Migalhas de Peso

O consentimento da ofendida no descumprimento de medidas protetivas a luz das recentes decisões do STJ

O presente trabalho possui como objetivo abordar o crime do Art. 24-A, da Lei Maria da Penha, consistente no descumprimento de medida protetiva nos casos de consentimento da ofendida. Para tanto, será analisado a recente jurisprudência do STJ sobre o tema, o que permitirá comprovar a possível mudança de entendimento sobre o tipo penal, com reconhecimento da atipicidade da conduta.

24/12/2023
Publicidade
Expandir publicidade

INTRODUÇÃO

É induvidoso que todo e qualquer trabalho que envolva Lei Maria da Penha, tem dever moral e ético de reconhecer a importância da luta contra a violência de gênero, mormente numa sociedade com altos índices de feminicídio, fruto de uma cultura patriarcal e extremamente machista, muitas vezes propícia a “calar” os vulneráveis, diminuindo seu sofrimento e relativizando possíveis desigualdades.

Não é raro que, em atendimentos realizados nos núcleos da Defensoria Pública com atuação na defesa do acusado de violência doméstica, seja comuns relatos que tentam vitimizar o homem e gerar dúvidas sobre a eficácia e necessidade da lei, o que, na maioria dos casos, se provam apenas um descontentamento com a persecução penal.

Contudo, também não é possível afastar um olhar defensivo para os constantes relatos do acusado, e muitas vezes, da própria vítima, que buscam atendimentos nas diversas Defensorias Públicas especializadas em violência doméstica e familiar contra mulher.

Neste sentido, é necessário analisar o crime do Art. 24-A, da Lei Maria da Penha, a luz do novo entendimento aplicado pelo STJ nos casos de consentimento da ofendida.

O presente trabalho visa justamente trazer discussão de como o consentimento da ofendida é capaz de afastar a tipicidade da conduta, mesmo sem a revogação das medidas protetivas pelo Poder Judiciário.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDIÇÃO DO ART. 24-A, DA LEI MARIA DA PENHA

1.1. CELEUMA DO DESCUMPRIMENTO DA MPU ANTERIOR EDIÇÃO DA LEI 13.641/2018

A lei Federal 11.340/06, surge como mecanismo de coibir a violência doméstica e familiar contra mulher, o qual recebeu o nome de Lei Maria da Penha, em homenagem a vítima de dupla tentativa de homicídio na década de 80, caso marcado pela demora injustificada da investigação e punição do ex-marido pela Justiça Brasileira, sendo o caso levado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, com condenação do Estado Brasileiro em 2001, com inúmeras recomendações, dentre elas, que o governo brasileiro desenvolvesse uma legislação específica sobre a violência doméstica e familiar.

Assim, inovador diploma legal, no seu texto original, previu as medidas protetivas de urgência do Art. 22, como forme de proteger a integralidade física, moral e psicológica da mulher, porém não havia previsão de nenhum tipo penal para o seu descumprimento.

Por muitos anos, houve a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a consequência jurídica do descumprimento de medidas protetivas de urgência pelo acusado, se configuraria ou não crime de desobediência do Art. 330, ou do Art. 359, ambos do Código Penal, ou se era conduta atípica.

Como pontua Sanches (2022, p. 1823-1824), prevaleceu no STJ a corrente que defendia atipicidade da conduta, o que acabou dando origem a edição do tipo penal do Art. 24-A:

“De sorte que, uma primeira corrente, defendia que a conduta do agente que descumpria medida protetiva, configuraria o crime de desobediência. Nesse sentido o Enunciado 27, do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), a se conferir: *O descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na lei 1.340/06 configura prática do crime de desobediência previsto no art. 330 do CP, a ser apurado independentemente da prisão preventiva decretada?. Mesmo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça pairava alguma divergência, havendo precedente que entendia configurado o crime do art. 359 do Código Penal, consistente na "desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito"81 Mais recentemente, porém, aquela E. Corte pacificara entendimento no sentido de que a conduta era atípica, em face da possibilidade de imposição de outras medidas previstas na própria lei. Assim, "na linha da jurisprudência desta Eg. Corte, não configura crime de desobediência o descumprimento de medida protetiva de urgência da lei 11.340/06. (Lei Maria da Penha), haja vista a previsão de imposição de outras medidas civis e administrativas, bem como a possibilidade de decretação de prisão preventiva, conforme o disposto no art. 313, III, do CPP» (STJ, HC 305.442/RS, rel. Felix Fischer, j. 3.3.15, DJe 23.3.15. Todavia, face aos termos expressos da lei 13.641/18, a discussão perdeu seu objeto, não mais perdurando nenhuma dúvida: insere-se na lei 11.340/06 um tipo penal específico para punir a desobediência a decisões judiciais que impõem medidas protetivas.

Autor

André Luís Nunes Rocha Graduado em Direito PUC-GO, em 2013; pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Cândido Mendes em 2016; Pós-Graduado em Direitos Humanos pela UFG, 2018. Assessor da DPE-GO desde 2016.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos