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Herança digital e o testamento como aliado

A herança digital ganha destaque como parte essencial do testamento, permitindo que o testador decida sobre bens e memórias digitais após a morte.

25/4/2025

Ao realizar uma simples publicação nas redes sociais, poucos se perguntam: qual será o destino desses conteúdos no futuro? 

Embora a morte não seja um tema confortável, é certo que se trata da única certeza da vida. Igualmente, é inegável que, com o avanço da tecnologia, cada indivíduo acumula um acervo digital significativo, composto não só por elementos de natureza patrimonial como também extrapatrimonial e que juntos constituem a denominada “herança digital” de cada um.

A chamada herança digital consiste em um conjunto de bens, direitos e conteúdos armazenados em meios digitais, que subsistem mesmo após o falecimento do indivíduo e que podem possuir valor patrimonial ou existencial. 

Nesse contexto, torna-se não apenas oportuno, mas necessário, tratar da herança digital e de um instrumento que, apesar de pouco utilizado, muito útil nesse cenário: o testamento. Explica-se.

Nos termos da legislação vigente, a sucessão legítima tem caráter subsidiário em relação à sucessão testamentária, ressalvados, evidentemente, os direitos dos herdeiros necessários, que fazem jus, obrigatoriamente, à metade da herança.

Isso significa que a sucessão testamentária prevalece, tanto na ausência de herdeiros necessários, quanto sobre a parcela disponível do patrimônio — revelando o alcance da declaração de última vontade, frequentemente subestimado. É a partir dessa perspectiva que se deve responder à pergunta inicial: “Qual o futuro dos seus conteúdos digitais?”.

Por meio do testamento, é possível dispor não apenas sobre bens materiais, mas também sobre o destino do acervo digital do testador, sejam eles patrimoniais ou existenciais. 

Aqui, convém distinguir entre os bens digitais patrimoniais, suscetíveis de valoração econômica, e os bens extrapatrimoniais, desprovidos de valor econômico direto, mas fortemente vinculados à privacidade, intimidade e identidade do titular. 

A título ilustrativo, a herança digital de natureza patrimonial abrange os bens digitais que possuem valor econômico e podem gerar receita, tais como contas monetizadas em plataformas (Instagram, YouTube, TikTok, entre outras), carteiras de criptomoedas, lojas virtuais, cursos online, e demais ativos digitais com potencial de retorno financeiro.

Os bens digitais patrimoniais integram o espólio e podem ser objeto de partilha. Ainda assim, deve-se considerar a eventual alteração de seu valor ao longo do tempo, inclusive após o falecimento — questão que exige análise específica.

Por sua vez, a chamada herança digital extrapatrimonial — também conhecida como existencial ou afetiva — compreende conteúdos relacionados à esfera íntima e pessoal do falecido, tais como perfis em redes sociais, álbuns de fotografias armazenados em nuvem ou no celular pessoal, históricos de conversas em aplicativos de mensagens, e-mails, entre outros registros de valor imaterial e emocional.

Diante disso, é inegável a importância de registrar, em vida, a vontade expressa quanto ao destino do acervo digital, que pode refletir diretamente na preservação da imagem e da memória do falecido perante familiares e terceiros, uma vez que é possível determinar:

Conclui-se, portanto, que o testamento é instrumento jurídico que transcende a mera disposição de bens patrimoniais, permitindo ao testador manifestar suas últimas vontades em múltiplas dimensões da vida civil. Entre essas, destaca-se a possibilidade de deliberar sobre o destino de seu acervo digital, conferindo segurança jurídica e respeito à memória e privacidade após a morte. 

Dessa forma, o testamento revela-se ferramenta essencial para assegurar a efetividade da autonomia da vontade também no contexto das novas relações digitais.

Thauane Prieto Rocha
Advogada na área de Sucessão Empresarial e Familiar da Oliveira e Olivi. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo IBDFAM.

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