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Análise da decisão do CONAR sobre o uso da expressão “melhor frango do mundo” pela rede KFC

A análise dos institutos da publicidade no Brasil nos faz chegar a uma outra conclusão sobre o uso da expressão “melhor frango do mundo”.

31/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A imprensa noticiou nesta quarta-feira, dia 25 de março de 2021, que o CONAR (Conselho de Autorregulamentação publicitária) suspendeu por decisão provocada pela Rede Popeye o uso da expressão “melhor frango do mundo”, pela rede KFC. A decisão ainda admite recurso.1

A análise dos institutos da publicidade no Brasil nos faz chegar a uma outra conclusão sobre o uso da expressão “melhor frango do mundo”.

Segundo Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias, a palavra publicidade está ligada ao termo latim publicus, sentido de propagação geral, como levar a todos. Afirma a autora, que a publicidade pode ser definida como meio de divulgação de produtos e serviços com a finalidade de incentivar seu consumo.2

A publicidade, sem sombras de dúvidas exerce um papel extremamente relevante no mercado de consumo atualmente, e em função desse papel, o legislador sentiu a necessidade de regulá-la. No Brasil, a liberdade de realizar uma publicidade encontra amparo Constitucional nos arts. 170, caput e parágrafo único da Constituição, como atividade econômica regulada pela livre iniciativa, art. 170, IV, pela livre concorrência e pelo princípio da liberdade de expressão previsto nos arts. 5º, IX e 220 da CF.3

A proteção constitucional da publicidade pode ser vista à partir da proteção à liberdade de expressão, uma vez que, em certa medida, as peças publicitárias consistem em manifestações criativas do intelecto humano.4

A publicidade assim como outros ramos da atividade humana também está sujeita a controle. A primeira forma de controle é a estatal, em seguida tem-se o controle privado e finalmente encontra-se um controle misto.

O Brasil adotou um sistema misto de controle da publicidade. Tal modalidade de controle possui um órgão autorregulamentador – o CONAR – Conselho Nacional de autorregulamentação publicitária e o Código Brasileiro autorregulamentação publicitária. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária nasceu de uma ameaça ao setor: no final dos anos 70, quando o governo federal pensava em sancionar uma lei criando uma espécie de censura prévia à publicidade. Se a lei fosse implantada, nenhum anúncio poderia ser veiculado sem que antes recebesse um carimbo “De Acordo” ou algo parecido.

Para se evitar a censura prévia à publicidade, criou-se uma ONG encarregada de fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP). Desde então, e até esta data, o Conar já instaurou mais de 7 mil processos éticos e promoveu um sem-número de conciliações entre associados em conflito. “O CONAR atende a denúncias de consumidores, autoridades, dos seus associados ou ainda formuladas pela própria diretoria. Feita a denúncia, o Conselho de Ética do CONAR - o órgão soberano na fiscalização, julgamento e deliberação no que se relaciona à obediência e cumprimento do disposto no Código - se reúne e a julga, garantindo amplo direito de defesa ao acusado. Sua composição divide-se em 3 órgãos – Conselho Superior, Diretoria Executiva e Conselho de Ética. O Conselho Superior é seu órgão normativo, Diretoria Executiva exerce a administração e o Conselho de Ética exerce a fiscalização, julgamento e deliberação sobre as violações ao CBARP.

Se a denúncia tiver procedência, o CONAR recomenda aos veículos de comunicação a suspensão da exibição da peça ou sugere correções à publicidade. Pode ainda, advertir anunciante e agência. O Conselho de Ética está dividido em oito Câmaras, sediadas em São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre e Recife e é formado por 180 conselheiros, entre efetivos e suplentes, recrutados entre profissionais de publicidade de todas as áreas e representantes da sociedade civil. Não participam do Conselho pessoas investidas em cargos públicos por nomeação ou eleições, bem como candidatos a cargo eletivo em qualquer nível.

O uso da expressão “melhor frango do mundo” pelo KFC é uma prática proibida? Em primeiro lugar precisamos definir que tipo de artifício foi esse utilizado pela empresa. Esse artifício é o que a doutrina denomina de puffing. O puffing é o uso do exagero nas publicidades e não é proibido pelo código de Defesa do Consumidor, já que vem sempre carregado de alto grau de subjetividade. Expressões como “o melhor” e “o mais saboroso” não são passíveis de uma comparação objetiva, já que dependem exclusivamente da subjetividade portanto, não são proibidas. O consumidor tem a clara percepção de que aquilo é um exagero de linguagem usado para atrair a atenção para o produto ou serviço. O puffing por lhe faltar precisão e objetividade geralmente não tem força vinculante e não viola o princípio da vinculação da oferta previsto no art. 30 do CDC.

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1 CONAR proíbe KFC de dizer que seu frango é o melhor do  mundo. Disponível aqui. Acesso em 25/03/21.

2 9 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito 3 ed. São Paulo. Saraiva, 2018, p. 26.
3 OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. Belo Horizonte. Editora D'Plácido, 2021. p. 306.
4 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito. p. 44.

Júlio Moraes Oliveira
Mestre em direito pela Universidade FUMEC. Especialista em advocacia civil pela FGV. Membro do Brasilcon. Membro do IBERC. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG. Advogado professor.

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