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Programa emergencial de manutenção do emprego e da renda é alvo de ações diretas de inconstitucionalidade

É certo que mesmo em tempo da pandemia a força do direito há de ser preservada, sob pena de romper a paz e harmonia que devem reinar em qualquer sociedade.

16/4/2020

Estamos vivendo um cenário pior do que o de uma guerra, que pode ser interrompida por meio da signatura de um tratado de paz, o que não é possível com a expansão do covid-19 que colocou o mundo de cabeça para baixo, espalhando o medo e angústia a toda população, sem exceção.

É certo que mesmo em tempo da pandemia a força do direito há de ser preservada, sob pena de romper a paz e harmonia que devem reinar em qualquer sociedade.

Contudo, regras e até mesmo princípios de direito hão de ser flexibilizados, privilegiando-se sempre o direito material em prejuízo do seu aspecto formal. E esse direito há de ser interpretado dentro da ordem jurídica global e à luz do princípio maior da razoabilidade. Não é o que vem acontecendo, como veremos a seguir.

O governo federal, acertadamente, editou a MP 927/20 para conferir prioridade ao acordo individual de trabalho sobre o acordo coletivo, enquanto perdurar o estado de calamidade pública. Trata-se de uma medida bastante razoável considerando que em época de isolamento social horizontal não é viável a reunião sindical.

Em seguida o Executivo Federal baixou a MP 936/20 implantando o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Esse programa permite:

(a)   redução da jornada de trabalho e da redução proporcional do salário pelo prazo máximo de 90 dias;

(b)   suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias.

Nos períodos de suspensão e de redução de jornada de trabalho será pago pela União o BEMER calculado em termos percentuais incidentes sobre o valor do seguro-desemprego a que teria direito o empregado. O prazo de redução da jornada, bem como o percentual dessa redução, que pode ser de 25%, 50% e 70%, devem ser acordados entre o empregado e o empregador. A MP 936/20 prevê, ainda, a possibilidade de acordo das partes para complementação salarial que terá natureza indenizatória, para todos os efeitos legais.

Esse programa criativo que buscou a preservação do emprego e da produtividade, ambos indispensáveis para dar combate efetivo à pandemia, vem sendo contrariado por partidos políticos que ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade, atacando as duas MPs retrorreferidas.

Em uma dessas ações o ministro Marco Aurélio, em fundamentada decisão, rejeitou o pedido de liminar.

Contudo, na ADI 6363 aflorada pela Rede de Sustentabilidade desestabilizou-se aquelas medidas provisórias, por força do deferimento da medida cautelar pelo ministro Ricardo Lewandowski que condicionou a validade do acordo de redução da jornada de trabalho e redução salarial firmado entre o empregado e o empregador à concordância do sindicato. Colocou-se uma barreira burocrática desnecessária e de difícil superação nesse período de isolamento social. Pergunta-se, o que de positivo acrescenta o carimbo do sindicato nas novas relações de trabalho acordado pelas partes interessadas?

Com o deferimento dessa medida cautelar criou-se um clima de total insegurança jurídica, comprometendo centenas de acordos individuais firmados, assim como lançou sombras duvidosas acerca das centenas de negociações em andamento com vistas à assinatura de acordos no futuro próximo. Aumentou-se consideravelmente o drama dos empregados e dos patrões que ficaram desnorteados ante a inesperada decisão judicial.

Penso que este não é momento adequado para ficar apegado a dispositivos isolados da Constituição e das normas convencionais da OIT que asseguram certos direitos a empregados, como a irredutibilidade salarial. Pior que a redução salarial é a perda do emprego, quando nada receberá o ex empregado, salvo as verbas rescisórias de praxe que um dia irá se exaurir.

A questão deve ser analisada sob a ótica do direito global. A Constituição, sem dúvida alguma, assegura uma série de direitos ao empregado, mas ela assegura, também, o direito à segurança, o direito à vida, o direito a dignidade humana e o direito ao desenvolvimento de atividade econômica lícita. Condição primeira para assegurar dignidade humana é propiciar condições e empregabilidade, de trabalho, de produtividade. Sem emprego a pessoa terá que viver à custa do Estado que já sustenta 13,5 milhões de miseráveis que, por si só, não conseguiriam comprar pão e leite todos os dias.

Se o empregado perder o seu emprego ele e seus familiares irão engrossar o contingente de miseráveis. E aí, a União, que já extinguiu o fundo PIS/PASEP transferindo seus recursos para o FGTS, não terá como atendê-los, pois os recursos do erário não são inesgotáveis, principalmente na conjuntura atual caracterizada por despesas públicas extraordinárias e queda sensível da arrecadação, por conta a redução de atividades econômicas impostas para conter a propagação do vírus. 

Outros 13.5 milhões de desempregados certamente quebraria o Tesouro Nacional que teria de redirecionar os recursos de outros setores, inclusive, dos da saúde, para a área social, a fim de que os excluídos da sociedade não morram de fome. Falando nisso, o vírus da fome está matando uma pessoa a cada quatro segundos no mundo. Considerando o total de 7,7 bilhões da população mundial chega-se à conclusão de que 28.800 pessoas estão morrendo de forme a cada dia. Por se tratar de mortes seletivas a mídia não tem dado importância, mantendo sepulcral silêncio a respeito. Nem os trabalhos da FAO são divulgados. Mas,o vírus da fome é bem mais terrível que o do covid-19. Só que este ataca a todos indistintamente. Daí a sua divulgação pela mídia.

Não é razoável, data vênia, prender-se às normas trabalhistas que protegem os empregados em tempos normais, principalmente, se essa proteção contribuir para a perda do emprego, levando à situação de desespero do empregado e de seus dependentes. O momento está a exigir união de forças das autoridades dos três Poderes e da sociedade em geral para que juntos possamos vencer essa batalha do covid-19, com o menor custo econômico-social possível.

Esperamos que o Plenário do STF reverta a medida cautelar concedida pelo ministro Ricardo Levandowisck e firme posição pela constitucionalidade formal e material das medidas provisórias guerreadas, permitindo que os legítimos e meritórios  objetivos por elas visados sejam plenamente alcançados, para o benéfico, não só do empregado, como também da sociedade em geral que deve contar com instrumentos normativos eficazes de manutenção da fonte produtiva e consequente manutenção do emprego.   

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*Kiyoshi Harada é sócio fundador da Harada Advogados Associados e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT.

            

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