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Bronquiolite e planos de saúde: Direito à vida e negativas abusivas

O impacto da sazonalidade da doença e as consequências jurídicas da recusa de cobertura pelos planos de saúde.

29/4/2025

A bronquiolite, infecção respiratória aguda que afeta predominantemente lactentes e crianças pequenas, tem se tornado protagonista nos prontos-socorros pediátricos durante os meses de outono e inverno.

A sazonalidade da doença — marcada por surtos causados principalmente pelo VSR - Vírus Sincicial Respiratório — traz não apenas o risco clínico aos pacientes, como também um fator de pressão sobre o sistema de saúde e as operadoras de planos.

Em meio a esse cenário, uma realidade tem se tornado recorrente nos hospitais privados: a negativa de cobertura por parte dos planos de saúde para tratamentos relacionados à bronquiolite, inclusive em situações de urgência e risco à vida.

Mas o plano de saúde pode, legalmente, negar esse tipo de cobertura?

Este artigo pretende analisar o tema sob o prisma jurídico, com fundamento na lei 9.656/1998, nas resoluções da ANS e no entendimento consolidado do STJ.

1. Cobertura obrigatória e o princípio da integralidade do tratamento

A bronquiolite é uma condição infecciosa viral caracterizada por inflamação dos bronquíolos, vias aéreas inferiores que se estreitam e dificultam a passagem de ar. Afeta principalmente crianças de até dois anos, e pode evoluir com sintomas como:

Muitos casos evoluem para necessidade de internação hospitalar e suporte ventilatório, sendo comum a indicação de UTI pediátrica e fisioterapia respiratória intensiva.

Nos termos da lei 9.656/1998, art. 10, § 4º, os planos de saúde devem assegurar a cobertura de todas as doenças listadas na CID da OMS, incluindo a bronquiolite (CID-10 J21).

Uma vez contratada a cobertura para doenças pediátricas ou hospitalares, o plano é obrigado a fornecer os meios terapêuticos necessários, inclusive medicamentos, exames e internação, salvo exclusão expressa e válida contratualmente — o que não pode violar normas de ordem pública nem restringir o núcleo essencial do direito à saúde.

A ANS, por sua vez, estabelece em sua regulamentação (especialmente RN 465/21, que atualiza o rol de procedimentos e eventos em saúde) a obrigatoriedade de cobertura para diversos itens usualmente relacionados ao tratamento de bronquiolite, como:

Em casos de urgência/emergência — como os quadros típicos de bronquiolite grave —, o art. 35-C da lei 9.656/98 determina que a cobertura seja garantida após 24 horas de vigência contratual, independentemente de carência ou autorização prévia.

2. Recusas mais comuns dos planos de saúde na bronquiolite — e por que são abusivas

Em casos de bronquiolite grave, as operadoras de saúde frequentemente apresentam recusas padronizadas para tentar se eximir da cobertura de exames, tratamentos e internações.

No entanto, muitas dessas negativas não se sustentam juridicamente e configuram práticas abusivas à luz do CDC e da lei 9.656/1998.

Recusas mais comuns:

“O procedimento não está no Rol da ANS.”

Essa é uma das justificativas mais recorrentes. Contudo, como já fixado, o rol da ANS é taxativo mitigado, devendo ser flexibilizado em situações específicas, especialmente diante de prescrição médica, ausência de tratamento alternativo e risco à saúde do paciente.

“Internação não autorizada por falta de carência.”

A carência contratual pode ser oposta apenas nos primeiros 24h do contrato para casos de urgência/emergência, conforme previsto no art. 35-C da lei 9.656/1998.

Após esse prazo, internações emergenciais — como as decorrentes de bronquiolite aguda — devem ser integralmente cobertas.

“Atendimento apenas na rede credenciada, mesmo que sem disponibilidade.”

Diante da lotação dos hospitais em decorrência da sazonalidade da doença, caso o plano não ofereça, dentro da rede referenciada, a estrutura necessária para o tratamento (por exemplo, falta de vaga em UTI pediátrica), o consumidor tem direito a atendimento fora da rede ou reembolso integral, nos termos das regras da ANS.

E por que essas recusas são abusivas?

Essas práticas violam princípios básicos do Direito do Consumidor e do Direito à Saúde, como:

Ao se negar a garantir o tratamento adequado, a operadora atenta contra o objeto essencial do contrato de assistência médica — proteger a vida e a saúde do paciente —, configurando cláusula abusiva e prática ilícita, passível de reparação e sanções judiciais.

3. A prevenção: Cobertura da vacina preventiva (Beyfortus)

A recente incorporação do anticorpo monoclonal nirsevimabe (Beyfortus) no SUS trouxe esperança às famílias de bebês em situação de risco.

Ainda, a partir da atualização extraordinária do rol da ANS, o imunizante nirsevimabe passou a integrar o rol de coberturas obrigatórias, para grupos de risco específicos, como:

O imunizante tem ação preventiva contra o VSR, principal causador da bronquiolite e, portanto, tem cobertura obrigatória nesses casos.

4. Como reagir diante de uma negativa?

O consumidor tem direito, segundo a ANS, de obter a negativa por escrito e fundamentada, inclusive com o número do protocolo.

De posse dessa negativa, é possível:

5. Conclusão

A bronquiolite é uma urgência pediátrica frequente e preocupante. Diante de sua gravidade, a negativa de cobertura por parte de operadoras de planos de saúde, sob justificativas frágeis ou cláusulas genéricas, é juridicamente reprovável.

Mais que uma questão contratual, trata-se de garantir o direito à vida e à saúde de bebês em situação crítica.

Portanto, é fundamental que pais e responsáveis estejam cientes de seus direitos, busquem orientação adequada e, quando necessário, ajuízem as medidas cabíveis para proteger a saúde dos pequenos — com base sólida na legislação e na jurisprudência consolidada.

Aline Vasconcelos
Advogada especialista em Direito da Saúde, com 15 anos de experiência na defesa de pacientes contra planos de saúde e na garantia de acesso a tratamentos e direitos essenciais.

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