A garantia de água potável em espaços públicos como escolas, creches, hospitais, asilos e unidades de assistência social é uma questão de saúde pública que ressoa nos direitos fundamentais à vida, à saúde e à dignidade humana. Em inúmeros municípios brasileiros, a ausência de regulamentação específica sobre a limpeza periódica de caixas d’água nesses equipamentos revela uma lacuna legislativa alarmante. Mais do que isso, a falta de transparência na divulgação dessas informações impede o exercício pleno do controle social. Este artigo convoca a classe jurídica e a sociedade a enfrentarem essas omissões, propondo normas municipais robustas e a publicização obrigatória dos dados de limpeza no Portal da Transparência, assegurando a potabilidade da água e protegendo os usuários desses serviços essenciais em todo o Brasil.
O Direito à água potável: Um pilar constitucional
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 196, consagra a saúde como um direito universal e dever do Estado, abrangendo o acesso a condições sanitárias seguras. O art. 227 prioriza a proteção de crianças e adolescentes, enquanto o art. 205 destaca a educação como direito fundamental. Nos hospitais, a qualidade da água é crucial para procedimentos médicos e para a segurança de pacientes imunocomprometidos. Em asilos e unidades de assistência social, a água potável é indispensável à dignidade de idosos e populações vulneráveis.
O ECA (lei 8.069/1990) e o Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003) reforçam a necessidade de ambientes seguros para esses grupos. Contudo, a ausência de legislação municipal específica sobre a limpeza de caixas d’água em equipamentos públicos compromete a efetividade desses direitos. A portaria de consolidação 5/17 da Anvisa recomenda a limpeza semestral de reservatórios em espaços de uso coletivo, mas a falta de normas locais dificulta a implementação e o controle social. Em estados como São Paulo, o decreto 12.342/1978 determina a limpeza periódica de reservatórios prediais, mas sua aplicação genérica não garante fiscalização rigorosa em locais críticos como escolas, creches e hospitais.
Lacuna legislativa e opacidade: Um risco sistêmico
A omissão de legislações municipais específicas sobre a limpeza de caixas d’água em equipamentos públicos cria um vácuo regulatório que expõe crianças, idosos, pacientes, profissionais de saúde e assistidos a riscos graves, como a proliferação de bactérias (Escherichia coli, Legionella), algas ou vetores de doenças, como o mosquito Aedes aegypti. A ausência de documentos comprobatórios – como relatórios de limpeza, certificados de desinfecção e análises de potabilidade – agrava o problema. Mais preocupante ainda é a falta de acesso público a essas informações, que muitas vezes não são disponibilizadas nos Portais da Transparência, dificultando a fiscalização cidadã prevista na a lei de acesso à informação (lei 12.527/11).
Diversos municípios brasileiros, no entanto, já avançaram na proteção sanitária desses espaços. Exemplos incluem:
- Belo Horizonte/MG – lei 6.673/1994: Determina a limpeza semestral de reservatórios em escolas, unidades de saúde e entidades beneficentes, com análises periódicas de potabilidade.
- São Paulo/SP – lei 10.770/1989: Institui o controle da limpeza de caixas d’água em estabelecimentos de uso coletivo, incluindo hospitais e creches, com periodicidade recomendada de seis meses.
- Laguna/SC – lei 187/2008 (Código Sanitário Municipal): Estabelece a obrigatoriedade de limpeza semestral em escolas, unidades de saúde e outros espaços públicos.
Esses modelos demonstram que a regulamentação municipal é viável e essencial para alinhar as práticas locais às diretrizes sanitárias nacionais, especialmente em equipamentos que atendem populações vulneráveis.
O papel do Poder Legislativo municipal
A classe jurídica – advogados, promotores, defensores públicos e legisladores municipais – desempenha um papel crucial na formulação e fiscalização de políticas públicas voltadas à saúde. A proposição de projetos de lei em âmbito municipal, inspirados nos exemplos de Belo Horizonte, São Paulo e Laguna, poderia instituir:
- Periodicidade obrigatória: Limpeza semestral das caixas d’água em escolas, creches, hospitais, asilos e unidades de assistência social, conforme orientação da Anvisa.
- Fiscalização estruturada: Exigência de relatórios, certificados de limpeza e análises de potabilidade, com arquivamento obrigatório e acesso público garantido.
- Transparência ativa: Obrigatoriedade de publicação, no Portal da Transparência de cada município, de um relatório semestral contendo: datas das limpezas, responsáveis pelo serviço (servidores ou empresas terceirizadas), resultados das análises de potabilidade e eventuais irregularidades corrigidas. Essa medida fortalecerá a confiança da população na gestão pública e facilitará o monitoramento por cidadãos, conselhos de saúde e organizações da sociedade civil.
- Sanções definidas: Penalidades claras para o descumprimento, como multas, suspensão de alvarás sanitários e responsabilização administrativa.
- Educação sanitária: Programas de conscientização para gestores, profissionais e comunidades atendidas sobre a importância da manutenção dos reservatórios.
- Inclusão e acessibilidade: Adaptação das normas para garantir que asilos, unidades de assistência social e hospitais atendam às necessidades de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, incluindo a segurança hídrica.
O Ministério Público, com base no art. 127 da Constituição, pode atuar como fiscal da lei, exigindo do poder público municipal o cumprimento das normas sanitárias e a proteção dos direitos difusos de crianças, idosos, pacientes e assistidos. A Defensoria Pública pode representar populações vulneráveis em ações coletivas contra negligências na gestão hídrica, promovendo o acesso à justiça.
Transparência como pilar do controle social
Além da implementação de leis inspiradas em modelos bem-sucedidos, os municípios brasileiros devem adotar a transparência como princípio norteador. A publicização dos dados de limpeza de caixas d’água no Portal da Transparência é uma medida simples, mas transformadora. Esses portais, já amplamente utilizados para divulgar informações sobre orçamento e contratos, podem incluir uma seção dedicada à gestão hídrica dos equipamentos públicos, com relatórios acessíveis em linguagem clara e formatos que atendam às necessidades de pessoas com deficiência visual ou outras limitações.
Essa prática não apenas cumpre os preceitos da lei de acesso à informação, mas também empodera a sociedade para fiscalizar a qualidade da água consumida em escolas, creches, hospitais e outros espaços. A transparência ativa reduz a necessidade de pedidos formais de informação, economiza recursos públicos e fortalece a confiança nas instituições. Municípios que adotarem essa abordagem – publicando datas, relatórios e análises de potabilidade – se posicionarão como referência em governança sanitária.
Um chamado à sociedade brasileira
A sociedade civil é protagonista na cobrança por transparência e qualidade nos serviços públicos. Pais, profissionais de saúde, cuidadores, idosos e cidadãos têm o direito de exigir informações sobre a limpeza de caixas d’água, solicitando documentos como contratos de terceirização, relatórios de manutenção e testes de potabilidade. A lei de acesso à informação capacita qualquer pessoa a acessar esses dados, promovendo o controle social. A mobilização comunitária – por meio de associações de pais, conselhos de saúde, organizações de idosos ou coletivos de direitos humanos – é fundamental para pressionar por mudanças.
A negligência na manutenção de reservatórios pode resultar em consequências devastadoras: surtos de doenças de veiculação hídrica, infecções hospitalares, interrupção de aulas ou até óbitos em hospitais e asilos. Em um contexto de mudanças climáticas e aumento da vulnerabilidade sanitária, a segurança hídrica em equipamentos públicos é uma prioridade nacional inadiável.
Conclusão: O Direito e a transparência como instrumentos de Justiça social
A ausência de legislações municipais sobre a limpeza de caixas d’água em escolas, creches, hospitais, asilos e unidades de assistência social, aliada à falta de transparência na divulgação dessas informações, é um desafio que exige a ação conjunta do Poder Legislativo, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da sociedade civil em todo o Brasil. A classe jurídica deve liderar esse movimento, utilizando o arcabouço normativo – da Constituição à Lei de Acesso à Informação – para garantir a saúde e a dignidade das populações atendidas por esses equipamentos.
Conclamamos os vereadores brasileiros a propor leis específicas, inspiradas em Belo Horizonte, São Paulo e Laguna, e a incluírem a obrigatoriedade de transparência ativa nos Portais da Transparência. Exigimos que promotores e defensores públicos fiscalizem o cumprimento das normas sanitárias e que os cidadãos exerçam seu direito de participação. A água potável em espaços públicos não é apenas uma questão técnica, mas um compromisso ético e jurídico com a proteção dos mais vulneráveis. Que os municípios brasileiros se tornem referência em responsabilidade sanitária e transparência, construindo um futuro onde a saúde pública seja, de fato, um direito de todos.