Migalhas de Peso

Ocupação não onerosa de faixas de domínio

A decisão do STF consolida a segurança jurídica e previsibilidade regulatória indispensáveis para a expansão dos empreendimentos de infraestrutura no país.

7/4/2025

O plenário do STF voltou a se debruçar sobre tema recorrente e sensível no âmbito da infraestrutura nacional: a (im)possibilidade de as concessionárias de energia elétrica serem oneradas pela ocupação das faixas de domínio, assim entendidas as áreas de utilidade pública sobre as quais se assentam rodovias, ferrovias e seus respectivos dispositivos operacionais — como sistemas de drenagem, vias marginais, retornos, trevos, praças de pedágio, áreas de descanso, entre outros.

A questão foi objeto do julgamento do RE 889.095-AgR-ED-EDv-AgR, sob relatoria do ministro André Mendonça. O acórdão, divulgado em 21/3/25, reafirma de forma categórica a jurisprudência da Corte no sentido de ser inconstitucional qualquer cobrança imposta às concessionárias de energia elétrica pela utilização dessas áreas, consolidando entendimento que já se delineava em decisões anteriores.

O precedente mais expressivo, nesse sentido, é o acórdão da ADIn 3.763/RS, julgada em abril de 2021 sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia.

Naquele julgamento, o STF declarou inconstitucional norma estadual do Rio Grande do Sul que pretendia instituir a cobrança sobre a ocupação de faixa de domínio por concessionárias do setor elétrico.

A Corte assentou que a legislação Federal prevalece sobre normas estaduais que pretendam disciplinar matéria de competência privativa da União, como é o caso da prestação do serviço público de energia elétrica (arts. 21, XII, “b”, e 22, IV, da CF/88).

No cerne do raciocínio jurídico está o decreto Federal 84.398/1980, norma recepcionada pela CF/88, cujo art. 2º assegura às concessionárias de energia elétrica o direito à ocupação não onerosa de faixas de domínio para implantação de suas estruturas de transmissão e distribuição.

A tentativa de cobrança por Estados ou municípios viola o pacto federativo e ameaça a racionalidade e uniformidade do sistema elétrico nacional, pondo em risco a continuidade e a eficiência dos serviços.

Esse entendimento foi novamente reafirmado ao final de 2024, no julgamento do RE 1.181.353-AgR-AGR-ED-ED-EDv-AGR/SP, sob relatoria do ministro Nunes Marques.

A decisão afastou qualquer dúvida interpretativa e reforçou o alcance do art. 2º do decreto 84.398/1980, asseverando que a previsão contida no art. 11 da lei 8.987/1995, ao admitir receitas acessórias e complementares por parte das concessionárias de serviços públicos, não pode ser invocada para legitimar a imposição de encargos sobre a ocupação das faixas de domínio por concessionárias de energia elétrica.

Portanto, a decisão do STF no RE 889.095-AgR-ED-EDv-AgR consolida de maneira inequívoca a jurisprudência constitucional acerca da não onerosidade da ocupação de faixas de domínio pelas concessionárias do setor elétrico, reforçando os pilares da segurança jurídica e da previsibilidade regulatória indispensáveis para a continuidade e expansão dos empreendimentos de infraestrutura no país.

Trata-se de um importante freio às iniciativas estaduais e municipais que, à margem da CF, tentam ampliar suas receitas à custa de distorções jurídicas, comprometendo a estabilidade e a coerência do marco normativo do setor elétrico nacional.

A clareza e a firmeza do posicionamento do STF neste tema robustecem o ambiente jurídico regulatório, afastando investidas que poderiam comprometer o desenvolvimento e a operação do sistema elétrico brasileiro.

Edgard Hermelino Leite Junior
Sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

Mário Dorna
Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro efetivo do IBDP.

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