Meio de campo

Do Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE) – A contrapartida social da Sociedade Anônima do Futebol - SAF

Do Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE) – A contrapartida social da Sociedade Anônima do Futebol - SAF.

23/6/2021

No último dia 10/6/2021, o Senado aprovou o PL 5516/209, que institui a Sociedade Anônima do Futebol – SAF e dá outras providências. O texto do PL, que agora irá à votação na Câmara dos Deputados, contém aspectos essenciais para criação de um mercado favorável ao desenvolvimento e modernização do futebol brasileiro, que vão muito além da "simples" criação de um tipo societário específico para os nossos times.

Um deles, de grande relevância social, diz respeito ao Programa de Desenvolvimento Educacional e Social ("PDE"), que está inserido no PL aprovado pelo Senado.

Sobre o PDE, o PL 5.516/2029 determina que as SAFs deverão celebrar convênios com escolas públicas, "em prol do desenvolvimento da educação por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação." (art. 28).

O entrelaçamento entre educação e esporte é a fórmula das grandes potências esportivas mundiais para revelarem sempre novas e ricas safras de atletas de ponta em tantas e diversas modalidades, a cada ciclo olímpico e nas grandes ligas esportivas mundiais.

O Brasil ainda engatinha no que diz respeito ao desenvolvimento de um plano sólido e perene, que nos permita afirmar termos, por aqui, uma política esportiva de verdade. Entidades da sociedade civil que fazem trabalho essencial nesse sentido, como Pacto pelo Esporte e Atletas pelo Brasil, lutam para que seja, enfim, proposto o Plano Nacional do Desporto, que fora determinado no artigo 5º da lei 9.615/98 em sua redação original, e, até hoje, ainda não aconteceu.

Certamente, o Plano Nacional do Desporto, caso pretenda ser efetivo e abrangente, não poderá deixar de considerar a importância da prática esportiva escolar, que deveria ser destinatária, com prioridade, dos recursos públicos voltados ao desenvolvimento esportivo do País, a teor do que determina o artigo 217, II, da Constituição Federal.

Em paralelo à justa reinvindicação pelo Plano Nacional do Desporto, o PDE previsto no PL 5.516/2009, ainda que restrito ao tema do futebol, traz importantes avanços, quando aponta que os investimentos aos quais a SAF se obrigará a partir do convênio podem, em rol exemplificativo, ser destinados: à construção e/ou reforma de campo e/ou quadras esportivas; ao transporte dos alunos para o local dos treinamentos; à alimentação dos alunos durante os treinos; e à aquisição dos equipamentos esportivos.

A par das providências logísticas descritas acima, há dois itens indicados que revelam ainda outros aspectos de grande relevância social.

O primeiro, quando aponta investimentos na capacitação de ex-jogadores profissionais para ministrar atividades junto aos alunos. Capacitar o ex-atleta para que, ao final de sua carreira nos campos, esteja preparado para realizar trabalho que o faça se sentir socialmente relevante e estimulado é um bem que se faz, não só aos ex-jogadores de per si, a que devemos tantos momentos inesquecíveis, mas também, e muito, aos alunos que poderão receber ensinamentos valiosos que só aqueles que viveram anos dentro das quatro linhas podem transmitir.

O segundo, na contratação de profissionais chamados de “auxiliares”, exemplificados no PL como sendo: os preparadores físicos, nutricionistas e psicólogos, mas que podem ainda contemplar uma gama maior de profissionais do esporte, tais como: fisiologistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outros, aumentando o campo de trabalho em favor dos profissionais e, ainda, conferindo aos alunos da rede pública a oportunidade de receber assistência e conhecimentos fundamentais para sua formação, seja como atleta, seja em qualquer outro ramo de atividade.

Como está no artigo 28, §2º do PL, condicionar a participação nas atividades de treinamento à assiduidade escolar é premissa fundamental.

Muitos alunos ficarão mais estimulados a treinar futebol sabendo que a escola pública onde está matriculado mantém convênio com um time que se dedica à prática profissional. Afinal, diz a música, “quem não sonhou em ser um jogador de futebol?” Esse estímulo, porém, deve servir para garantir a presença do aluno em sala de aula. O trabalho na formação de atletas aponta que, de uma gama de milhares de jovens que ingressam na base da pirâmide, menos de dez se tornam atletas de ponta. Aos demais, restará garantida, graças ao estímulo esportivo, a formação cidadã e capacitação para o mercado de trabalho.

A inclusão das meninas com as mesmas oportunidades dos rapazes, prevista no mesmo artigo 28, § 3º, também é tema que o PL fez muito bem em observar.

O artigo 29 prevê as obrigações fundamentais das SAFs que, por força do convênio previsto no PDE, venham a alojar atletas em formação. A responsabilidade pelas boas condições de alojamento é ponto inegociável e inafastável. Também é muito importante proporcionar ao jovem atleta em formação alojado o convívio familiar, a assistência de monitor, o acesso a atividades culturais e de lazer, assim como a assistência religiosa aos que desejarem, de acordo com suas crenças.

Desde sua redação primeira, o texto que redundou no PL 5.516/2019 enxergou na formulação de convênio escola-futebol contrapartida social das SAFs, especialmente em face dos regimes tributários especiais que foram incluídos no texto, como forma de evitar que a nova realidade tributária fosse fator a impedir a evolução do futebol brasileiro, desestimulando, quando não proibindo, os times de adotarem a nova forma de organização societária para além do obsoleto modelo das associações.

Atrelar esporte e educação, como faz o PL 5.516/2029, é um jogo de “ganha-ganha” para o Brasil. Ganha a sociedade, quando as crianças são estimuladas a frequentarem a escola, com assiduidade, motivadas pela possibilidade que as escolas públicas passarão a oferecer de treinarem futebol em programas coordenados pelos times que disputam os campeonatos profissionais, traduzindo-se, também, em formação esportiva para os jovens. Também ganham os times, que poderão aumentar a gama de observação de talentos para formação de novos atletas em locais próximos à sua sede, mas também do aprimoramento dos profissionais das áreas de educação física, psicologia do esporte, nutrição do esporte e assistência social.

Esporte e educação, juntos, podem fazer o Brasil melhorar seu desempenho esportivo. E podem muito mais do que isso. Porque a junção de esporte e educação, já foi provado, reflete na formação de cidadãos mais bem adaptados à vida em sociedade, com menos incidência de problemas de saúde, mitiga as questões de segurança pública e cria uma gama maior de pessoas estimuladas a receberem mais conhecimento e formação que poderá ser decisiva no mercado de trabalho futuro.

Enfim, na conta matemática simples e essencial: esporte + educação = um Brasil melhor no futuro. Ao aprovar o PL 5.515/2019, agora é a Câmara dos Deputados quem poderá fazer esse golaço para o Brasil!

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.