O brasileiro é, por natureza, um povo criativo e audacioso, especialmente no campo do empreendedorismo. No entanto, apesar desse espírito inovador, nosso sistema educacional não prepara adequadamente o futuro empresário para os desafios que encontrará ao longo de sua jornada.
Muitos veem na aquisição de franquias uma forma de mitigar riscos e obter suporte durante esse percurso. A oportunidade de iniciar um negócio sob uma marca já consolidada, com um modelo operacional testado e estrutura pré-definida, oferece uma vantagem competitiva legítima. Contudo, essa vantagem não vem sem custos. O sistema de franquias geralmente envolve despesas significativas, como royalties, taxas de marketing, aquisição de produtos e adequações aos padrões da marca.
Quando bem estruturado, o modelo de franquias é uma excelente alternativa para novos empreendedores, desempenhando um papel crucial na economia brasileira. Regulamentado pela lei de franquias (lei 13.966/19), o mercado atrai investidores em busca de negócios com maior potencial de sucesso. Nesse contexto, a COF - Circular de Oferta de Franquia é um instrumento essencial para garantir transparência e segurança ao franqueado.
A COF é um documento obrigatório que o franqueador deve entregar ao potencial franqueado com, no mínimo, 10 dias de antecedência à assinatura do contrato ou ao pagamento de qualquer valor. Sua função é fornecer informações completas e verídicas sobre o modelo de negócio, incluindo dados financeiros, pendências judiciais, estrutura operacional e suporte oferecido. Assim, a COF possibilita que o franqueado tome uma decisão consciente e informada.
Infelizmente, nem todos os franqueadores cumprem sua obrigação de agir com ética e transparência. Em muitos casos, são identificadas práticas fraudulentas na elaboração da COF, como a manipulação de informações ou o uso de documentos falsos. Essas condutas violam os princípios de boa-fé exigidos pela legislação e podem configurar crimes.
Exemplos de práticas fraudulentas:
- Relatórios financeiros falsificados: Apresentação de balanços adulterados para inflar a atratividade do negócio.
- Omissão de processos judiciais: Ocultação de ações judiciais relevantes que possam comprometer a operação da franquia.
- Declarações de sucesso irrealistas: Fornecimento de números fictícios de franqueados ou resultados financeiros irreais.
- Documentos adulterados: Uso de registros falsos para demonstrar sustentabilidade financeira ou regularidade fiscal.
A seguir, destacam-se as principais implicações penais dessas práticas.
1. Falsidade ideológica (art. 299 do CP)
O crime de falsidade ideológica ocorre quando o franqueador insere informações falsas ou omite dados relevantes na COF, com o objetivo de prejudicar direitos, criar obrigações ou alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes.
Descrição legal:
"Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante."
2. Uso de documento falso (art. 304 do CP)
Quando o franqueador utiliza uma COF falsificada ou adulterada, mesmo que não seja o autor da falsificação, responde pelo crime de uso de documento falso.
3. Estelionato (art. 171 do CP)
O crime de estelionato ocorre quando o franqueador, ao manipular informações na COF, busca vantagem econômica ilícita, induzindo o franqueado ao erro.
Descrição legal:
"Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento."
No contexto de franquias, a vantagem ilícita geralmente está relacionada ao valor recebido pela venda da franquia, obtido com base em informações fraudulentas.
4. Crime contra as relações de consumo (art. 7º, VII, da lei 8.137/90)
A lei 8.137/90 regula crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo. O art. 7º, VII, estabelece como crime induzir o consumidor ao erro por meio de informações falsas ou enganosas sobre a natureza, qualidade ou características do bem ou serviço.
Por exemplo, a franqueadora apresenta projeções de lucro irrealistas ou omite custos relevantes, induzindo o franqueado a acreditar que o negócio é mais vantajoso do que realmente é.
Arbitragem e implicações penais
É comum que contratos de franquia contenham cláusulas de arbitragem para resolução de disputas. Embora a arbitragem seja válida para questões civis e contratuais, como royalties ou suporte operacional, ela não impede a investigação e julgamento de crimes pela justiça comum.
Pontos fundamentais:
Fraudes relacionadas à COF, como falsidade ideológica, uso de documento falso ou estelionato, ultrapassam o âmbito contratual, pois afetam o interesse público.
Enquanto a arbitragem pode tratar de aspectos cíveis, ilícitos penais devem ser apurados pelo Poder Judiciário.
Considerações finais
A fraude em Circulares de Oferta de Franquias vai além de prejudicar o franqueado individualmente; ela mina a confiança no sistema de franquias e compromete o desenvolvimento do setor. Essas práticas configuram graves ilícitos penais, sujeitando os responsáveis a sanções severas.
Para garantir a saúde do mercado de franquias, é indispensável que franqueadores atuem com ética e transparência, respeitando as obrigações previstas na lei de franquias. Da mesma forma, franqueados devem realizar uma due diligence rigorosa antes de investir. Um mercado sólido e sustentável depende da conformidade legal e do respeito aos direitos de todas as partes envolvidas.