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O templo da aglomeração

No caso presente, o que se tem é a mais do que óbvia necessidade de preservação do bem jurídico de mais alto relevo constitucional: a vida.

9/4/2021

A liberdade de consciência individual é desdobramento evidente da dignidade humana, haja vista que não há como ter uma vida digna sem que se possa ter consciência livre, o que assegura autonomia para o sujeito desenvolver sua personalidade quanto a elementos religiosos, políticos, filosóficos, morais etc.

Por esse motivo, não é lícito ao Estado a realização de interferências ou imposições de ordem moral ou religiosa contra os cidadãos, sendo certo que a todos é assegurado o direito de livremente escolher aderir e professar uma religião, ou a não aderir a nenhuma, por óbvio.

O atual contexto de pandemia global - associado à necessidade de adoção de medidas de restrição às aglomerações - faz necessária uma cuidadosa análise da extensão do direito à liberdade de reunião em templos religiosos.

É certo que nenhum direito é absoluto, devendo sempre haver a compatibilização dos diferentes direitos para uma existência que vise à maior harmonia possível. No caso presente, o que se tem é a mais do que óbvia necessidade de preservação do bem jurídico de mais alto relevo constitucional: a vida. Sabe-se que há comprovação científica de que as aglomerações conduzem à propagação da pandemia viral, sendo mais do que certo que todo esforço para reduzir as aglomerações vai ao encontro da saúde pública.

Portanto, percebe-se que é falaciosa a tese de que deve ser resguardada a liberdade de reunião em templos religiosos. Isto porque, se é certo que a Constituição protege o direito ao exercício da religião, também protege a saúde pública e a vida (sem a qual sequer existe o culto religioso, é bom lembrar).

Mas não só: há que se atentar que o direito à liberdade religiosa não está sendo inviabilizado, haja vista que os encontros poderão continuar de modo virtual, como, a propósito, o próprio Supremo Tribunal Federal e seu Plenário estão a funcionar. Afirmar que o direito à crença religiosa estaria suspenso pela limitação à reunião presencial é a mesma sandice que afirmar que a jurisdição do Supremo está suspensa porque o Plenário agora não se reúne presencialmente. Trata-se de uma necessária adaptação – de todos – à circunstância em que se vive.

O direito à saúde pública há de prevalecer em relação à pretensão de reunião presencial para fins religiosos, como medida de razoabilidade e bom senso. O individualismo egoístico dos que apenas defendem sua própria liberdade de reunião não pode se sobrepor ao direito à vida dos que preferem esta à religião.

Se, como disse o Advogado-Geral da União, cristãos “estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião”, é bom que se diga que há quem não esteja disposto a morrer para defender a religião - nem para defender um cargo.

Matheus Teixeira da Silva
Advogado, Mestre em Filosofia (PUCRS), Doutorando em Direito (Universidade Autônoma de Lisboa), Especialista em Direito do Estado (UFRGS), Processo Civl e Direito Empresarial. www.matheusteixeira.com

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