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Entre riscos e oportunidades: a lei da reciprocidade e o novo ciclo de investimentos no Brasil

A Lei da Reciprocidade Econômica fortalece o Brasil no cenário global, reagindo a barreiras comerciais e impulsionando debates sobre capital estrangeiro.

4/4/2025

A Lei da Reciprocidade Econômica, aprovada recentemente por unanimidade pelo Senado Federal e em regime de urgência pela Câmara dos Deputados, vai além de uma reação às barreiras comerciais impostas por Estados Unidos e União Europeia. A medida insere o Brasil em uma postura mais assertiva nas disputas comerciais globais, ao mesmo tempo em que reacende o debate sobre os fluxos de capital estrangeiro em setores estratégicos – especialmente no mercado de fusões e aquisições (M&A) e infraestrutura.

Desde janeiro, acompanhando operações de M&A e emissões de dívida estruturadas por clientes e parceiros, observa-se um comportamento bifurcado entre investidores globais. De um lado, gestoras e bancos de investimento americanos demonstram maior seletividade diante do risco regulatório brasileiro. Cartas recentes divulgadas por Berkshire Hathaway, JP Morgan e Goldman Sachs indicam um movimento de reavaliação de portfólios no Brasil. Do outro, investidores asiáticos, com destaque para grupos chineses, mantêm posição firme e crescente no país, especialmente em setores como energia, logística e agronegócio.

O pano de fundo desse movimento é o recente avanço protecionista norte-americano. No dia 2 de abril, o presidente Donald Trump anunciou a imposição de tarifas generalizadas sobre importações, com alíquota-base de 10%, além de sobretaxas específicas para países como China (34%) e União Europeia (20%). A medida elevou o nível tarifário dos EUA ao maior patamar em mais de um século. O impacto foi imediato: o S&P 500 recuou 4,8% no dia seguinte – maior queda diária desde 2008. O índice pan-europeu STOXX registrou queda acumulada de 5% na semana, enquanto bolsas asiáticas, como a de Tóquio, também operaram em forte baixa.

Em contraste, o Ibovespa manteve relativa estabilidade. No dia 3 de abril, fechou com leve recuo de 0,04%, aos 131.140 pontos. A reação contida do mercado brasileiro sugere leitura estratégica por parte dos investidores: o Brasil pode se beneficiar de realocações globais de capital em um cenário de fragmentação comercial. O movimento reforça a tese de que o país, com seus ativos desvalorizados e base produtiva diversificada, segue no radar de investidores globais em busca de alternativas à Ásia.

A Lei da Reciprocidade, nesse contexto, surge como instrumento de barganha regulatória. Longe de representar apenas restrição, vem sendo interpretada por parte do mercado como ferramenta de equalização de condições e proteção de ativos críticos nacionais. Não por acaso, grupos como State Grid, China Communications Construction Company e COFCO seguem ativos no Brasil, firmando novas joint ventures e expandindo sua presença operacional.

No campo do capital americano, há uma distinção clara entre os segmentos. Enquanto investidores de infraestrutura e renda fixa migram parcialmente para mercados de menor volatilidade, como México e Chile, fundos de venture capital com sede nos EUA seguem investindo ativamente em startups brasileiras. Setores como fintech, edtech, healthtech e logística concentram as principais rodadas. A lógica aqui é outra: diferentemente dos fundos institucionais tradicionais, o venture capital atua com visão de longo prazo e apetite por disrupção. Startups brasileiras oferecem valuation atrativo, escalabilidade regional e penetração em mercados ainda pouco atendidos – características valorizadas por gestores como Andreessen Horowitz, Sequoia Capital e General Atlantic. 

Nesse ambiente, o comportamento dos bancos centrais se torna variável crítica. O Federal Reserve enfrenta o dilema entre o risco inflacionário gerado pelas tarifas e a desaceleração econômica. O Banco Central Europeu já avalia cortes de juros para mitigar os efeitos das restrições comerciais. No Brasil, o Banco Central tem adotado postura cautelosa, mas também inovadora: o anúncio feito pelo presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, sobre o uso do Pix como garantia de empréstimos, sinaliza compromisso com a modernização do sistema financeiro e ampliação da liquidez no mercado de crédito. 

É nesse cenário multifacetado que a Lei da Reciprocidade ganha relevância adicional. Para o capital asiático, que opera sob racionalidade geopolítica e industrial, a previsibilidade institucional brasileira — ainda que desafiadora — é compensada pela relevância estratégica dos ativos. Para o capital americano de risco, o diferencial competitivo ainda está no ecossistema de inovação. Em ambos os casos, o Brasil segue no jogo. 

A percepção externa sobre o país é segmentada. A retração de parte dos fundos tradicionais não implica fuga generalizada. O que se vê é uma reconfiguração do perfil dos investidores e dos setores-alvo. Energia, logística, mineração, agricultura e tecnologia permanecem como vetores principais de atração de capital estrangeiro. Empresas brasileiras que souberem estruturar narrativas estratégicas, alinhar governança e antecipar movimentos regulatórios estarão mais bem posicionadas para captar recursos e liderar consolidações. 

No curto prazo, o Brasil se beneficia de ser “mercado neutro” nas disputas sino-americanas. No médio prazo, a efetividade da Lei da Reciprocidade dependerá da calibragem regulatória e da capacidade do Estado brasileiro em dialogar com seus principais parceiros comerciais. O novo ciclo de investimentos não será unidimensional – e o país que entender isso sairá à frente.

Lucas Moreira Gonçalves
Sócio do Martinelli Advogados e especialista em Mercado de Capitais.

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