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Algumas impressões sobre a lei 14.289/22

Num país em que uma parcela da população vive com doenças crônicas, tais como HIV, hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose, a imposição do sigilo como regra geral a ser obedecida por agentes públicos e privados afigura-se como um avanço na proteção dos direitos à personalidade, especialmente à intimidade, à privacidade e à imagem.

14/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Foi publicada, no dia 04 de janeiro de 2022, a lei 14.289, que “torna obrigatória a preservação do sigilo sobre a condição de pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com tuberculose”.              

A norma promulgada é proveniente do projeto de lei de iniciativa do Senador Randolfe Rodrigues.  

Em sua versão originária, o PLS 380, de 18 de setembro de 2013, versava apenas sobre a preservação do sigilo da condição de portador do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Além disso, buscava ampliar o rol de profissionais obrigados a preservar o sigilo das informações relacionadas ao paciente, alterando, então, a lei 6.259/75.

A proposição tramitou sem emendas no Senado, tendo recebido parecer favorável na Comissão de Assuntos Sociais pela Senadora Ângela Portela, bem como na Comissão de Constituição e Justiça.      

Na Câmara dos Deputados, tramitando como projeto de lei 7.658/14, recebeu uma subemenda substitutiva global e duas emendas de Plenário. A subemenda substitutiva global, apresentada pelo Deputado Alexandre Padilha, expandiu a obrigatoriedade da preservação do sigilo também àquelas pessoas com vírus das hepatites crônicas (HBV e HVC), hanseníase e tuberculose, e não apenas às pessoas que vivem com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).  

Além disso, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, por meio de emenda, tratou, além de outros pontos, da preocupação na redação da legislativa, substituindo a locução “portador de” por “pessoa que vive com”.

Quase 10 anos após o início do processo legislativo, tem-se importante norma de proteção às pessoas com HIV, hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose, no que se refere ao sigilo da condição de viver com uma doença crônica, eis que são normalmente estigmatizadas, tendo uma série de restrições no exercício e gozo de diversos direitos fundamentais, inclusive no que se refere ao trabalho.

Não raro, são alijadas do mercado laboral, quando a enfermidade em si não gera qualquer tipo de obstáculo ao exercício profissional, especialmente em razão do avanço da ciência e a eficácia dos tratamentos médicos.

Da mesma forma, na seara educacional, e em qualquer nível que seja, os estudantes podem sofrer com a divulgação de dado tão sensível e caro, tema que diz respeito à proteção de direitos da personalidade. 

A Constituição da República, embora não tenha um regramento geral sobre o sigilo, prevê algumas espécies, como, por exemplo, o sigilo das correspondências e comunicações telegráficas (inciso XII do art. 5º). 

De qualquer forma, é possível advogar a tese no sentido de que o sigilo, qualquer que sua espécie, caracteriza-se como um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 5º), bem como à própria intimidade e vida privada (inciso X do art. 5º).  

Portanto, a norma busca a proteção de diversos direitos da personalidade, sobretudo os relacionados à privacidade e imagem, que são relacionados à própria proteção à dignidade da pessoa humana.  

Por outro lado, é importante registrar que o sigilo previsto na lei 14.289/22 está em consonância com as regras da lei geral de proteção de dados (LGPD) – lei 13.709/18, que está em vigor desde 1º de agosto de 2021.

A propósito, especificamente em relação ao médico, o Código de Ética Médica já contemplava norma no sentido de ser seu dever guardar “sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções (...)”.

A norma traz ainda a necessidade de sigilo da tramitação de inquéritos e processos judiciais que tenham como parte a pessoa que vivem com uma das enfermidades indicadas. É evidente que há necessidade do sigilo apenas quando a questão jurídica discutida no inquérito ou processo disser respeito à enfermidade. 

Há previsão, também, de que o descumprimento do sigilo sujeita o infrator, a depender do caso, a diversas sanções, tais como advertência, multa e até mesmo ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. 

Num país em que uma parcela da população vive com doenças crônicas, tais como HIV, hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose, a imposição do sigilo como regra geral a ser obedecida por agentes públicos e privados afigura-se como um avanço na proteção dos direitos à personalidade, especialmente à intimidade, à privacidade e à imagem.

João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
Professor de Direito e advogado do escritório João Bosco Filho Advogados.

Thaissa Nunes
Advogada e sócia do Escritório João Bosco Filho Advogados.

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