Inicialmente, sabe-se que a origem do Collateral Stoppel1 tem como marco inicial o período da reorganização política da normandia, perpetuando com a finalização da batalha de Hastings em 1066. Destarte, nesse contexto de conflitos, iniciou-se a dominação francesa na Inglaterra, impactando na cultura, literatura e sistema jurídico anglo-normândico. Nessa linha de pensamento, não houve somente um período de confrontos militares, mas sim um evento de miscigenação intelectual que redefiniu a trajetória da Inglaterra. Por conseguinte, a sequência de acontecimentos com a finalidade de mudança de paradigma político trouxe à tona o descontentamento com o sistema formal e absoluto vigente da realeza.
Outrossim, para contextualizar o surgimento do Collateral Stoppel, deve-se entender que se implantou o sistema feudal, além de se iniciarem a construção de castelos, com o intuito de reformular o cotidiano da nobreza inglesa. Nesse diapasão, pode-se citar que o regime anterior da verdade real absoluta e o excesso de formalismo sucumbiram, gradativamente, à moral e à justiça dos pretores modernos. Explicando melhor, antes, os denominados Tribunais de Westminster2 eram subordinados ao rei e, consequentemente, tinham o privilégio absoluto de discernimento e julgamento das causas da sociedade. Posteriormente, foram criados os Tribunais dos Chanceleres3 para moderar as arbitrariedades e conter os excessos do formalismo. Conquanto, a aceitação pacífica desta transição de axiologias não foi pacífica, uma vez que a realeza tinha a intenção de permanecer no domínio geopolítico da Inglaterra.
Nessa linha discussão, pode-se dizer que o instituto Collateral Stoppel se iniciou com a real abrangência ao sistema do common law, focando em valoração de decisões vinculativas, com fulcro na máxima exaltação do papel decisório de competência do magistrado. Isto é, a finalidade deste era de impedir a rediscussão de pontos arbitrados em decisões pretéritas de outro processo, pautando-se na economia processual e na boa fé objetiva. Para contextualizar esta doutrina, segundo o professor Allan Vestall, “Há a necessidade de reafirmar a importância em se preservar as decisões judiciais, evitando-se a litigância repetitiva e até os julgamentos inconsistentes, uma vez que muito se espera que o judiciário obtenha a palavra final”.
Ademais, especificamente falando, a palavra “stoppel” origina-se da expressão “boca com estopa” ou incapacidade de retrucar, ao contrário do que já fora decidido. Nesse sentido, alguns se referem a este instituto como ‘preclusão colateral’, para reafirmar a necessidade de coibir a rediscussão de pontos determinados com trânsito em julgado (vedação a religação). Nessa perspectiva, alguns requisitos foram impostos para a positivação da ‘preclusão colateral’ como: o objeto da decisão anterior ser idêntico ao sucessivo e a constatação do trânsito em julgado, com decisão de mérito. Para complementar, observa-se que esta ferramenta pode ser útil em litígios de massa, coletivização de processos e valorizações de sindicalismos, além de ações em desastres. Explicando melhor, a intenção é conter inúmeras transações que poderiam se contradizer em casos de não unificação. Nesse diapasão, a doutrina e jurisprudência associam ao Collateral Stoppel ao instituto denominado de jointer rules, cuja premissa é a unificação de ações em litisconsórcio obrigatório, olvidando a efetiva segurança processual.
Todavia, com a implantação desta artimanha processual sui generis, surgiram questionamentos a respeito do arrefecimento dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, até então intangíveis. Outrossim, para muitos doutrinadores, estar-se-ia retirando a competência de galgar o livre convencimento do magistrado e engessando sentenças, com a falsa pretensão de celeridade processual. Porquanto, infere-se que se deve utilizar do Collateral Stoppel com parcimônia e segurança jurídica, para evitar economia processual excessiva e inconsistências teleológicas processuais.
Trazendo esta tratativa para o Direito Processual brasileiro, nota-se que o Collateral Stoppel possui algumas semelhanças com a coisa julgada ou preclusão endoprocessual, descrita no NCPC/15 - Novo Código de Processo Civil de 2015. De acordo com o art. 506, “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. Ou seja, pode-se interpretar que está intrinsecamente prevista a preclusão colateral que favorece o terceiro.
Para esclarecer a dimensão desta premissa, o jurista Giuseppe Chiovenda descreve que “A preclusão é a perda de uma faculdade processual, quando há a impossibilidade de praticar o ato processual no mesmo processo”. Nesse viés, para se comparar os dois institutos supracitados, percebe-se que ambos primam pela estabilidade, boa fé e concentração vinculada de decisões. Além disso, priorizam o fim dos litígios recorrentes e o uso eficiente dos recursos judiciais, combatendo o assédio indevido aos litígios denominados litigância predatória.
Dando prosseguimento a discussão, é importante mencionar que o doutrinador Luiz Guilherme Marinoni foi o primeiro autor brasileiro a dedicar uma obra exclusiva sobre este tema pontual esclarecendo que “Quem é vencido num processo é declarado sem Direito; não simplesmente declarado perdedor em face do vencedor”. Diante do exposto, percebe-se que este assunto condensa a ponderação entre a segurança jurídica e a celeridade em contraposição à capacidade de contradizer decisões com liberdade de dialética processual. Ademais, mesmo com todo o cuidado de massificar sentenças e vincular partes, fica demasiadamente difícil discernir, com precisão, se há identidade de partes, causa de pedir pedidos. Ou seja, muito se tem a discutir ainda sobre as prerrogativas e sujeições de compatibilizar processualmente tais ferramentas no ordenamento brasileiro.
Uma última questão a ser abordada é o grau de aceitabilidade por terceiros estranhos ao processo, uma vez que a regra é a identidade simbiótica do tríplice ação: partes, pedido e causa de pedir (mutualidade). Entretanto, a tendência de mudança de paradigma perante terceiros, dimensionando extensivamente aos que não participaram do processo do qual emergiu a coisa julgada benéfica. Nesse sentido, cada vez mais, o Collateral Stoppel se entrelaça ao processo civil e ao sistema de coletivização de decisões, sendo que as decorrências futuras ainda carecem de estudos preliminares e estatística para a estabilização e padronização no Brasil.
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1 A preclusão colateral (CE), conhecida na terminologia moderna como preclusão de questão , é uma doutrina de preclusão de direito comum que impede uma pessoa de relitigar uma questão. Um resumo é que, "uma vez que um tribunal tenha decidido uma questão de fato ou de direito necessária ao seu julgamento, essa decisão ... impede a relitigação da questão em um processo em uma causa de ação diferente envolvendo uma parte do primeiro caso". 1 A justificativa por trás da preclusão de questão é a prevenção de assédio legal e a prevenção do uso excessivo ou abuso de recursos judiciais.
2 O sistema de Westminster é um sistema parlamentarista de governo modelado após esse que se desenvolveu no Reino Unido. Este termo vem do Palácio de Westminster, sede do parlamento britânico. O sistema é uma série de procedimentos para operar uma legislatura. Ele é usado, ou já foi usado, nas legislaturas nacionais e legislaturas subnacionais da maioria das nações da Commonwealth e ex-Commonwealth
3 Uma função principal do Lord Chanceler era presidir a Corte de Chancelaria. Esta corte desenvolveu o sistema de sistema de leis, um corpo de leis que visava complementar e, alguns em casos, corrigir ass de common law. A equidade se focava na justiça e na boa-fé, os que buscam aca. sócommon law
4 RESTATEMENT (SECOND) OF JUDGMENTS. Washington, D.C.: American Law Institute, 1982.
5 KLEIN, William A.; ALLEN, Joseph L. Judicial process in America. 9. ed. St. Paul: West Academic Publishing, 2020.
6 MASON, Richard W. Law and the internet: regulating cyberspace. Abingdon: Routledge, 2014.
7 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais.
8 ______. O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.
9 ______. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais.
10 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais.
11 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.
12 NEVES, Daniel Amorin Assumpção. Novo código de processo civil comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm.
13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume I. Rio de Janeiro.
14 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Breves comentários à 2º fase da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.
15 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas.
16 NEVES, Daniel Amorin Assumpção. Novo código de processo civil comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm.
17 STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro (Orgs). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva.
18 TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.
19 YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de direito processual civil, vol. I. São Paulo: Marcial Pons.
20 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.