Previdencialhas

Irresponsabilidade fiscal e previdência social - A aposentadoria especial dos agentes de saúde

Fábio Zambitte Ibrahim critica o PLP 185/24 por criar aposentadoria especial sem custeio, contrariar regras previdenciárias e gerar privilégios, defendendo sua rejeição pela Câmara.

1/12/2025

Tomo a liberdade de iniciar a coluna com um dos dispositivos mais desrespeitados da CF/88: o art. 195, § 5º (“Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”). Lá previsto desde as origens do texto constitucional, é simplesmente ignorado na maioria das discussões previdenciárias.

O feito se repete na recente aprovação, pelo Senado Federal, do PLP 185/24, o qual, a pretexto de disciplinar a EC 120/22, acaba por criar benefício sem fonte de custeio. Na verdade, o enredo é ainda pior, pois a medida legislativa contraria diretrizes já consolidadas no sistema previdenciário brasileiro.

Para melhor contextualizar a insensatez da medida, importa notar que a EC 120/22, ao dispor sobre o tema da remuneração dos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, inclui uma previsão absolutamente desnecessária, ao prever que os referidos agentes “terão também, em razão dos riscos inerentes às funções desempenhadas, aposentadoria especial” (art. 198, § 10, CF/88).

Desnecessária, pois a legislação previdenciária brasileira, desde 1960, assegura aposentadoria especial a segurados com exposição a agentes nocivos, dentro ou fora da área de saúde. Apesar de supérflua, a norma acabou por subsidiar a surreal compreensão de que tais agentes teriam direito a uma nova modalidade de aposentadoria especial, em franco favorecimento frente a todos os demais segurados do RGPS em atividades insalubres.

O PLP 185/24 cria regra autônoma, restrita a esta classe de trabalhadores, em franca contradição com as regras gerais de aposentadoria especial fixadas pela EC 103/19. E sem qualquer menção às fontes de custeio! Ou seja, viola-se não somente a necessidade de prévio financiamento, mas a isonomia com as demais classes em atividades insalubres e, ainda, as premissas normativas adotadas pelo próprio Congresso Nacional na aprovação da EC 103/19.

Como se não bastasse o conjunto de temeridades normativas, o projeto aprovado ainda afirma que não se aplica à referida aposentadoria “as normas relativas à comprovação de efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes” (art. 2º, § 1º). Em outro ponto de surreal inadequação normativa, o projeto consegue a façanha de contrariar todo a evolução da matéria desde o advento da lei 9.032/95, quando se extinguiu o enquadramento especial por categoria profissional em favor da efetiva comprovação de exposição permanente a agentes nocivos. 

Falando em contradições, o projeto ainda assegura a aposentadoria especial com paridade e integralidade, atributos protetivos de regimes previdenciários de servidores públicos que foram afastados desde o advento da EC 41/03. Um festival de temeridades, ilegalidades e inconstitucionalidades aprovadas por unanimidade (57 a zero). 

Nos resta, agora, esperar que a Câmara dos Deputados tenha algum zelo na apreciação da matéria e, mediante rejeição da medida, seja o PLP 185/24 encaminhado ao destino adequado: os arquivos do Congresso Nacional.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social. (fabiozambitte.com.br)