúdos específicos. No entanto, é importante notar que o Wayback Machine geralmente arquiva páginas web e não especificamente vídeos ou conteúdos de mídia social.

Para recuperar conteúdos de um site específico, o processo envolve a busca no Wayback Machine pelo endereço web desejado e, então, a navegação pelos arquivos salvos para encontrar o conteúdo necessário. Você pode navegar manualmente por cada página arquivada ou usar ferramentas de terceiros para raspar ou recuperar automaticamente o conteúdo do site. No entanto, essas ferramentas são mais adequadas para a recuperação de websites inteiros ou páginas web específicas, não necessariamente vídeos. 

Além disso, uma alternativa é usar um serviço como o Warrick, uma ferramenta que ajuda a reconstruir sites perdidos coletando páginas faltantes de repositórios web como o Internet Archive, Google, Live Search e Yahoo. Este serviço pode ser útil para a recuperação de websites inteiros ou páginas específicas, mas novamente, sua eficácia para recuperar vídeos específicos de plataformas de mídia social é incerta. 

Em resumo, embora o Wayback Machine seja uma ferramenta poderosa para recuperar conteúdos web arquivados, sua utilidade na recuperação de vídeos específicos de mídia social, como os do Facebook, é limitada e não garantida. 

Recuperação 3 

A perícia forense nos servidores do Facebook para recuperar um vídeo apagado é um processo complexo e depende de vários fatores, incluindo a forma como o conteúdo foi excluído e as políticas de privacidade e segurança de dados da plataforma. 

De acordo com informações disponíveis, aproximadamente 25% dos casos forenses envolvem algum tipo de dado baseado na nuvem, e investigadores muitas vezes buscam tanto dados ativos quanto deletados. Entretanto, quando se trata especificamente do Facebook, existem desafios significativos. Primeiro, as ferramentas robustas para capturar e analisar dados do Facebook são limitadas, e segundo, o Facebook oferece proteções significativas de privacidade para dados dos usuários. Mesmo com uma intimação civil, apenas uma quantidade limitada de dados pode ser disponibilizada aos investigadores em uma investigação típica do Facebook. 

Além disso, em um fórum de foco forense, foi discutido que para recuperar mensagens deletadas do Facebook, é necessário ter acesso físico ao dispositivo para adquirir uma imagem completa ou rápida do dispositivo e, em seguida, usar ferramentas forenses móveis para analisar essa imagem com base em palavras-chave ou strings de mensagens deletadas. 

Portanto, a recuperação de um vídeo apagado dos servidores do Facebook, especialmente se ele foi excluído há algum tempo, pode ser muito desafiadora e nem sempre possível, dependendo das circunstâncias e limitações técnicas.

Conclusão  

No universo da alta tecnologia, muitas vezes o que parece impossível pode se tornar realidade devido aos rápidos avanços no campo da Forense Digital. Um exemplo marcante disso foi o salto significativo de cinquenta anos da indústria de recuperação de dados após os atentados do World Trade Center. Esse evento trágico impulsionou o desenvolvimento de tecnologias mais avançadas e eficientes em recuperação de dados, evidenciando a capacidade da tecnologia de evoluir e se adaptar rapidamente diante de desafios complexos. 

Embora a recuperação de dados de plataformas como o Facebook apresente desafios significativos, a história nos mostra que a tecnologia de ponta e inovações e melhorias contínuas são possíveis. 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.