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A responsabilidade no cumprimento das cláusulas contratuais previstas no acordo de colaboração premiada

Acordos de delação premiada exigem cuidado e compromisso total. A qualidade da colaboração determina os benefícios futuros ao colaborador.

2/4/2024

Assinar um acordo de colaboração ou delação premiada é uma decisão complexa e que só deve ser formalizada caso o colaborador não tenha dúvidas de que a partir da homologação judicial desse documento, a sua estratégia de defesa deverá ser feita em benefício dos órgãos de persecução criminal, uma vez que a qualidade da produção probatória em favor do Estado influenciará na decisão terminativa do órgão judicante, ou seja, quanto melhor a qualidade da delação maior serão os benefícios reflexos ao colaborador. 

Isto é, como os verdadeiros benefícios da delação premiada só serão implementados ao final do processo, pelo órgão judicante, não é correto formalizar um acordo de colaboração premiada visando somente um benefício imediato, sem se preocupar com a efetividade das declarações e das provas oferecidas aos órgãos de persecução criminal, pois se a defesa da colaboração, pelo colaborador, não for eficaz, é provável que ele se decepcione com a decisão final do Poder Judiciário, pois o art. 4º, §11, da lei 12.850/13 estabelece que a sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia. 

Um dos erros mais comuns nos acordos de colaboração premiada, que muitas vezes leva à rescisão do próprio instrumento, se refere à ausência de preocupação com o integral cumprimento do contrato. O colaborador, muitas vezes equivocado, acaba descumprindo cláusulas do acordo por critérios de oportunidade e de conveniência. Exemplo: deixa de pagar tempestivamente uma parcela da multa contratual estabelecida no acordo, e presume que esse atraso não trará prejuízos para a sua colaboração. 

No exemplo citado, como a intempestividade do pagamento de uma das parcelas da multa contratual não foi previamente comunicada aos órgãos de persecução criminal, presume-se que houve omissão dolosa por parte do colaborador, o que poderá resultar na rescisão do negócio jurídico, conforme previsto no artigo 4º, §17, da lei 12.850/13: 

“§ 17. O acordo homologado poderá ser rescindido em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”

É importante destacar que se o acordo de colaboração premiada é rescindido por culpa exclusiva do colaborador, todas as provas que foram por ele produzidas poderão ser utilizadas em outras investigações, inclusive para acusá-lo por novas infrações penais. 

Se no decorrer do processo de colaboração premiada ocorrem fatos supervenientes que impedem o colaborador de cumprir as condições contratuais pactuadas, é sua obrigação, antes do infortúnio, justificar a sua conduta e pleitear pela elaboração de aditivo ao contrato originário. 

Portanto, a omissão dolosa, ou seja, o desrespeito unilateral do contrato, por critérios de oportunidade e de conveniência do colaborador, é um fato que não é visto com bons olhos pelos órgãos de persecução criminal, pois a quebra da confiança e do pacto da boa-fé objetiva são pressupostos da formalização do acordo de colaboração, e a sua interrupção abalam a própria credibilidade do colaborador. 

Ora, se a rescisão por culpa exclusiva do colaborador não trará qualquer prejuízo às provas produzidas até aquela etapa da investigação, e se essas provas continuarão válidas, mesmo após a rescisão do acordo, dificilmente o colaborador terá segunda chance para se redimir de suas falhas. 

Com efeito, nos termos do art. 4º, §17, da lei 12.850/13, como a punição que poderá levar à rescisão do acordo de colaboração premiada deve ser decorrente de ato intencional ou imprudente do colaborador, a partir do momento em que o colaborador explicita e comprova os motivos para a elaboração de uma repactuação contratual, dificilmente não será atendido pelos órgãos de persecução criminal. Como salientado, em regra, o fato gerador das rescisões dos acordos de colaboração premiada se resumem à quebra da confiança e do pacto da boa-fé objetiva.

Nesse sentido, quando os órgãos de persecução criminal assinam um acordo de colaboração premiada, eles querem muito mais do que foi relatado pelo colaborador. Na verdade, o acordo de colaboração premiada é apenas um negócio jurídico processual, cuja finalidade, em regra, visa à elucidação dos outros crimes praticados pela organização criminosa e a recuperação do proveito das infrações penais. 

Portanto, ao assinar o acordo de colaboração premiada, o colaborador precisa entender que a sua estratégia de defesa visa municiar os órgãos de persecução criminal na ratificação das provas pré-processuais produzidas em desfavor da organização criminosa. Isso quer dizer, em linhas gerais, que as suas alegações finais, ao invés de pleitear por eventual absolvição, confirmará a tese de acusação, para que seja possível postular pela aplicação do art. 4º, da lei 12.850/13: 

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

  1. a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
  2. a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
  3. a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
  4. a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
  5. a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”

Vale a pena realçar, por derradeiro, que a redação dada pela lei 13.964/19 trouxe duas alterações importantes na lei 12.850/13, quais sejam: a) as declarações desacompanhadas de provas são suficientes para a realização do acordo de colaboração premiada, mas impedem que a pessoa delatada seja acusada ou sentenciada apenas com base nas palavras do colaborador; b) é proibido que o acordo de colaboração premiada contenha fatos que não tenham relação direta com a apuração em curso. 

Posto isso, para que a colaboração premiada seja utilizada como estratégia de defesa, é importante que o colaborador entenda que o pacto firmado com os órgãos de persecução criminal não podem ser desrespeitados por critérios de oportunidade e conveniência. O almejado perdão judicial não é automático, e dependerá da efetividade e produtividade dos termos contidos em contrato. 

Isto é, se a colaboração premiada for utilizada como mero artifício visando apenas benefícios imediatos, é provável que esse instrumento se transforme no pior pesadelo do colaborador, pois se o acordo for rescindido por culpa exclusiva do colaborador, todas as provas produzidas até aquela etapa da investigação poderão ser utilizadas em desfavor do próprio delator. 

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. 

Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 

Lei nº. 12.850, de 2 de agosto de 2013.

Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019.

HC 142205, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25-08-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240  DIVULG 30-09-2020  PUBLIC 01-10-2020.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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