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Provedor não deve ser responsável por conteúdo de terceiros

O que se justifica pelo fato de esse provedor não ter controle sobre o conteúdo que veicula, uma vez que é criado pelos próprios usuários.

30/5/2014

Após longa discussão no Congresso Nacional, o marco civil da internet foi finalmente sancionado em 23 de abril de 2014 e tornou-se a lei 12.965/14, que estabelece princípios, valores, direitos e responsabilidades sobre o uso da rede em nosso país.

Um dos aspectos mais polêmicos durante o trâmite do projeto do marco civil da internet no Legislativo foi a responsabilidade dos provedores por conteúdo de terceiros. A lei sancionada é clara ao estabelecer que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, o que se justifica pelo fato de esse provedor não ter controle sobre o conteúdo que veicula, uma vez que é criado pelos próprios usuários.

No que diz respeito ao provedor de aplicações de internet, a lei sancionada estabelece que este somente será responsabilizado civilmente por conteúdo gerado por terceiros, se não retirá-lo após determinação judicial. Essa norma tem por intuito assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. Com isso, põe-se um ponto final à discussão sobre se o provedor de aplicações de internet poderia ser considerado responsável se não retirasse o conteúdo após o recebimento de notificação para que o fizesse.

Se o provedor de aplicações tiver informações de contato do usuário responsável pelo conteúdo que foi retirado por determinação judicial, cabe ao provedor comunicar-lhe os motivos da retirada, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo se houver previsão legal ou determinação judicial em contrário. Se solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo removido, o provedor de aplicações substituirá o conteúdo pela motivação ou ordem judicial que fundamentou a sua remoção.

Há apenas uma hipótese que não depende de ordem judicial para a responsabilização do provedor de aplicações: aquela envolvendo divulgação de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, sem autorização de seus participantes, quando, após o recebimento de notificação enviada pelo participante ou seu representante legal, o provedor não tornar esse conteúdo indisponível no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço.

O marco civil da internet também estabelece que nas infrações a direitos de autor e conexos, não se aplica a regra da não responsabilidade do provedor de aplicações, pois essas hipóteses dependem de previsão legal específica que respeite a liberdade de expressão e demais garantias constitucionais. Até que a lei entre em vigor (o que ocorrerá após decorridos 60 dias de sua publicação), as infrações a direitos de autor e conexos continuarão a ser regidas pela legislação autoral brasileira.

Durante a tramitação do projeto de lei do marco civil da internet, algumas opiniões contrárias à não responsabilidade dos provedores por conteúdo de terceiros foram divulgadas nos meios de comunicação, alardeando propositadamente uma "política do medo" como justificativa para se legislar restritivamente na internet. A lógica dessa argumentação era bastante simples: como é difícil encontrar o autor do conteúdo, responsabiliza-se o provedor.

Se esse argumento tivesse prevalecido, princípios muito caros à nossa sociedade teriam sido comprometidos, especialmente a liberdade de expressão e o direito à informação plural, que constituem a base de uma sociedade verdadeiramente democrática. Estabelecer obstáculos aos serviços prestados pelos provedores na divulgação de conteúdo sem uma ordem judicial específica seria penalizar a liberdade de expressão e instituir a censura, que foi expressamente expurgada de nosso país pela Constituição de 1988.

O exercício da cidadania só é possível com indivíduos que atuem no espaço público de forma livre e responsável. Ao lado da liberdade de expressão, há outros direitos fundamentais que devem ser respeitados na divulgação de conteúdo pela internet, mas a ponderação desses direitos deve ser feita pelo Judiciário, como bem determina o marco civil da internet, e não por mecanismos privados que estabeleçam a responsabilidade a priori dos provedores. Caso contrário, teríamos ficado sujeitos a "varreduras" de conteúdo por meio de notificações arbitrárias, sem fundamento legal, o que teria sido extremamente prejudicial para toda a sociedade.

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* Guilherme Carboni é autor do livro "Função Social do Direito de Autor" e advogado do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados.

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