Migalhas de Peso

Breve análise da resolução no âmbito dos contratos coligados

Nos contratos coligados há dependência unilateral ou recíproca. A partir disso, o estudo analisa se a resolução de um dos contratos implicará na extinção dos demais.

2/4/2025

O Código Civil prevê que a extinção dos contratos poderá ocorrer de três formas, quais sejam, a resilição bilateral, também denominada de distrato, a resilição unilateral e a resolução, consoante previsão dos artigos 472 a 480 do Código Civil.

A resilição, conforme antiga lição de Orlando Gomes consiste na “dissolução do contrato por simples declaração de vontade de uma ou das duas partes contratantes1. Funda-se a resilição, portanto, não no inadimplemento ou em qualquer outro evento objetivo, dispensando mesmo motivação que transcenda a vontade das partes2.

Deste modo, a resilição unilateral é a manifestação de vontade de uma das partes para extinção do contrato, a qual não decorre do descumprimento da outra parte ou de fato superveniente, já a resilição bilateral, comumente denominada de distrato, trata-se do acordo de vontades com a finalidade de extinguir o contrato celebrado.

Por sua vez, a resolução se conceitua como modo de extinção da relação obrigacional estabelecida em contrato bilateral, com a retirada de sua eficácia pelo exercício do direito formativo extintivo, sendo seu titular o credor não inadimplente, fundado no incumprimento definitivo do devedor e imputável a este3.

A resolução pode ser compreendida, face ao direito brasileiro vigente, como "um modo de extinção derivado da lei (resolução legal) ou do contrato (resolução convencional), que tem sua causa no fato superveniente do incumprimento da obrigação ou da modificação da base do negócio, produzindo efeitos retroativos; depende de manifestação de vontade do interessado, e é efetivada normalmente mediante procedimento judicial ou extrajudicial (resolução convencional).

Dito de outro modo, a resolução tem o condão de garantir às partes o desligamento da relação contratual, em razão de inadimplemento da outra parte ou pela ocorrência de fato superveniente, como é o caso de eventual onerosidade excessiva; sendo que a resolução poderá se dar judicialmente ou de modo convencional.

 A partir disso, o estudo se voltará especificamente aos contratos coligados, a fim de analisar o tratamento da resolução no âmbito da coligação contratual.

A definição de contratos coligados é assim trazida por Francisco De Crescenzo Marino: “contratos que, por força de disposição legal, da natureza acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca”4.

Segundo Rosario Nicolò a identificação de contratos como sendo coligados baseia-se na autonomia estrutural dos contratos e seu nexo funcional, pois os contratos são autônomos na medida em que cada qual possui o seu conteúdo e causa próprios; sendo o nexo funcional derivado da vontade das partes no sentido de “subordinar os efeitos do depósito à sorte do negócio fundamental”5.

Diante disso, são identificados como contratos coligados os negócios jurídicos que possuem uma conexão inerente ao nexo funcional existente entre eles, sendo este determinante para aferir o escopo visado pela coligação; mas, para a identificação destes contratos, não basta todo e qualquer nexo, e sim a constatação de uma organização entre estes, refletindo a operabilidade comum da coligação.

Assim, a respeito da resolução dos contratos coligados, Ruy Rosado de Aguiar expõe que a extinção de um dos contratos repercutirá nos demais negócios jurídicos em três hipóteses: (i) quando se demonstrar que “um não teria se firmado sem o outro”; (ii) quando “há impossibilidade de um determinar a do outro” e; (iii) quando o “incumprimento de um afetar o interesse que o credor poderia ter no cumprimento do outro”6. Em acréscimo, assevera Carlos Nelson Konder: “[…] A dissolução de um contrato por causa superveniente pode autorizar a extinção de outro contrato a ele vinculado”7.

Deste modo, se um dos contratos coligados vier a se resolver é possível que a dissolução deste implique na dos demais, seja pelas prestações se tornarem inúteis ao credor, seja pela natureza de dependência dos contratos; no caso do contrato acessório, este somente será mantido se o contrato principal continuar a produzir seus efeitos.

Para fins de elucidar exemplos práticos, destacam-se dois julgados abaixo, visando observar às soluções aplicadas aos litígios envolvendo contratos coligados.

O primeiro caso, oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, de março de 2021, envolvia pedido de extinção dos contratos, o qual versava sobre os seguintes negócios jurídicos: (i) compra e venda de veículo; e (ii) financiamento para obtenção do veículo8.

Na lide em apreço, a Autora ajuizou Ação de Resolução, tendo como objetivo a resolução dos contratos de compra e venda e financiamento, em razão da constatação de vício no veículo. Assim, em primeiro grau houve a homologação de acordo entre a concessionária e Autora, com a resolução do contrato de compra e venda. Já no tocante à financiadora, o d. magistrado julgou o feito, declarando a extinção do negócio jurídico, o que motivou a interposição de recurso por parte desta.

Em sede recursal, o Tribunal reconheceu a existência de coligação contratual de dependência unilateral, pois o contrato de financiamento estaria conectado ao de compra e venda, na medida em que aquele servia para proporcionar a realização do último, isto é, para possibilitar a aquisição do veículo9. Assim, manteve a sentença, declarando que a extinção do contrato de compra e venda teria o condão de extinguir o financiamento celebrado, por se tratar de consequência inerente à coligação contratual10.

O segundo julgado, oriundo do STJ, de fevereiro de 2014, envolvia pedido de extinção contratual movido pela consumidora em face de instituição financeira e da empresa vendedora de bens móveis, cuja coligação era composta por: (i) contrato de compra e venda para instalação e fabricação de cozinhas planejadas e; (ii) contrato de financiamento bancário. Em primeira instância, o juízo deferiu o pedido de resolução contratual e condenou as partes Rés em responsabilidade solidária. O Tribunal manteve a sentença.

Ao julgar o recurso especial, a Corte Superior reconheceu a existência de contratos coligados, diante da interdependência dos negócios firmados e, mediante análise funcional, evidenciou a relação de acessoriedade entre os negócios, sendo o financiamento acessório ao contrato de compra e venda. Assim, reconheceu que a resolução deste último afeta diretamente a manutenção do outro contrato. Por fim, afastou a responsabilidade solidária entre a comerciante e a instituição financeira, determinando-se que a responsabilidade desta última se limita aos valores dispendidos pela Autora. Ao final, julgou o recurso especial parcialmente procedente11.

Diante disso, considerando o nexo funcional entre os contratos coligados e a noção de resolução contratual, se verifica que a dissolução de um dos contratos poderá comprometer a existência dos demais. Assim, para verificar os efeitos da extinção, é imprescindível a análise individual de cada caso concreto, visando aferir se está mantido o interesse útil dos contratantes, se a coligação contratual foi ou não prejudicada, bem como se os contratos deixaram de produzir seus efeitos jurídicos a ponto de implicar em sua resolução.

______________

1 GOMES, Orlando. Contratos. Atualizado de acordo com o Código Civil de 2002, por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco de Paulo de Crescenzo Marino. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 221-222.

2 TEPEDINO, Gustavo. Validade e efeitos da resilição unilateral dos contratos, In: Revista dos Tribunais. Soluções Práticas, v. 2, pp. 571-584, nov./2011.

3 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 89.

4 MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2009, p.99.

5 NICOLÒ, Rosario. Deposito in funzione di garenzia e inadempimento del depositário. Il foro italiano, 1936, p. 1477.

6 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2.ed. Rio de janeiro: AIDE, 2004, p. 90.

7 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 228.

8 TJ/SP; Apelação Cível 1032810-47.2019.8.26.0001; Relator (a): Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/03/2021; Data de Registro: 01/03/2021.

9 Vide voto do Relator, Des. Hugo Crepaldi: O que se verifica na hipótese, então, é a interligação entre o contrato de financiamento e o de compra e venda do veículo, bem como a relação voluntariamente estabelecida entre a instituição financeira e a revendedora de veículos, atuando em conjunto face ao consumidor, que obtém o crédito com o estrito escopo de adquirir o automóvel escolhido. Em tais casos, nenhum dos contratos existiria autonomamente, sendo certo que o bem apenas pôde ser comprado em razão do financiamento oferecido, tendo a instituição financeira plena ciência da destinação do crédito concedido e a revendedora do conhecimento da fonte do crédito (TJSP; Apelação Cível 1032810-47.2019.8.26.0001. op.cit).

10 Idem. Ibidem.  

11 Recurso especial - ação de rescisão contratual de compra e venda para fabricação e instalação de cozinhas planejadas cumulada com repetição de indébito - instâncias ordinárias que julgaram procedente a ação para declarar rescindidos os contratos e condenar os réus (lojista, fabricante e banco), solidariamente, a devolver aos autores as quantias despendidas, com acréscimo de correção monetária e juros moratórios - insurgência da casa bancária - contrato coligado amparado em cessão de crédito operada entre o banco e o fornecedor dos bens em virtude de financiamento, por meio da qual passou a casa bancária a figurar como efetiva credora dos valores remanescentes a serem pagos pelos consumidores (prestações), deduzido o valor da entrada/sinal - recurso especial conhecido em parte e na extensão, parcialmente provido para afastar a responsabilidade solidária da casa bancária no tocante à integralidade dos valores desembolsados pelos autores, remanescendo o dever de restituir os importes recebidos mediante boleto bancário devidamente corrigidos e acrescidos de juros de mora a contar da citação por se tratar de responsabilidade contratual. [...] Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, parcialmente provido, para afastar a responsabilidade solidária da casa bancária pela repetição integral dos valores despendidos pelos consumidores, abarcando aquele pago a título de entrada no negócio de compra das cozinhas planejadas, remanescendo a responsabilidade do banco na devolução atualizada dos valores recebidos por meio dos boletos bancários, em razão da cessão do crédito restante (crédito cedido pela lojista não abrangendo o valor recebido por esta última a título de entrada no negócio), pois as vicissitudes de um contrato repercutiram no outro, condicionando-lhe a validade e a eficácia. (STJ. Resp n. 1.127.403/SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Ministro Marco Buzzi, quarta turma, julgado em 4/2/2014, dje de 15/8/2014).

______________

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2.ed. Rio de janeiro: AIDE, 2004.

ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980.

GOMES, Orlando. Contratos. Atualizado de acordo com o Código Civil de 2002, por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco de Paulo de Crescenzo Marino. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2009.

NICOLÒ, Rosario. Deposito in funzione di garenzia e inadempimento del depositário. Il foro italiano, 1936.

TEPEDINO, Gustavo. Validade e efeitos da resilição unilateral dos contratos, In: Revista dos Tribunais. Soluções Práticas, v. 2, pp. 571-584, nov./2011.

Beatriz Cal Tavares
Advogada. Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial pela FGV. Bacharel em Direito pela UEL.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025

Seguros de danos, responsabilidade civil e o papel das cooperativas no Brasil

3/12/2025

ADPF do aborto - O poder de legislar é exclusivamente do Congresso Nacional

2/12/2025