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Um pouco sobre sinais (signos) distintivos

As construções relativas aos signos são delineadas de maneira geral pela seara da Semiologia e da Semiótica, partícipes integrantes da Filosofia, e também por esta.

15/2/2023

Muito bem caminharam os legisladores em matéria de marca, a exemplo do brasileiro («São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis...», Art. 122 da lei 9.279/96), do português («A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação... desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.», Art. 208 do decreto-lei 110/18) e de outras nações, ao permitirem trazer à «classe de realidade»1 nos enunciados normativos - ou mesmo aos «suportes fáticos» - a distinguibilidade/distintividade e o ferramental semiótico do signo (sinal).

A tradição jurídica de período recente (pelo menos dos últimos trinta anos), por conseguinte, percebe-se, é a de «assentar o conceito legal de marca na capacidade distintiva»2, sustentando a presença de verve criativa (i. e., criação intelectual) para além da mera ideia de ocupação do signo, pela razão a qual «a própria escolha do signo a ser apropriado e utilizado, e sendo constituído de elementos pré-existentes ou novos, revela uma criatividade que, sem tal exercício arbitrário de discricionariedade, padeceria a característica da distintividade em prol da mera descritividade»3; vinculando o fenômeno mercantil-comercialista4 da clientela ao fundo de comércio «o qual a marca está sob pertença [attaché], e utência pelo comerciante enquanto elemento incorpóreo»5.

As construções relativas aos signos são delineadas de maneira geral pela seara da Semiologia6 e da Semiótica7, partícipes integrantes da Filosofia, e também por esta. A conferir, Nicola Abbagnano8:

“SIGNO (gr. onu?iov; lat. Signum; in. Sign; fr. Signe, al. Zeichen; it. Segno). Qualquer objeto ou acontecimento, usado como menção de outro objeto ou acontecimento. Esta definição, geralmente empregada ou pressuposta na tradição filosófica antiga recente, é generalíssima e permite compreender na noção de Signo qualquer possibilidade de referência: p. ex., do efeito à causa ou vice-versa; da condição ao condicionado ou vice-versa; do estímulo de uma lembrança à própria lembrança; da palavra seu significado; do gesto indicativo (p. ex., um braço estendido) à coisa indicada; do indício ou do sintoma de uma situação à própria situação etc. Todas essas relações podem ser compreendidas pela noção de signo. No entanto, em sentido próprio e restrito, essa noção deve ser entendida como a possibilidade de referência de um objeto ou acontecimento presente a um objeto ou acontecimento não-presente, ou cuja presença ou não-presença seja é indiferente. Nesse sentido mais restrito, a possibilidade de uso dos Signos ou semiose é a característica fundamental do comportamento humano, porque permite a utilização do passado (o que ‘não está mais presente’) para a previsão e o planejamento do futuro (o que ‘ainda não está presente’); Nesse sentido, pode-se dizer que o homem é, por excelência, um animal simbólico, e que nesse seu caráter se radica a possibilidade de descoberta e de uso das técnicas em que consiste propriamente sua razão. [...].”

A «individualização mediante os signos»9, faz-se bastante importante ressaltar, unge uma porção de institutos de direito afetos a identificação10, quais sejam a razão, a denominação social, a marca, o nome comercial, o nome de domínio; que definitivamente não são idênticos entre si (eis que o caráter finalístico os difere), mas aparentam in abstrato e in concreto um casamento de funcionalidade, a permitir «uma ampla dimensão do instrumento concorrencial»11. José Miguel Corberá Martínez12, no fragmento introdutório de sua tese, inteligentemente aponta que:

“A denominação social e a marca são dois institutos mercantis com uma origem comum ao longo da história, que reside na clara potencialidade intrínseca de se responder ao pressuposto da inevitável necessidade de se identificar e individualizar tanto os sujeitos quanto a sua atividade nas relações no trânsito econômico, ‘que se satisfaz de forma diversa consoante se trate da denominação social ou dos sinais distintivos, e contribui de formas diversas para a necessidade de transparência que hão de ordenar-lhes num sistema de concorrência econômica’. Esta diversidade é consequência direta da coexistência [...] de dois tipos de identidade, em primeiro lugar, o que se pode chamar de «identidade jurídica» e, em segundo lugar, o que se pode chamar de «identidade comercial». A primeira é aquela pela qual ‘um sujeito, no tráfego jurídico-negocial, é individualizado como centro de imputação de direitos e obrigações’ por meio do nome da pessoa física e jurídica, que é considerada [...] como um dos direitos básicos da pessoa e responde à necessidade de individualizá-la na convivência geral e no referido tráfego. Configura-se como atributo da pessoa física e pressuposto essencial de qualquer pessoa jurídica. Junto a identidade jurídica, existe a identidade comercial, que só alguns empresários têm e cuja função é diferenciá-los no mercado. Esta dualidade de identidades origina a distinção entre o nome, a razão e a denominação social, por um lado, e a marca e o nome comercial como sinais distintivos da empresa, por outro. Isto, tendo em vista as diferentes e diferenciadas funções que desempenham conforme o ordenamento jurídico, em que ‘se dirá que o nome da pessoa física e a denominação das pessoas jurídicas se destinam a identificar o sujeito para efeitos de imputar-lhe as relações jurídicas mantidas em seu nome e que, quando se trate de sinais distintivos, pretende-se dotar transparência ao mercado e diferenciar a empresa no mundo das relações econômicas’.”

Há os que defendam, inclusive, que «a perspectiva [account] semiótica do regime jurídico marcário [trademark law] é um necessário suplemento da perspectiva econômica, na medida em que fortalece a promoção do propósito econômico para a maior eficiência do regime»13. A referida posição colabora, talvez, para realçar a ideia a qual «uma marca é tão simbólica quanto funcional»14, eis que presentes «muitas possibilidades interessantes de análises semióticas na doutrina de marcas, da distintividade à contrafação [infringement] [...]»15.

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1 Expressão utilizada por Gabriel Ivo (Norma Jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. XXV-XXVI) no seguinte contexto: “Ao regular a conduta, não teria sentido o direito coincidir com a realidade. Ao duplicá-la, estaria construindo um sem-sentido deôntico. O direito visa alterar a realidade, não repeti-la. Segundo Lourival Vilanova, ‘altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem do Direito’. E, dessa forma, o sistema normativo vai constituindo uma outra classe de realidade que sem ele seria impossível: o mundo jurídico.”

2 Cfr. Maria Miguel Carvalho. Artigo 208º - Constituição da marca. In: Luís Couto Gonçalves (org.). Código da Propriedade Industrial Anotado. Coimbra: Almedina, 2021. p. 819

3 Cfr. Nicolas Binctin. Droit de la propriété intellectuelle. Paris: Dalloz, 2014. p. 411 [tradução livre]

4 “É quase inconcebível que as transações comerciais [Geschäftsverkehr] possam prescindir dos sinais distintivos [Kennzeichen], seja intencionalmente ou não. Cada representação [Darstellung] de sua própria atividade empresarial leva a um sinal distintivo.” (Claus Ahrens. Gewerblicher Rechtsschutz. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008. p. 324 [tradução livre])

5 Cfr. Albert Chavanne/Jean-Jacques Burst. Droit de la propriété industrielle. Paris: Dalloz, 1993. p. 466 [tradução livre]. O que, no passado, acarretava a transmissibilidade-cedibilidade da marca de maneira conjunta ao trespasse do estabelecimento e de seus elementos, tão somente. (cfr. (i) Luís Couto Gonçalves. Função Distintiva da Marca. Coimbra: Almedina, 1999. p. 34-41; (ii) Luís Couto Gonçalves. Manual de Direito Industrial. Coimbra: Almedina, 2019. p. 176)

6 “Em contraste com a semiótica, que se preocupa com a teoria e análise da produção de significado, a semiologia refere-se ao estudo de sistemas de signos em operação, como códigos, incluindo os de signos linguísticos. Os significados explícitos resultantes da conjunção de um significante e um significado são investigados. [...]. O termo semiologia foi cunhado por Saussure para abranger a teoria dos sistemas de signos, e por muito tempo foi utilizado ao lado da semiótica com pouquíssimas diferenças de significado. Hoje a Escola Greimassiana distingue claramente entre o estudo dos sistemas de signos (semiologia) e o estudo do processo de geração de significado (semiótica).” (Bronwen Martin/Felizitas Ringham. Dictionary of Semiotics. Londres: Bloomsbury, 1999. p. 116 [tradução livre])

7 “A semiótica é a teoria da significação, isto é, da geração ou produção de significado. Em contraste com a semiologia, que estuda os sistemas de signos e sua organização [...], a semiótica se preocupa com a forma como o significado é produzido. Em outras palavras, o que interessa ao semioticista é o que torna um enunciado [utterance] significativo, como ele significa e o que o precede em um nível mais profundo para resultar na manifestação do significado. A teoria semiótica é baseada na crença de que o significado não é inerente aos objetos, que eles não significam por si mesmos, mas que o significado é construído por um observador competente - um sujeito - capaz de dar forma aos objetos.” (Bronwen Martin/Felizitas Ringham. op. cit. p. 117 [tradução livre])

8 Dicionário de Filosofia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2000. p. 894

9 José Miguel Corberá Martínez. Los conflictos entre las marcas y las denominaciones sociales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2017. p. 29 [tradução livre]. 

10 “Aqui, visualizado em um contexto de mercado.

11 Cfr. Paula Forgioni. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2012. p. 143

12 op. cit., p. 30-31 [tradução livre]. Discordo, a partir do afirmado por José Miguel, da afirmação feita por Miguel Ruiz Muñoz (Derecho de Marcas. In: Miguel Ruiz Muñoz/Mónica Lastiri Santiago (coords.). Derecho de la Propiedad Intelectual. Valencia: Tirant lo Blanch, 2017. p. 475) quando acentua que o nome empresarial, o título de estabelecimento e até mesmo o nome de domínio são signos «de menor relevância».

13 Cfr. Barton Beebe. The semiotic account of trademark doctrine and trademark culture. In: Graeme Dinwoodie/Mark Janis (eds.). Trademark Law and Theory: A Handbook of Contemporary Research. Cheltenham: Edward Elgar, 2008. p. 43-44 [tradução livre]

14 Cfr. David Tan. Intellectual Property and Semiotics: The Sign of the Times. In: Irene Calboli/Maria Lillà Montagnani (eds.). Handbook of Intellectual Property Research. Oxford: Oxford University Press, 2021. p. 379 [tradução livre]. Também, cfr.: (i) “Nós vivemos em uma era de simbolismo abundante, que gera um excesso de significados: o significado está em toda parte e tudo tem significado. O significado é construído não apenas a partir da comunicação verbal, mas também da experiência sensorial, da conduta pessoal e do ambiente físico. (Graeme Dinwoodie. The Death of Ontology: A Teleological Approach to Trademark Law. Iowa Law Review, 1999. p. 613 [tradução livre]); (ii) “Uma marca é um signo, e não terá vida útil se for insuscetível de exercer significação. Esse é um requisito lógico e prático.” (Denis Borges Barbosa. Parecer. ARE 1266095. ev. 8 - fls. 149.); (iii) “Marcas são signos num mercado em concorrência.” (Denis Borges Barbosa. Parecer. EREsp 1346089. ev. 30 - fls. 28.); (iv) “A elegibilidade das marcas [Markenfähigkeit] ao registro está sujeita a três condições. Em primeiro lugar, deve ser um sinal/signo [ein Zeichen]. [...]. Claro, a mera possibilidade de ser um signo em relação a qualquer bem ou serviço [Ware oder Dienstleistung] é suficiente.” (Ulrich Hildebrand/Thomas Tobias Hennig. Marken-/Kennzeichenrecht. In: Artur Axel-Wandtke (org.). Medienrecht Praxishandbuch. Berlim: De Gruyter, 2008. p. 713-714); (v) “[...] cada modalidade de proteção dos bens intelectuais tem seu próprio filtro [entre o que é e o que não é exclusivisado]. O sistema de patentes tem o seu, o de marcas outro, específico; e assim por diante. [...]. O direito da propriedade intelectual passa por vicissitudes muito peculiares.” (Denis Borges Barbosa. Parecer. 08012.006377/2010-25 CADE. fls. 18-20 do doc.); (vi) “O direito de marcas opera uma verificação sobre uma ampla gama de critérios, permitindo verificar tanto as qualidades intrínsecas do signo quanto sua relação com o meio econômico em que está inserido.” (Nicolas Binctin. op. cit. p. 418 [tradução livre])

15 Cfr. David Tan. op. cit. p. 382 [tradução livre]. O autor leva em conta os termos mark, trademark e brand, os quais não são sinônimos e guardam suas peculiaridades.

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal
Graduando em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB).

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