Previdencialhas

O salário maternidade após a decisão do STF no RE 576.967 – além do Direito Tributário

O salário maternidade após a decisão do STF no RE 576.967 – além do Direito Tributário.

10/8/2020

Como amplamente noticiado – e festejado – nos sítios eletrônicos nacionais, o STF, por maioria, deliberou que "É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade". Em surpreendente reviravolta do tema, superando jurisprudência tranquila do STJ, consolida-se mais uma rubrica excluída do salário-de-contribuição.

Naturalmente, a perspectiva é que o tema ainda demande tempo para sua estabilização, pois é provável que embargos variados tomem lugar, além de temas correlatos ainda em aberto. Por exemplo, a decisão não trata da inexigibilidade das contribuições ao Sistema S, as quais não podem ser qualificadas como "previdenciárias" (a própria demanda judicial originária é limitada a contribuições previdenciárias, somente). Muito embora as bases de incidência, tanto do ponto de vista histórico como normativo, sejam iguais, divergências jurisprudenciais sobre a matéria são, infelizmente, comuns.

De toda forma, gostaria de ir além do debate tributário, já sobejamente explicitado em artigos variados. Um ponto original e extremamente importante foi o ineditismo do STF em delinear os efeitos de sua decisão no plano de benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Com triste regularidade, Tribunais deliberam sobre contribuições previdenciárias com o olhar exclusivo do direito tributário, olvidando os potenciais reflexos negativos na cobertura previdenciária. O aviso prévio indenizado é exemplo clássico.

No RE 576.967 a realidade foi outra. O ministro Luís Roberto Barroso, de forma cristalina, tomou o cuidado de abordar esse aspecto necessário em qualquer debate relacionado ao custeio previdenciário, ao dispor que:

"66. Afirmo, ainda, que o tempo de afastamento da mulher no período da licença maternidade não pode ser deduzido da contagem do seu tempo para fins de cômputo para a aposentadoria. Essa observação, mais que pertinente, serve para, de fato, efetivar o princípio da isonomia sobre o qual fundamento o presente voto. Ressalta-se que se trata de benefício previdenciário e, assim, o período de afastamento em que se recebe o benefício deve ser computado como tempo de contribuição, do mesmo modo como ocorre no auxílio doença acidentário (art. 29, §5º, da lei 8.213/91). Uma eventual dedução dos períodos de afastamento por licença maternidade, além de atingir frontalmente o núcleo do direito fundamental aqui debatido, de modo a, mais uma vez, colocar a mulher em situação de desvantagem por questões estritamente biológicas, consistiria em verdadeira intervenção inadequada do Estado na autonomia da vontade da mulher e na unidade familiar, sendo certo que serviria como desestímulo à opção pela gestação, posto que, a cada gravidez, a profissional teria que permanecer quatro meses a mais no mercado de trabalho para alcançar a aposentadoria.

67. Ao contrário do que pretende fazer crer a recorrida, a solidariedade do sistema previdenciário brasileiro impõe que nenhum indivíduo seja onerado em razão de circunstância ou fato da vida que lhe seja privativo por motivo biológico. Até o momento, somente indivíduos dotados de aparelho reprodutor feminino são capazes de engravidar, gerar novos indivíduos, cidadãos e contribuintes. E não é sobre a contratação das mulheres, sobre seu acesso ao mercado de trabalho ou seu tempo para fins de aposentadoria, que deve recair qualquer ônus advindo da gravidez, que possui a mais relevante função social e cujos encargos tributários e previdenciários devem ser repartidos por toda a sociedade."

É relevantíssima e legítima a preocupação com a cobertura previdenciária das seguradas do RGPS. Não faria sentido o reconhecimento da não-incidência previdenciária, a pretexto de amparar a mulher no mercado de trabalho, para, ao mesmo tempo, gerar redução da cobertura previdenciária. Mais do que um simples obter dictum, a previsão supracitada é parte integral e necessária do decisório, antecipando problema que seguramente ocorreria nas instâncias administrativas.

Tendo em vista o explícito propósito de não mitigar direitos das seguradas do RGPS, não é de difícil conclusão que o tempo de afastamento contará tanto como tempo de contribuição como para fins de carência, em atendimento aos preceitos constitucionais reconhecidos no decisório. Oxalá, em futuros julgados sobre contribuições previdenciárias, o importante exemplo do RE 576.967 seja seguido, expondo a relação previdenciária na sua totalidade, e não desmembrada exclusivamente no liame fiscal, sem perquirir os reflexos necessários nos benefícios futuros.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.