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Pai afastado do filho tem direito de notícia assegurado

Mesmo sob medidas protetivas, o pai tem direito à informação sobre o filho. Negar esse direito é violar o poder familiar e o melhor interesse da criança.

22/4/2025

1. Introdução.

As medidas protetivas de urgência (MPUs) previstas na Lei Maria da Penha representam instrumentos fundamentais de salvaguarda da integridade física e psicológica de mulheres e crianças em situações de violência doméstica. No entanto, a sua aplicação muitas vezes ultrapassa os limites da razoabilidade, afetando não apenas o homem sob protetivas, mas também o bem-estar emocional e relacional de terceiros inocentes — especialmente filhos menores. Um dos principais dilemas enfrentados nesse contexto é a exclusão do pai do direito à informação sobre o filho. Tal exclusão, comumente chamada de "direito de notícia", configura não apenas violação ao poder familiar, mas também afronta direta ao princípio do melhor interesse da criança. Este ensaio visa desenvolver uma análise crítica sobre esse tema, expondo os abusos que resultam da confusão entre restrição de convivência e negação completa ao acesso à informação aos filhos, além de propor caminhos equilibrados que respeitem simultaneamente a segurança da vítima e os direitos do genitor.

2. Desenvolvimento.

2.1 Medidas protetivas e seus limites.

As MPUs, de natureza cautelar inibitória e provisória, são deferidas com base em indícios unilaterais, geralmente oriundos da palavra da suposta vítima, com o objetivo de interromper imediatamente qualquer risco à integridade da parte vulnerável. Embora fundamentais, essas medidas não possuem natureza condenatória e, portanto, não devem ser confundidas com sanções definitivas, embora socialmente acabem trazendo muito estigma e danos reputacionais ao homem intimado.

Porém, é recorrente que, no bojo dessas decisões, a suspensão da convivência do pai com o filho seja determinada com base exclusivamente na extensão automática da restrição imposta à mãe. Tal prática, além de carecer de motivação técnica adequada, ignora o caráter individualizado que deve reger toda restrição de direitos fundamentais. A convivência entre pai e filho, quando não há indícios de risco direto à criança, deve ser tratada com cautela, e eventuais limitações devem ser embasadas em elementos concretos. Pior do que isso, entretanto, é a privação de notícia — ou seja, a total exclusão do pai de informações básicas e essenciais sobre o bem-estar do filho.

2.2 Convivência x Informação: distinções fundamentais.

É preciso distinguir duas esferas distintas do exercício do poder familiar: o direito à convivência e o direito à informação. Enquanto o primeiro envolve a presença física e a interação direta entre pai e filho, o segundo se refere ao conhecimento contínuo sobre aspectos vitais da criança — saúde, escolaridade, desenvolvimento emocional, entre outros. Restringir a convivência, por cautela, pode ser compreensível em certos casos. Já restringir a informação, salvo decisão judicial definitiva e fundamentada, fere não apenas o direito do pai, mas o próprio interesse da criança em manter vínculos com ambas as figuras parentais.

Quando o Judiciário — por omissão ou por erro de interpretação — admite que a genitora impeça o pai de receber notícias sobre a criança, ainda que este não esteja impedido judicialmente de exercer seu poder familiar, acaba por legitimar um tipo velado de alienação parental. A ausência de informação coloca o pai em uma posição de invisibilidade e descontinuidade afetiva, ao passo que a criança cresce sem a presença, mesmo que indireta, de uma figura de referência afetiva.

2.3 O caráter não condenatório das MPUs e os riscos da ampliação abusiva.

Por serem decisões de urgência baseadas em versões unilaterais, as MPUs devem se limitar ao estritamente necessário para impedir o risco à vítima. No entanto, quando se amplia seu alcance para incluir a proibição tácita de todo e qualquer contato — inclusive o indireto — com o filho, há extrapolação indevida dos efeitos da medida.

Essa extrapolação é agravada pelo fato de que o direito à informação, ao contrário da convivência, não representa risco à vítima. Trata-se de direito vinculado à existência, à personalidade, ao exercício do poder familiar, reconhecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e cuja supressão só pode ocorrer em casos extremos, mediante sentença com trânsito em julgado que declare a perda do poder familiar — o que não é o caso da imensa maioria das situações que envolvem medidas protetivas.

Negar esse direito equivale a comprometer o princípio do contraditório e da ampla defesa, já que o pai sequer pode acompanhar a evolução da vida do filho para, eventualmente, buscar judicialmente medidas que preservem seu vínculo.

2.4 A figura do “terceiro ponte” como solução viável.

Diante do impasse gerado pela restrição do contato direto, muitos tribunais têm adotado a figura do chamado "terceiro ponte": pessoa neutra e de confiança que intermedia o fluxo de informações entre os genitores. Avós, tios, padrinhos, assistentes sociais ou até mesmo técnicos da vara da infância podem cumprir esse papel.

Esse modelo permite conciliar a proteção da vítima com a preservação do direito do pai à notícia, demonstrando que não se trata de um dilema insolúvel, mas de uma questão de boa vontade institucional e interpretação equilibrada da legislação.

A jurisprudência já admite que, mesmo em contextos de conflito, deve-se buscar preservar o maior número possível de prerrogativas relacionadas à parentalidade, desde que isso não represente ameaça concreta à integridade física ou psicológica da criança.

2.5 Consequências emocionais da privação de informação.

Estudos na área de psicologia infantil e direito da família apontam que a ausência prolongada de um dos genitores, sem justificativa clara ou contato indireto, pode acarretar traumas emocionais, insegurança afetiva e problemas de identidade. O vínculo afetivo não se constrói apenas pela presença física, mas também pelo cuidado simbólico — aquele que se expressa na preocupação contínua, no acompanhamento à distância, e no desejo de participar da vida da criança, mesmo que sem contato direto.

Ao excluir o pai da possibilidade de saber como está seu filho, nega-se não apenas um direito jurídico, mas uma dimensão essencial da experiência humana: o pertencimento familiar. E a criança, por sua vez, é privada de um vínculo que poderia, no futuro, representar uma rede de afeto, proteção e apoio.

3. Conclusão.

O direito de notícia do pai, mesmo quando submetido a medidas protetivas, é uma expressão legítima e inalienável do poder familiar, que não deve ser restringido sem fundamentação robusta e definitiva. A confusão entre restrição de convivência e exclusão total de informações sobre o filho revela um grave equívoco hermenêutico, que precisa ser superado por uma atuação judicial sensível e equilibrada.

A adoção de mecanismos como a intermediação de terceiros, bem como a reafirmação do caráter provisório das medidas protetivas, são caminhos possíveis e eficazes para garantir que o vínculo entre pai e filho não seja rompido injustamente. É preciso lembrar que o verdadeiro objetivo do sistema de proteção à vítima não deve ser a exclusão sumária do pai da vida do filho, mas sim a harmonização entre proteção, prevenção e garantia dos direitos fundamentais de todos os envolvidos.

A Justiça, como expressão máxima do Estado Democrático de Direito, deve sempre zelar para que medidas excepcionais não se tornem regra, e que nenhuma cautela se transforme, inadvertidamente, em instrumento de punição precoce. O melhor interesse da criança não está em apartá-la do pai, mas em garantir-lhe uma rede de afetos íntegra, segura e amorosa.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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