Gramatigalhas

De há muito

Quando usar as expressões "há muito" e "de há muito"? Há a diferença semântica entre ambas? O Professor esclarece.

8/12/2004

O leitor Mário Sampaio, do escritório Pellon & Associados Advocacia Empresarial, envia-nos o seguinte comentário:

"Prezado Professor José Maria da Costa, acompanho assiduamente as migalhas gramaticais, as quais invariavelmente pautam diversos salutares debates no escritório em que advogo. Ocorreu-me a seguinte dúvida, cuja solução clama por sua pena infalível: quando devemos usar as expressões "há muito" e "de há muito"? Há a diferença semântica entre ambas?"

1) O verbo haver, na acepção de tempo passado, às vezes entra na formação de frases adverbiais. Ex.: “O advogado entrou há pouco na sala de audiências”.

2) Em expressões adverbiais dessa natureza, haver não é visto como verbo, mas, sobretudo, como preposição, razão por que se lhe podem antepor de, desde e até, e isso, segundo o magistério de Napoleão Mendes de Almeida, por analogia com outras expressões como de então, desde ontem, até hoje.1

3) São, portanto, corretas, frases como as seguintes:

a) “Guarda integral viço, embora seja uma lei de há três décadas”;

b) “Desde há cinco anos, a ação já podia ter sido proposta”;

c) “Até há três anos, a mencionada lei ainda não vigorava”.

4) Também para Domingos Paschoal Cegalla, de há muito e de há pouco são “expressões da linguagem culta, referentes ao tempo passado”, de integral correção, acrescentando tal autor que, “em vez de muito e pouco, podem-se usar outras expressões de tempo”, como de há cem anos, de há três décadas, de há mil anos. Ex.: “Ouve pela última vez o rir que responde ao teu riso de há dez anos” (Alexandre Herculano).2

5) Vasco Botelho de Amaral, todavia, é do parecer de “que o de superabunda em giros fraseológicos como este”, motivo por que julga “mais correta a supressão daquele de, redigindo antes há muito”.3

6) A posição divergente ao gramático por último citado não muda o entendimento de que são corretas ambas as expressões – “há muito” e “de há muito” – assim como de que não há diferença de sentido entre ambas.
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1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 133.

2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 105-106.

3 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 20.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.