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Ilegalidade e inconstitucionalidade da limitação de compensação tributária

A MP 1.202/23 surpreende no cenário tributário ao limitar os efeitos do impacto fiscal da perda do Governo pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Empresas usaram 292 bilhões de reais em créditos da "tese do século", levando à tentativa de limitação pela MP 1.202/24.

13/1/2024

A MP 1.202/23, buscando limitar, até hoje, os efeitos do impacto fiscal da perda do Governo da tese sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, acabou por ser uma surpresa no ambiente tributário.

Segundo uma notícia veiculada pelo Jornal Valor Econômico1, empresas usaram 292 bilhões de reais em créditos oriundos da “tese do século” entre janeiro de 2019 e agosto de 2023.

Tais valores justificam a tentativa de limitação do direito à compensação imposta pela MP 1.202/24 e regulamentada pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda n° 14/24.

Ainda conforme a notícia: “A partir do ano de 2019, os créditos judiciais têm representado 38% dos créditos utilizados em compensação. No período de 2005 a 2018 esse percentual era de 5%”, diz a Receita Federal.”

Tal crescimento exponencial de valores compensados, somados à meta fiscal estabelecida pelo Governo, levaram ao escalonamento para a utilização dos créditos judiciais superiores a dez milhões de reais.

Conforme a lei 9.430/96, créditos, ainda que judiciais, podem ser utilizados para compensar débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil.

Como no caso de compensação, o credor e o devedor são, ao mesmo tempo, credores e devedores recíprocos, há o encontro de contas para extinguir o crédito. É o que prevê os arts. 156, inciso II e 170, ambos do CTN. Veja-se:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(...)

II - a compensação;”

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”

A Constituição, em seu art. 146, III, estabelece que caberá à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Conforme já transcrito acima, a lei Complementar 5.172/66 (CTN) estabeleceu que, para impor condições e autorização de compensação tributária, deve-se observar a reserva legal.

Sabe-se que a medida provisória tem força de lei, tendo em vista o art. 62 da Constituição. Todavia, a delegação feita pelo art. 74-A da Lei n° 9.430/96 às condições de compensação para ato do Ministro da Fazenda viola o princípio da reserva legal previsto no art. 170 do CTN, e, por consequência, viola o art. 146, III da CF.

Não há que se falar que, tendo em vista a delegação, para ato do Poder Executivo, ter sido feita pela “lei” (medida provisória com força de lei) deve ser considerado válido e legítima a previsão da Portaria Normativa do Ministério da Fazenda 14/24. Primeiro, porque o princípio da reserva legal ficaria obsoleto caso a legislação pudesse sempre delegar as suas atribuições a ato do Poder Executivo. Segundo, porque, quando a legislação faz apenas a delegação de sua atribuição a ato do Poder Executivo, estar-se-á admitindo que tal ato crie direitos, pois não estará apenas regulamentando (ou seja, complementando a previsão legal), mas, sim, legislando sobre direitos, violando o arcabouço constitucional e o processo legislativo. Terceiro, porque, caso se entenda que tal delegação é legítima, estar-se-á de, uma só vez, violando o comando constitucional, pois a CF determinou que lei complementar estabelecesse regras gerais sobre legislação tributária, e a lei complementar que deu eficácia a tal dispositivo previu que a lei, em sentido estrito, pudesse estabelecer condições para a compensação tributária. Ou seja, estaria violando o art. 170 do CTN e o art. 146, III da CF.

Portanto, para que se torne legítima a limitação de utilização do mecanismo da compensação tributária, a lei em sentido estrito deve exaurir o tema, estabelecendo condições para a efetivação do mecanismo, cabendo a atos do Poder Executivo apenas regulamentar as disposições legais, podendo complementar, sem criar limitações ou condições, o direito dos contribuintes.

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1 Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/01/09/empresas-usaram-r-292-bi-em-creditos-da-tese-do-seculo.ghtml

Fernanda Vargas
Sócia do escritório Martins Freitas Advogados Associados.

Gustavo Leite
Advogado no escritório Martins Freitas Advogados Associados.

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