Migalhas de Peso

Críticas ao prazo de duração das medidas protetivas?

Este ensaio critica a fixação de prazo de duração às medidas protetivas. Defendo que o prazo de duração é ilógico e incompatível com a situação de risco que embasa a concessão das protetivas.

18/3/2025

1. Introdução

A lei 11.340/06, popularmente conhecida como lei Maria da Penha, bem como a jurisprudência do STJ, são uníssonas em estabelecer que as medidas protetivas estão submetidas a uma situação de risco.

Apesar disso, constata-se na prática forense que muitos juízes fixam um prazo de duração às medidas protetivas, variando de seis meses a um ou dois anos.

Defendo nesse ensaio que a fixação de prazo de validade às protetivas é uma impropriedade incompatível com a situação de risco, uma vez que a análise do risco só pode ser caso a caso e nunca a priori. O juízo que fixa prazo de duração às protetivas está dando uma resposta antes da pergunta. Quem decide dessa forma, sustento, está agindo como um adivinho, uma vez que não é possível prever quando o risco cessará ou não.

Sabendo que as protetivas devem perdurar enquanto subsistir a situação de risco que a ensejou, a lei Maria da Penha e a jurisprudência do STJ condicionaram o término das restrições a uma análise periódica pelo juízo. Na ausência de um prazo de avaliação, sustento que se deve aplicar de forma análoga o prazo de noventa dias previsto para a hipótese de prisão preventiva, na qual o juízo estaria obrigado a reavaliar periodicamente a necessidade da prisão cautelar.

2. Desenvolvimento

A lei 14.550/23 e a jurisprudência do STJ deixaram claro que as medidas protetivas de urgência, por estarem atreladas a uma situação de risco, devem perdurar por prazo indeterminado, enquanto persistir a situação de risco que a ensejou.

Apesar disso, na prática, não cansamos de presenciar juízos concedendo ou prorrogando medidas protetivas por prazo determinado, variando entre seis meses, um ou dois anos.

A fixação de prazo de duração para as medidas protetivas é uma anomalia que precisa ser evitada e combatida, pelo fato de ser incompatível com a situação de risco, que pressupõe aleatoriedade. Não é possível prever quando a situação de risco deixará de existir; por essa razão, fixar um prazo de duração às restrições não significa que, findo o prazo, a situação de risco estará cessada. Não obstante isso, corre-se o risco de a situação que determinou o deferimento ou a prorrogação das protetivas cessar antes do prazo fixado pelo juiz, gerando situação de protetivas indevidas, prorrogadas por prazo superior ao necessário.  

Em razão da impossibilidade de prever quando a situação de risco deixará ou não de existir, é que a lei 11.340/06 e a jurisprudência do STJ prescrevem que as restrições perdurarão por prazo indeterminado. Aplica-se, nesse campo, a cláusula rebus sic stantibus. Isso significa dizer que as protetivas continuarão vigentes enquanto houver necessidade de proteção à vítima de violência doméstica e familiar. A cláusula em apreço impõe a necessidade de a situação de risco ser aferida periodicamente. Caso o juiz constate que a situação de risco deixou de existir, deverá revogar as restrições; caso, todavia, o risco permanecer atual, as protetivas devem permanecer vigentes.

Uma das questões centrais está em saber quando a situação de risco deixou ou não de existir. Entendo que a situação de risco não pode ser aferida apenas com base no desejo da suposta vítima. Isso porque nenhum direito fundamental pode ser restringido ou limitado com base no desejo de alguém. Restrições a direitos fundamentais dependem de demonstração tangível. Assim, dentre os critérios que o magistrado pode considerar para aferir a presença ou não do risco, podemos arrolar: a) tempo prolongado de vigência das medidas protetivas sem notícia de descumprimento; b) vida pregressa ilibada da pessoa submetida às medidas protetivas; c) ausência de beligerância entre as partes, o que pode ser confirmado com base no encerramento do matrimônio por meio de acordo; d) cumprimento de todas as imposições determinadas pelo juízo, como, por exemplo, mas não limitadas a essas, matrícula e participação em cursos educativos ou de conscientização; e) comportamento da suposta “vítima”, notadamente nos casos em que ela age de forma contraditório ao alegado risco, buscando contato ou se aproximando intencionalmente da pessoa contra quem alegou se sentir em risco.  

Além dessa impropriedade, verifica-se, ainda, na prática, que muitos juízes fixam o prazo de duração das protetivas sem expor racionalmente os critérios que o levaram a estender as restrições para seis meses, um ou dois anos. Na prática, a maioria dos juízes fixa um prazo aleatório de vigência das restrições sem explicar os motivos pelos quais entendeu adequada a prorrogação para seis meses, um ou dois anos.

Tanto a prefixação de prazo de vigência quanto o tempo de duração das restrições (seis meses, um ou dois anos de vigência) são decisões arbitrárias, no meu sentir.

Fixar um prazo de duração é arbitrário porque o tempo determinado de vigência das protetivas é incompatível com a situação de risco. Não é possível que qualquer juízo consiga prever quando uma situação de risco deixará de existir. Quando o juiz assim procede, ele está deixando a razão de lado e se comportando como um adivinho. O correto seria o juiz avaliar periodicamente as protetivas. Como a lei Maria da Penha não fixou um prazo de reavaliação, é prudente que se aplique o mesmo critério utilizado para a reavaliação das prisões preventivas, qual seja, noventa dias. Na falta de previsão legal a respeito e a impossibilidade de duração ad aeternum das restrições, o caminho mais seguro seria o da reavaliação trimestral no lugar da aposta da fixação aleatória do prazo.

Fixar o prazo de duração não significa que, ao final dele, a situação de risco deixará de existir.

Entendo que, ao fixar o tempo de duração, o juízo está praticando uma promessa que pode não se concretizar. Essa promessa certamente gerará expectativas reais nos atores processuais, em especial na pessoa submetida às protetivas, e caso as restrições não sejam revogadas ao final do prazo concedido pelo juiz, certamente tal situação gerará frustrações e desconfiança no Estado e em suas instituições.

Por outro lado, além de a fixação de prazo ser incompatível com a situação de risco, muitos juízes fixam prazos de vigência aleatórios, sem qualquer critério, não fundamentando o porquê de terem prorrogado as protetivas por seis meses, um ou dois anos. Simplesmente decidem arbitrariamente e não motivam as razões que levaram à prorrogação das restrições por um período incompatível com a situação de risco.

3. Conclusão

Apesar de a lei Maria da Penha e a jurisprudência serem claras ao estabelecerem prazo indeterminado de vigência às protetivas, muitos juízes fixam um prazo de duração, variando de seis meses a um ou dois anos de vigência.

Além de a prefixação ser incompatível com a situação de risco, tais decisões contrariam a lei 11.340/06, bem como a jurisprudência do STJ.

Um dos fundamentos que tornam a prorrogação das restrições incorretas refere-se ao fato de que as protetivas estão submetidas a uma situação de risco, e, por isso, deveriam perdurar por prazo indeterminado. A cessação do risco depende de cada caso concreto, não sendo possível ao juiz fixar um prazo de duração determinado.

Outra conclusão que cheguei é que o tempo de prorrogação de seis meses, um ou dois anos também se mostra incompatível. A maioria dos juízes que fixam um prazo de duração às protetivas, o faz sem qualquer motivação. Não há uma explicação racional do porquê as restrições estão sendo prorrogadas por seis meses, um ou dois anos. Pouco se fala ou escreve a respeito do assunto. Até onde sei, somos os primeiros a questionar a racionalidade desse tipo de postura, que no âmbito das medidas protetivas, vem sendo utilizado em escala industrial, sem qualquer questionamento.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025

Seguros de danos, responsabilidade civil e o papel das cooperativas no Brasil

3/12/2025

ADPF do aborto - O poder de legislar é exclusivamente do Congresso Nacional

2/12/2025