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Nova "Carta aos Brasileiros" demonstra a importância histórica do academicismo para a democracia e para a legalidade

A publicação da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!" pelo corpo docente da Faculdade de Direito da USP tem atraído grande comoção social nos últimos dias.

1/8/2022

A publicação da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!" pelo corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo tem atraído grande comoção social nos últimos dias. Contando com a adesão virtual de mais de meio milhão de pessoas – incluindo notáveis, juristas, ministros e presidenciáveis – o manifesto resgata a ferrenha e inspiradora defesa da democracia talhada na primeira Carta aos Brasileiros, elaborada pelo ilustre Goffredo da Silva Telles Jr. no contexto da ditadura civil-militar.

Os contextos dos textos são diferentes, sem dúvida. O Brasil de agosto de 1977 vivia um novo momento de recrudescimento do regime militar representado pelo autoritário Pacote de Abril: outorgado poucos meses antes da leitura da lendária Carta, o conjunto de normas reforçava a imutável força parlamentar da ARENA através da figura dos indicados senadores biônicos. O Brasil de julho de 2022, por sua vez, não vive um cenário de ditadura. Mas é o completo apavoro provocado pela possibilidade de uma tramoia antidemocrática que tornou inevitável a elaboração de uma nova Carta. Os traumas de 1964 a 1985 não ficaram para trás com o tempo. "Ditadura e tortura pertencem ao passado", afirma a nova declaração.

Os temas tratados pelos textos – apesar de tangentes – também não são os mesmos. Em seu ensaio, mestre Goffredo clamava pela volta de um Estado Democrático de Direito suprimido há mais de uma década, pela volta do respeito aos direitos civis e pela volta da legitimidade fundamental às normas positivas. Por outro lado, o recente manifesto reflete o nublado contexto do qual se origina: ele fala da manutenção da ordem democrática, da manutenção do pacto constitucional, da manutenção da lisura do processo eleitoral. Ele menciona e reafirma a confiança popular no sistema eletrônico e na justiça eleitoral – há algum tema mais politicamente atual do que este? Quando brada sua preocupação com as recentes instabilidades democráticas, a nova Carta explicita que seu grande objetivo é que não seja necessário, em ponto algum do futuro próximo, outro texto implorando pela volta da democracia tal qual o de 1977.

Mesmo que seus diferentes focos temáticos traduzam os contextos consideravelmente diferentes dos quais se originam, as cartas personificam papéis fundamentais da academia jurídica: a vigília e o alicerçamento teórico do Estado Democrático de Direito. De nada adiantaria a extensa produção de textos e artigos inerente ao desenvolvimento do saber jurídico se, às portas da deslegitimação constitucional, a resposta fosse o silêncio e a apatia.

Os manifestos mostram que o clamor pela legalidade normativa é, sim, um elemento digno de amplo apoio popular e de considerável valor simbólico à estabilidade democrática nacional. Declarações de amor à democracia forjadas em seio jurídico, mas fundamentadas nos anseios de uma nação preocupada, as Cartas juntam ao prestígio do academicismo o timbre do apoio popular. Quem as escreveu foi a elite intelectual brasileira, mas quem as abraça é o povo.

É justamente esse levantar de vozes conjunto e multipolar que já torna notável a nova Carta aos Brasileiros, tal qual também tornou a anterior. Elas demonstraram, cada uma do seu jeito, cada uma em sua época, o saber jurídico como uma luz à sociedade em tempos de incerteza democrática e legal.         

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Colunista

Gabriel Rodrigues Teixeira É estudante de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e foi Visiting Student na UC Berkeley. Coordena a coluna semanal e as redes sociais do Migalhas Para Estudantes. Siga no Instagram: @migalhaestudantes"