A bronquiolite, infecção respiratória aguda que afeta predominantemente lactentes e crianças pequenas, tem se tornado protagonista nos prontos-socorros pediátricos durante os meses de outono e inverno.
A sazonalidade da doença — marcada por surtos causados principalmente pelo VSR - Vírus Sincicial Respiratório — traz não apenas o risco clínico aos pacientes, como também um fator de pressão sobre o sistema de saúde e as operadoras de planos.
Em meio a esse cenário, uma realidade tem se tornado recorrente nos hospitais privados: a negativa de cobertura por parte dos planos de saúde para tratamentos relacionados à bronquiolite, inclusive em situações de urgência e risco à vida.
Mas o plano de saúde pode, legalmente, negar esse tipo de cobertura?
Este artigo pretende analisar o tema sob o prisma jurídico, com fundamento na lei 9.656/1998, nas resoluções da ANS e no entendimento consolidado do STJ.
1. Cobertura obrigatória e o princípio da integralidade do tratamento
A bronquiolite é uma condição infecciosa viral caracterizada por inflamação dos bronquíolos, vias aéreas inferiores que se estreitam e dificultam a passagem de ar. Afeta principalmente crianças de até dois anos, e pode evoluir com sintomas como:
- Febre persistente;
- Chiado no peito;
- Retrações torácicas;
- Hipóxia (queda de oxigenação);
- Recusa alimentar.
Muitos casos evoluem para necessidade de internação hospitalar e suporte ventilatório, sendo comum a indicação de UTI pediátrica e fisioterapia respiratória intensiva.
Nos termos da lei 9.656/1998, art. 10, § 4º, os planos de saúde devem assegurar a cobertura de todas as doenças listadas na CID da OMS, incluindo a bronquiolite (CID-10 J21).
Uma vez contratada a cobertura para doenças pediátricas ou hospitalares, o plano é obrigado a fornecer os meios terapêuticos necessários, inclusive medicamentos, exames e internação, salvo exclusão expressa e válida contratualmente — o que não pode violar normas de ordem pública nem restringir o núcleo essencial do direito à saúde.
A ANS, por sua vez, estabelece em sua regulamentação (especialmente RN 465/21, que atualiza o rol de procedimentos e eventos em saúde) a obrigatoriedade de cobertura para diversos itens usualmente relacionados ao tratamento de bronquiolite, como:
- Internações hospitalares (inclusive em UTI);
- Fisioterapia respiratória (quando indicada);
- Consultas com pneumopediatras (se disponíveis na rede credenciada);
- Oxigenoterapia e exames complementares (radiografias, gasometria, PCR etc.).
Em casos de urgência/emergência — como os quadros típicos de bronquiolite grave —, o art. 35-C da lei 9.656/98 determina que a cobertura seja garantida após 24 horas de vigência contratual, independentemente de carência ou autorização prévia.
2. Recusas mais comuns dos planos de saúde na bronquiolite — e por que são abusivas
Em casos de bronquiolite grave, as operadoras de saúde frequentemente apresentam recusas padronizadas para tentar se eximir da cobertura de exames, tratamentos e internações.
No entanto, muitas dessas negativas não se sustentam juridicamente e configuram práticas abusivas à luz do CDC e da lei 9.656/1998.
Recusas mais comuns:
“O procedimento não está no Rol da ANS.”
Essa é uma das justificativas mais recorrentes. Contudo, como já fixado, o rol da ANS é taxativo mitigado, devendo ser flexibilizado em situações específicas, especialmente diante de prescrição médica, ausência de tratamento alternativo e risco à saúde do paciente.
“Internação não autorizada por falta de carência.”
A carência contratual pode ser oposta apenas nos primeiros 24h do contrato para casos de urgência/emergência, conforme previsto no art. 35-C da lei 9.656/1998.
Após esse prazo, internações emergenciais — como as decorrentes de bronquiolite aguda — devem ser integralmente cobertas.
“Atendimento apenas na rede credenciada, mesmo que sem disponibilidade.”
Diante da lotação dos hospitais em decorrência da sazonalidade da doença, caso o plano não ofereça, dentro da rede referenciada, a estrutura necessária para o tratamento (por exemplo, falta de vaga em UTI pediátrica), o consumidor tem direito a atendimento fora da rede ou reembolso integral, nos termos das regras da ANS.
E por que essas recusas são abusivas?
Essas práticas violam princípios básicos do Direito do Consumidor e do Direito à Saúde, como:
- Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal);
- Proteção da saúde (art. 196 da Constituição Federal);
- Função social do contrato (art. 421 do CC);
- Equilíbrio contratual e vedação a cláusulas abusivas (art. 51 do CDC).
Ao se negar a garantir o tratamento adequado, a operadora atenta contra o objeto essencial do contrato de assistência médica — proteger a vida e a saúde do paciente —, configurando cláusula abusiva e prática ilícita, passível de reparação e sanções judiciais.
3. A prevenção: Cobertura da vacina preventiva (Beyfortus)
A recente incorporação do anticorpo monoclonal nirsevimabe (Beyfortus) no SUS trouxe esperança às famílias de bebês em situação de risco.
Ainda, a partir da atualização extraordinária do rol da ANS, o imunizante nirsevimabe passou a integrar o rol de coberturas obrigatórias, para grupos de risco específicos, como:
- Prematuros com idade gestacional < 37 semanas (36 semanas e 6 dias) e com idade inferior a 1 ano (até 11 meses e 29 dias) entrando ou durante sua primeira temporada do VSR e;
- Crianças com idade inferior a 2 anos (até 1 ano, 11 meses e 29 dias) com a presença de doença pulmonar crônica da prematuridade (displasia broncopulmonar) ou;
- Crianças com idade inferior a 2 anos (até 1 ano, 11 meses e 29 dias) com a presença de doença cardíaca congênita com repercussão hemodinâmica demonstrada.
O imunizante tem ação preventiva contra o VSR, principal causador da bronquiolite e, portanto, tem cobertura obrigatória nesses casos.
4. Como reagir diante de uma negativa?
O consumidor tem direito, segundo a ANS, de obter a negativa por escrito e fundamentada, inclusive com o número do protocolo.
De posse dessa negativa, é possível:
- Apresentar denúncia à ANS;
- Ajuizar ação judicial com pedido de tutela de urgência, quando o quadro exigir rapidez na resposta — o que é comum em casos de bronquiolite grave.
- A jurisprudência dos tribunais brasileiros é farta no sentido de reverter esse tipo de recusa, especialmente quando demonstrada a necessidade clínica, urgência e risco de dano irreparável.
5. Conclusão
A bronquiolite é uma urgência pediátrica frequente e preocupante. Diante de sua gravidade, a negativa de cobertura por parte de operadoras de planos de saúde, sob justificativas frágeis ou cláusulas genéricas, é juridicamente reprovável.
Mais que uma questão contratual, trata-se de garantir o direito à vida e à saúde de bebês em situação crítica.
Portanto, é fundamental que pais e responsáveis estejam cientes de seus direitos, busquem orientação adequada e, quando necessário, ajuízem as medidas cabíveis para proteger a saúde dos pequenos — com base sólida na legislação e na jurisprudência consolidada.